sábado, maio 03, 2008

Bunker, sweet bunker

Caro António,

em primeiro lugar, quero que saiba que sou um apreciador, não raras vezes deleitado, dos seus comentários. Digo isto sem ironia. Há em si um talento raro e invejável para a irrisão que, particularmente, admiro.
Em segundo lugar, quero alertá-lo que é perda de tempo argumentar com estas picaretas digitais. Eles não argumentam: energumentam. Não caia na asneira de subestimar a aparente sonsice destes brutos: lá por detrás daquela capinha epistemagógica há toda uma ferocidade evangélica imune à civilização. Sob o verniz, não duvide, ossifica o casco.
Por conseguinte, até como simples racionalidade são entulho. Verdadeiras lobotomias falantes. Meras línguas que desenvolveram uma saliva lógica. Estritamente pavloviana, entenda-se. Não obstante, têm outras qualidades aproveitáveis e interessantes: como a persistência, por exemplo, do bom pastor Ludwig. Se este tipo é alemão faz jus à raça. No fundo, até deve ser uma excelente pessoa. Mas o atavismo não perdoa. Eu explico com devido detalhe...
Havia um cirurgião meu conhecido, tipo patusco, que trabalhou alhures com vietnamitas. A impressão com que deles ficou foi que tinham sempre o pensamento noutro lugar: dir-se-ia que passavam a noite inteira a escavar túneis e o dia todo a urdi-los. Ora bem, com os alemães é algo semelhante: só que, em vez de túneis, são bunkers. Nem imagina o betão armado e soterrado de que são capazes! E a última coisa de que querem saber ou, ainda menos, ouvir falar é da realidade! Tudo menos a realidade! Livre-se de lhes lá levar qualquer aviso ou notícia!... Não será bem tratado, pode crer.
Platão, nisso, teve sorte: não os conheceu. Caso contrário, muito provavelmente, ter-se-ia visto forçado a remodelar toda a sua alegoria da caverna. Com alemães, o enredo seria necessariamente outro. Logo a abrir, porque os cavernícolas, instados pelo filósofo, até viriam, em boa ordem e disciplina, cá fora. Mas nada de contemplações, que não há tempo a perder. Toca de deitar, pronta e automaticamente, mãos à obra. E, perante o olhar atónito do grego, desatariam a desmontar o mundo real, por corte e cola, e a trancafiá-lo, de enfiada, na gruta.
-"Mas, por Zeus (digo, Logos!)! - Exclamaria, o filósofo. - Que raio estão vocês a fazer ao cosmos?..."
-"Então, ó mestre - clamariam, buliçosos, os germânicos. - Estamos a metê-lo na caverna. Somos epistemólogos, caralho!...
Esse singular processo de transformação da caverna num cosmos é o tal "bunker" que os fascina e obsidia. O próprio Cristo, se fosse alemão, quase posso garantir, ninguém mais o arrancava do Santo Sepúlcro: ressuscitava na mesma, é certo, por imperativo categórico, mas apenas para converter o túmulo em residência e consultório. O que, convenhamos, nos pouparia ainda hoje a muita maçada e discussão.
Sim, de facto, com um Deus alemão não corríamos o risco de ele nos fugir para o Céu. Se bem que, a esta hora, em compensação, andariam os crentes a escavar poços e galerias no chão à procura Dele. Aliás, há quem diga até que já andam.

Nisto tudo, pode dar-se o caso do Ludwig não ser alemão. Mas se não é, imita muito bem.

PS: Há ainda outro aspecto no Ludwig que já granjeou a minha estima: a sua capacidade intrépida de encaixe. A meus braços, - ou melhor, às suas extremidades - herr professor!...

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