terça-feira, maio 29, 2012

O vosso agente em Havana

Em todo este alarido com o chamado caso das "secretas", às vezes, fico com a impressão de que há um certo detalhe essencial que se vê sobrevoado a grande altitude. E não se trata do prodígio assombroso de como um naco ambulatório de toucinho maquiavélico consegue alcandorar-se a um tal cargo. Até porque não é prodígio - e muito menos assombro - nenhum: é banalidade democrática e republicana. Não, nada disso. É o próprio Serviço em causa - o tal SIED, na sua natureza e missão, que me parecem olimpicamente ignorados. E a coisa é tão anedótica, que não era apenas o marteleiro Silva Carvalho que, pelos vistos, desconhecia fervorosamente a missão do Serviço que despilotava: as putativas vítimas das suas patéticas devassas também não. Como o tal director do Expresso, um tal Costa, que, em tom solene, "quer saber quem ordenou relatório".
Até eu lhe posso responder: ninguém. Ninguém poderia ter ordenado um tal relatório, porque , pura e simplesmente, um tal relatório nunca poderia ter sido executado pelo SIED. O SIED trata da informação externa - dito em termos exotéricos: espia lá fora. Quem espia cá dentro, ou controla presumíveis ameaças à segurança do Estado, é o SIS. São dois serviços diferentes, com âmbitos e missões bem separadas e delimitadas.
Portanto, a ter sido dada essa ordem, não foi uma ordem legítima. Foi, logo à partida, um ilícito criminal. Que, caso tenha sido efectivamente consumado, requereu cúmplices. Porque não foi apenas quem deu a ordem que cometeu o crime: toda a cadeia abaixo na execução também, porque todos eles sabiam que estavam a cometer um ilícito grosseiro, doloso e agravado. Mais: se a operação envolveu meios especiais de escuta, vigilância ou pesquisa, então teria que ser alguém duma determinada secção dum determinado departamento ( cujo director, por acaso, até é maçon e  amigalhaço do ex-ministro Rui Pereira).
Porém, repito e sublinho: como a ordem era ilegítima, ninguém a poderia ter dado. Ninguém a executou. O que se passa é que o edifício - ali, pró Alto do Duque, onde outrora esteve o Copcon - é muito antigo, muito labiríntico e tem muitos fantasmas. Dantes arrastavam correntes; agora escrevem relatórios.

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