sexta-feira, novembro 16, 2012

Uma Questão de Sobrevivência

Há um ano atrás, dizia eu do actual governo aquilo que mantenho, transcrevo e culminarei hoje apenas duma pequena adenda (como se verá)...


A demissão do actual governo não é, em bom rigor, um caso de política, como se pretende fazer crer: é um caso de polícia. Mas não apenas do actual - o precedente, mais o precedente do precedente, a somar ao seu antecessor e a culminar, em retroactivo, ao Kavaquistão (já para não falar nos anteriores) - todos eles foram casos de polícia. O estado actual das contas públicas atesta-o soberanamente. O estado actual do património nacional revela-o às escâncaras. O estado actual comatoso do ex-Estado português brada-o aos quatro ventos!
Aliás, nem caso, nem crise - política? Rigorosamente nenhuma. Apenas de polícia.


De resto, os putativos políticos outra coisa não fazem, nem têm feito ao longo destes anos, que convocar a polícia. Esta, porém, assim como a política genuína, séria, consequente, não se avista nem comparece. A nossa desgraça, por isso germina e floresce dessa dupla ausência: de política e de polícia. Tanto quanto do excesso galopante, triunfante e imperador dos seus contrários. Se apenas nos faltasse a política, mas nos acudisse a polícia, ao menos ainda haveria esperança. Ou se nos desfalcasse a polícia, mas nos valesse a política, sempre se poderia emendar o desfalque. Mas assim não. Sem política nem polícia, penamos sem esperança nem emenda. Sem política nem polícia, ficamos à mercê da contrafacção mixordeira de ambas, reféns sob inapelável sequestro do capricho, do apetite, em suma, da venalidade aleivosa de falsos políticos e falsos polícias. Falsos políticos que não nos representam por inteiro, mas apenas nos nossos defeitos e desqualificações; que não nos estimulam para nada, a não ser naquilo que temos de mais baixo e desprezível; que não nos guiam a lado nenhum, a não ser no caminho para o estrangeiro, para a servidão e para a penúria. Falsos polícias que não nos defendem, nem protegem; que não guardam nem investigam. Mas apenas defendem, e protegem, e guardam pretorianamente a falsa política. Mas apenas acolitam à missa negra onde o erário e a fazenda pública são imolados, sem dó nem piedade, aos ídolos tenebrosos da situação. Mas apenas zelam pela tranquilidade do latrocínio instituído e pela segurança comilona do cancro transplantado. Da falsa democracia, da falsa política e da falsa administração, que não servem à polis nem aos seus cidadãos, mas apenas se servem - abusiva e ferozmente - deles. Donde resulta um estado hipertrofiado e autofágico que devora o país; administrações burgessas e africanizadas que se locupletam e refastelam nas empresas; militares castrados e obedientes com mais amor à promoção do que à Pátria; e uma miríade de palradores, mais ou menos escritos, publicados e embrulhados, desatados e untados numa vaselina multiusos de importação, para lubrificar o mega-supositório (mais ou menos instantâneo, mais ou menos recorrente) com que se auto-empalam e, simultaneamente, com o maior escarcéu e espavento possíveis, se expõem à curiosidade pública e à estupefacção do incauto. Afinal, nada como o enxame da falsa informação para nos atestar dos poderes estupefacientes da contrafacção.


Em resumo, não nos promove nem melhora a falsa política: esbulha-nos, desanima-nos e confisca-nos sòmente; como não nos defende a falsa polícia: vigia-nos e ameaça-nos apenas. Não sendo política, de todo, a crise, é, sobretudo e até mais que moral, existencial. A questão íntima que se coloca doravante a Portugal, depois da abdicação forçada de império, é saber se se resigna a esta Liliput rilhafolesca em que pretendem interná-lo.


Seremos, infelizmente, tudo isto que nos torpedeia, intoxica e auto-mutila; mas não somos apenas isto. Nem podemos consentir que nos reduzam a tal. Sob pena de mais valer um maremoto ou super-furacão que nos varra duma vez por todas da face do planeta. Sempre era mais digno e meritório ser varrido pelo Mãe Natureza do que por uma chusma coleoptérica e concertada de burocratas, moços de frete, macacos de imitação e parasitas profissionais. Disse.

E apenas acrescento, ou melhor, reforço, passado que está mais este ano: A remoção deste desgoverno já não se trata apenas duma questão de polícia, de higiene ou, tudo bem ponderado, de justiça: é já uma questão de sobrevivência.
Parafraseando Sexby: "aquele que se arma contra todos, arma todos contra si".



6 comentários:

zazie disse...

Dragão- os teus manifestos patriotas têm todo o sentido.

Mas, é claro que não servem para nada.

É trabalho de Sisifo.

Serve para o que dizes- estar armado contra todos e ter todos armados contra si.

E escrever pró boneco, falar prás paredes (que a malta fica eternamente agradecida)

ehehehe

dragão disse...

Zazie,
se o "todos" é o todos aqueles que persistem na treta do esquerdo/ direito, óptimo. É mesmo contra esse todo, que é nada, que escrevo. Se ficam todos contra mim, não só não me preocupa como me causa o maior desdém: é ter nada contra mim. É estar ameaçado por uma vastíssima nulidade e a mais gora das inconsequências. Ruído, se tanto. Mas nem isso.

Eu assisti ao 25 de Abril, colaborei no 25 de Novembro e tenho um peso na consciência: não quero que aquilo - a traição mais vergonhosa, nojenta e sonsa a este povo - mais que se repita, seja levado à sua consumação lógica, final e contratada.
Mesmo que os vivos não queiram saber, tenho esse dever para com os mortos. É para junto deles que vou um dia destes e quero apresentar-me de cara lavada, coluna inteira e alma de homem.

Mas uma coisa suspeito bem: mesmo que Portugal não se una livremente sob a iminência da catástrofe, há-de unir-se, forçado, na constatação dos escombros.

zazie disse...

É estares sozinho- a nossa tragédia é essa (enquanto portugueses). Era a isso que me referia.

Quanto ao resto, entendo. Mas acho que já não vou estar cá para ver.

zazie disse...

O que há de assustador é a forma volátil de tudo.

Temo que até dos escombros.

dragão disse...

Ser português tem que deixar de ser uma fatalidade, que não é, e passar a ser uma honra.

Mais até que a resignação, a venalidade, a dispersão, ou a estupidez adesiva, o que tem derrotado Portugal é a inércia.

muja disse...

Sozinho não está. A escrever também não.

E também servem para alguma coisa os manifestos Zazie.

Quanto mais não seja, para mostrar a alguns (eventualmente poucos, mas acho que mais do que parece) que eles estão realmente bons da cabeça e que o pensamento deles é realmente lógico e consequente.

Às vezes uma pessoa que pense assim e que chegue pela própria cabeça a conclusões semelhantes às que Dragão dá à pena, ainda que vagas e sem forma que contenha a essência, podem questionar a própria sanidade (em sentido mais ou menos figurado) já que, aparentemente, mais ninguém pensa como eles. Mas não é verdade, há quem pense sim senhor. E, muitas vezes, isso é o suficiente para fazer a diferença entre o "deixar para lá" mental e o alicerçar permanente da convicção na certeza.

Falo por experiência própria.

Pois que venham os manifestos, enquanto o resto não chega!