«Apenas 36% dos portugueses falam um idioma diferente», segundo notícia do Diário Digital.
Ora, em boa verdade, isto não é de modo nenhum alarmante, nem sequer merecedor de grandes reparos.
Alarmante e, aí sim, horripilante é o número de portugueses que não falam o próprio idioma. Para cima de 80%, contando por baixo. Se pensarmos na percentagem à saída das universidades, então, o ponteiro abeira-se perigosamente dos 100. Uma amostra exclusivamente concentrada nas redacções plumitivas e rebentamos com a escala.
Pior que o panorama da fala só mesmo o da escrita. A generalidade das obras literárias lavradas por autores com a nacionalidade portuguesa requer tradução. Quando digo lavradas, subentenda-se literalmente uma cavalgadura ou junta bovina atrelados ao respectivo arado escrevinhante. Rasgam parágrafos como quem enfileira couves, semeiam metáforas como quem planta batatas.
Tudo somado resulta num enormíssimo mistério: saber ao certo em que idioma falam e escrevem os portugueses, sobretudo quando jovens ou jornalistas. Não sendo diferente do seu, nem, tão pouco, o seu, então que raio de idioma é?... Ao pé deste, o enigma esfíngico era uma brincadeira de crianças.
Filólogos e linguistas persignam-se, descabelam-se e debalde garimpam. De balde, de pá, de martelo compressor, de peneira e crivo, mas solução razoável é que não encontram. As miríficas escavações etimológicas ora conduzem a becos sem saída nem semântica, ora desembocam em labirintos de hieróglifos que só um Lovecraft nos seus melhores dias conseguiria decifrar. Escutar um destes aborígenes hodiernos (e, apenas em tese, nossos compatriotas) exige um certo sangue frio e não menor dose de ataraxia. Caso contrário, percalços traumatizantes podem suceder. De sustos tremendos a apoplexias súbitas, passando por colapsos nervosos, a galeria é vasta, ininterrupta e quase sempre pavorosa. O ruído que uma das mais belas línguas do mundo esguicha ao ser estropiada, mutilada e expectorada pelas dentuças (mais respectivo palato) dum tal energúmeno lalopata não é nada tranquilizador. Para o espírito menos avisado, a sugestão acode até, imediata e automática: "Estará a dirigir-se a mim ou às almas penadas do Outro-Mundo? Fala comigo ou blasfema a bandeiras despregadas? Convoca a minha atenção ou uma hoste completa de súcubos e íncubos, em passo de corrida e traje de cerimónia? Está a expressar uma opinião ou está a ter um ataque?..."
Ora, em boa verdade, isto não é de modo nenhum alarmante, nem sequer merecedor de grandes reparos.
Alarmante e, aí sim, horripilante é o número de portugueses que não falam o próprio idioma. Para cima de 80%, contando por baixo. Se pensarmos na percentagem à saída das universidades, então, o ponteiro abeira-se perigosamente dos 100. Uma amostra exclusivamente concentrada nas redacções plumitivas e rebentamos com a escala.
Pior que o panorama da fala só mesmo o da escrita. A generalidade das obras literárias lavradas por autores com a nacionalidade portuguesa requer tradução. Quando digo lavradas, subentenda-se literalmente uma cavalgadura ou junta bovina atrelados ao respectivo arado escrevinhante. Rasgam parágrafos como quem enfileira couves, semeiam metáforas como quem planta batatas.
Tudo somado resulta num enormíssimo mistério: saber ao certo em que idioma falam e escrevem os portugueses, sobretudo quando jovens ou jornalistas. Não sendo diferente do seu, nem, tão pouco, o seu, então que raio de idioma é?... Ao pé deste, o enigma esfíngico era uma brincadeira de crianças.
Filólogos e linguistas persignam-se, descabelam-se e debalde garimpam. De balde, de pá, de martelo compressor, de peneira e crivo, mas solução razoável é que não encontram. As miríficas escavações etimológicas ora conduzem a becos sem saída nem semântica, ora desembocam em labirintos de hieróglifos que só um Lovecraft nos seus melhores dias conseguiria decifrar. Escutar um destes aborígenes hodiernos (e, apenas em tese, nossos compatriotas) exige um certo sangue frio e não menor dose de ataraxia. Caso contrário, percalços traumatizantes podem suceder. De sustos tremendos a apoplexias súbitas, passando por colapsos nervosos, a galeria é vasta, ininterrupta e quase sempre pavorosa. O ruído que uma das mais belas línguas do mundo esguicha ao ser estropiada, mutilada e expectorada pelas dentuças (mais respectivo palato) dum tal energúmeno lalopata não é nada tranquilizador. Para o espírito menos avisado, a sugestão acode até, imediata e automática: "Estará a dirigir-se a mim ou às almas penadas do Outro-Mundo? Fala comigo ou blasfema a bandeiras despregadas? Convoca a minha atenção ou uma hoste completa de súcubos e íncubos, em passo de corrida e traje de cerimónia? Está a expressar uma opinião ou está a ter um ataque?..."
De facto, arrepiados diante das fórmulas, sortilégios e acessos verbofagos, criptogósmicos e acrogoéticos destes aborígenes palradores e tecnopalradores, a dúvida perpassa; quando não se instala mesmo, de pedra, cal e estojo de primeiros-socorros, clamando por apocalipses de gramáticas redentoras ou batalhões de exorcistas calejados, senão mesmo Van-Helsinguianos. E ao mesmo tempo que nos arrepia e perturba, tão cacofónico, abstruso e incoercível idioma desafia-nos, intriga-nos... De que galáxia ignota, abominável, provirá? Que nome maldito - torvo, lúgubre, assombroso- lhe será devido:
-Bimboguês? Labreguês? Pimbanhol? Pretoguês? Trolhantino? Alarvanita? Limusino? Gambusino? Herpes labial? Lalogonorreia?
Cercado por academias inteiras, sitiado por exércitos eruditos, esquadrinhado por hordas investigadoras, por curiosos autodidactas de toda a espécie, o mistério, no entanto, mantém-se. Inexpugnável.
Certo é que, mais uma vez, cabe ao concidadão à beira-mar plantado a fatia pioneira dos fenómenos esdrúxulos : é o único que, por regra, para falar (ou escrever), não usa qualquer idioma alheio, nem, ainda menos, o seu próprio idioma.
Paradoxo, esse, que, felizmente, não se verifica ao nível do pensamento. Aí desembarcado, após derivas boiantes ao sabor da maré, o luso-matumbo recorre avidamente -e por imperativo categórico - a um idioma diferente do seu. Nesse particular item, comanda mesmo destacadíssimo as tabelas mundiais: 99%. No mínimo. É um xenoglota viciado. Ou melhor, um xenonoeta. Pensa sempre em estrangeirês. Só fuma, bebe e acelera em ideias de importação. Maravilhemo-nos: Não há toino que não brilhe sob a espessa camada de tão bendito verniz.
9 comentários:
Ahahah
:)
Ainda bem que refere esses neologismos, porque na verdade falta um "p" na grafia de critogósmicos.
Putas de gralhas que não me largam!...
Talvez "Português Estrangeiro" seja uma boa descrição do linguajar que por aí se fala.
Outrora, na província, ainda se falava uma língua rica, de vocabulário variado, em comunhão com a vida dos campos. Agora, com a poluição televisiva, já nem ela escapa ao assassinato da língua.
"Escutar um destes aborígenes hodiernos (e, apenas em tese, nossos compatriotas) exige um certo sangue frio e não menor dose de ataraxia."
E então quando nos é servido em forma escrita? Basta abrir o jornal ou qualquer livrito de uma escritora da moda. Sim, porque isto dos blogues é tudo a brincar, não é?
:)))
fg santos! Ainda bem que fala nisso! A nossa língua dos campos era riquíssima em naturalismos e em expressividade semântica.
Nada há que se lhe compare, nesta senda actual da compressão linguística aos liguarejares estrangeiros.
Ouço para aí o ienfável implementar no discurso desse Sócrates que precisava, logo aí, de uma implantação na arcada dentária superior, em forma de murro firme e seguro.
Ouço ainda um expectável, como quem espera o combóio foguete, na gare do Oriente: a correr pelas escadas de betão e a fugir dos Sérgios Figueiredos deste país.
Ainda ouço uns tantos ditongos que não conseguem rimar as vogais com til, por ausência de significado estrangeiro.
Caro fg santos: que saudades tenho dos lavradores e dos podadores e ainda das carreteiros que picavam os bois com o aguilhão apimentado a língua franca!
Não tenho tantas saudades do tempo. Tenho mais dessas pessoas. Cada vez mais e cada vez melhor lembradas!
Pobres e simples, tinham a cultura básica que nos falta: a da honra; da honestidade e do saber profundo do antigamente!
Por estas e outras, continuo a sentir algum desconforto com aquela abertura, em 18 de Dezembro de 2003:
"Benvindos ao Blog do Dragão!".
Isto são boas-vindas que se dêem?
E se o Dragão sabe escrever, porra!?
Verte do melhor português que se lê na blogosfera.
__________
Deniz Costa
Por sinal, não sendo nada comigo, também costumava usar essa contracção proibida.
Benvindo, contraído numa saudação e aglutinado numa alegria, parecia-me muito mais escorreito do que o justaposto bem-vindo.
Porém, é assim que manda o Houaiss.
E esses são os mestres de cá e de lá, onde a língua se torna bola de trapos em jogos de alto valor.
Fiquei, do meu lado, com a apitadela da lição.
So está bem-vindo no dicionário, corrijam o cabrão do dicionário!...
:O)
Ele há dicionários do diabo...
Também sempre escrei benvindo (talvez de ler as de certeza erradas traduções da Bíblia), mas confesso que essa de botar o traço entre o bem e o vindo dá ideia hesitação ou, talvez, um breve, mesmo que ligeiro, exalar de um borborigmo.
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