terça-feira, setembro 06, 2005

Ivan, o Terrível; e Fidel, o Samaritano

«Last September, a Category 5 hurricane battered the small island of Cuba with 160-mile-per-hour winds. More than 1.5 million Cubans were evacuated to higher ground ahead of the storm. Although the hurricane destroyed 20,000 houses, no one died. »

Também a Swissinfo, há um ano atrás, deu conta do sucedido.

Ora, ou muito me engano, ou as más notícias, sobretudo para os neoconas cá da paróquia, não cessam. Sabe-se agora que os cubanos, que como todos sabemos arquejam sob os rigores de uma tirania comunista feroz, personalizada naquele facínora hirsuto, se bem que vetusto, que responde pelo nome de Fidel, experimentaram há coisa de um ano atrás o pior furacão de que há memória - um macho belicoso de sua graça Ivan (o Terrível, deve subentender-se) - e conseguiram evacuar cerca de 1.300.000 pessoas (mais coisa menos coisa, frigoríficos incluídos) sem registo de baixas humanas. Meus amigos, é obra.
Claro está que tudo isto obedeceu aos tortuosos caprichos dum ditador sanguinário que não suporta que um furacão lhe roube o privilégio, em seu entender exclusivo, de oprimir e massacrar a população indefesa. Pois, mas mesmo assim, convenhamos: uma república destas, literalmente apinhada de bananas, funcionar melhor, em temos básicos de solidariedade humana diante da mega-intempérie, do que o "paraíso terreal", capitaneado por essa nata benemérita do globo terrestre, é, no mínimo, uma afronta, um despautério merecedor duma invasão justiceira.
Está bem que tudo isto, mais uma vez, só prova a superioridade do sistema americano, onde, ao contrário da ilha presídio, os cidadãos são livres e responsáveis. Claro, em Cuba, pelos métodos despóticos do costume, os cidadãos foram arrancados à força das suas casas e levados, com brutalidade, de rojo, à coronhada, para fora do alcance letal do furacão; enquanto nos Estados Unidos, esse Novo-Éden, porque são livres e responsáveis, aqueles que quiseram, que assumiram essa soberana opção pessoal, armados dum belo livre-arbítrio - e foram aos milhares, os valentes!-, puderam deixar-se ficar nos seus postos, para serem mortos ou defenestrados pela ventania e, depois desta, pelos voluntariosos saqueadores que, em arrastão oportuno, se lhe seguiram. No fundo, foram mártires da liberdade, do self-enterprise e da democracia de mercado; uns bravos encurralados num novo Álamo por uma furacona malfazeja, nem mais . Dedique-se-lhes, pois, um justo obelisco comemorativo e organize-se um concerto rock de beneficiência em prol dos heróicos sobreviventes.
Isto, porém, toda esta verdade cintilante, só estará ao alcance de mentes prodigiosas, paranormais, vitaminadas por doses maciças e permanentes de auto-hipnose (durante as quais, em transe compenetrado, fitam automóveis de grande cilindrada e hipotéticos idílios associados); porque para o ser humano comum, dotado de faculdades normais e inteligência mediana ressaltará apenas o facto trivial, comezinho, de a superpotência de fantasia, e sobretudo quando toca a enfrentar a verdadeira e única superpotência do planeta, ter alcançado um grau de desmazelo, disfunção e trapalhice abaixo até de certas e conceituadas tiranias.
Ou seja, interessa-se mais pelos seus concidadãos um déspota reconhecidamente mitómano e delirante, como é Fidel, que, pelos vistos, uma oligarquia excelsa e benemérita de grandes exportadores de virtude democrática worldwide. Estes, a fazer fé nos indícios que se acumulam e que já levaram o próprio presidente a ordenar um inquérito, não parecem querer saber dos seus para nada, tirando, claro está, extorquir-lhes impostos, explorar-lhes vícios e fobias, e exigir-lhes metas de produção.

Mas mais que a já tradicional bandalheira neoconas, onde quer que opere, desiludiu-me o Fidel. Por duas simples razões: em primeiro lugar por, fazendo jus à sua lenda, não ter libertado os famosos dissidentes por alturas da passagem do Ivan, de modo a que aqueles aproveitassem a boleia deste para alcançarem com rapidez inaudita o almejado oásis da democracia americana (é sabido que o método mais célere de atravessar de Cuba para os States não é via marítima, mas via aérea, apanhando o primeiro furacão que ali passe); e em segundo, mais uma vez contrariando a sua peversidade já mítica, por ter tido a desfaçatez de oferecer ajuda médica aos Estados Unidos, chegando ao ponto de disponibilizar para cima de mil médicos peritos no fenómeno, em vez de ficar entretido com "acusações e retórica política". E mais, justificando tão peregrino desarrincanço, não através da cassete tradicional (outrora tão do agrado do nosso nobel da literatura), mas, imagine-se, (o tratante!) por via de argumentação lógica em perfeitas condições de uso e funcionamento. Reparem só neste breve excerto:
«Cuba, a short distance away from Louisiana, Mississippi and Alabama, was in a position to offer assistance to the American people. At that moment, the billions of dollars the United States could receive from countries all over the world would not have saved a single life in New Orleans and other critical areas where people were in mortal danger. Cuba would be completely powerless to help the crew of a spaceship or a nuclear submarine in distress, but it could offer the victims of hurricane Katrina, facing imminent death, substantial and crucial assistance. And this is what it’s been doing since Tuesday, August 30, at 12:45 pm, when the winds and downpours had barely ceased. We don’t regret it in the least, even if Cuba was not mentioned in the long list of countries that offered their solidarity to the US people. »

Foda-se, ó Fidel, com aliados como tu, não vou longe!... Se hás-de aproveitar a balbúrdia para lhes sabotares mais uma quantas plataformas petrolíferas, que é onde lhes dói, pões-te com essas solidariedades humanitárias!... caralho, pá, estás velho, é o que é!
Espero ao menos que as brigadas médicas fossem equipadas com as proverbiais seringas para tratamento detrás das orelhas dos velhinhos, ou no céu da boca das criancinhas.

8 comentários:

josé disse...

Dragão! Eu gosto de certa América e de certos pordutos americanos.
Mas isso não invalida que desgoste profundamente da mentalidade neoconas, por cá bem representada por alguns dos Blasfemos e arredores.

Agora, o que tenho a escrever é que essa comparação é terrível e arrasadora. E ainda não a vi escrita por aí. Contra factos não há argumentos por muito liberais que possamos ser na mentalidade.

Por outro lado, ao ler o que escreveste, veio a memória a recordação de uma americano que escrevia de modo endiabrado e que gostava de ser livre: Hunter S.Thompson da Rolling Stone.
Morreu o ano passado, mas herdaste-lhe o estilo.
Go ahead! O estilo era o chamado jornalismo gonzo, derivado da aliteração onomatopaica en que as letras andam às vezes mais depressa do que as palavras.

zazie disse...

a questão para os liberais blasfemos que eles não dizem com todas as letras é que assim é que está bem. Porque cada um deve amanhar-se como pode e qualquer tipo de ideia nacionalista tem o cunho do socialismo. Cá para mim até o Bush se assustava se soubesse disto...

":O.

é óbvio que com este exemplo cubano não temos eficiência- temos ingerência totalitária a salvar vidas (já não se fala de culturas e cidades porque isso é coisa que só existe como sentido de propriedade)

dragão disse...

Aproveito para saudar o teu regresso, Zazie, minha flor. Espero que as férias lá por terras de Sua Majestade tenham sido boas e congratulo-me com algo de que nunca duvidei: de que escaparias incólume aos árabes loucos que por lá infestam e explodem transeuntes. :O)

zazie disse...

ehehe beijocas rapaz.

Pois olha que dancei com árabes e negros e chinocas mas quando fui para entrar no avião de regresso nem te digo nada... os sacanas inspeccionaram-me dos pés à cabeça (literalmente). E não é que até espreitaram para dentro do porta-moedas e quiseram saber o que eram aqueles cartões todos de biblioteca?
toinos! e na volta deixaram passar uns árabes completamente bêbados que até se espojaram no chão do avião ":O)))

zazie disse...

devias ter visto os árabes a espojarem-se aos pés da "aeromoça"
";O)))

Anónimo disse...

Está tudo muito bem, mas há um pequeno detalhe que conta a favor dos States: é que estes não tiveram que se haver com um simples furacão- o Ivan, se bem que Terrível, mas sim com uma furacona- a Katrina que,lá por ser do género feminino, foi, como é costume, subestimada ... e depois dá no que dá!

dragão disse...

Este anónimo das 8.00 devia abrir um blogue (ou blog).

Anónimo disse...

EssA anónimA tem um blog ou, como diz e mtº bem, um blogue...mas raramente está inspirada, é mais expirada (data de consumo e tal).
Sua admiradora incondicional.