sexta-feira, outubro 12, 2007

O Estratagema da Autoridade aos comandos da Multidão




Já aqui falei do Estratagema 32, aquele que consiste em contra-argumentar atirando com um qualquer "ismo" particularmente hediondo - porque fora de moda - ao oponente. Vou hoje falar do Estratagema 30, não menos catita que o anterior, e com o bónus acrescido duma descrição absolutamente deliciosa. Tanto mais suculenta quanto não é minha, mas do senhor Arthur Shopenhauer, um filósofo com F grande das minhas relações. Ora oiçam:

«O argumentum ad verecundiam (argumento da autoridade). Em lugar de razões, recorre-se a autoridades reconhecidas segundo o grau de conhecimentos do oponente. (...) tem-se então bom jogo quando se tem do nosso lado uma autoridade respeitada pelo oponente. É porém certo que haverão para ele tanto mais autoridades válidas quanto mais limitados forem os seus conhecimentos e aptidões. Caso estes sejam de primeira ordem, ele reconhecerá somente poucas autoridades, ou mesmo nenhuma. Quando muito acreditará em quem seja especialista duma ciência, arte ou mester de que ele pouco ou nada conheça; e mesmo nestes, com profunda desconfiança. Ao invés, as gentes comuns têm um profundo respeito pelos especialistas de todo o género. Ignoram que a razão pela qual se faz profissão de uma coisa não é o amor dessa coisa mas do que se lucra ela - e que quem ensina alguma coisa raramente a conhece a fundo; pois se a estudasse como deveria, em geral não lhe restaria tempo para ensiná-la. Mas para o vulgus existem muitas autoridades dignas de respeito: por isso, caso não se encontre nenhuma que seja adequada, há que tomar uma que o pareça ser, e citar o que alguém disso noutro sentido ou noutras circunstâncias. As autoridades que o oponente não consegue entender são as que causam maior efeito. (...) Os preconceitos mais generalizados também podem passar por autoridades. Pois a maioria pensa, como refere Aristóteles, que "diz-se que existe o que a multidão acredita": sim, não existe opinião alguma, por mais absurda que seja, que os homens não adoptem rapidamente, logo que se consiga persuadi-los que ela é geralmente aceite. O exemplo age sobre o pensamento deles como sobre os seus actos. São carneiros que seguem o guizo aonde quer que ele os conduza: é-lhes mais fácil morrer do que pensar. É curioso que a universalidade de uma opinião pese tanto junto de tal gente, podendo eles ver por si próprios que as opiniões se adoptam sem ajuizar e somente por imitação.(...)
Aquilo a que se chama opinião geral é, quando se vê bem, a opinião de duas ou três pessoas; e disso nos convenceríamos se víssemos como nasce tal opinião generalizada. Veríamos então que primeiramente foram duas ou três pessoas que a admitiram, ou a avançaram ou afirmaram, e que houve a benevolência de se acreditar que elas a haviam examinado a fundo; supondo suficiente a competência dos primeiros, alguns outros, cuja indolência incita a antes acreditarem nas coisas do que darem-se à pena de as examinarem. Assim cresceu de dia para dia o número desses adeptos indolentes e crédulos: pois logo que a opinião tenha por si um bom número de votos, os seguintes pensam que ela não poderia havê-los obtido senão graças à justeza dos seus fundamentos. Os restantes foram então constangidos a reconhecerem o que era comummente admitido, para não serem considerados uns espíritos inquietos que resistem às opiniões universalmente admitidas, ou uns impertinentes que se crêem mais espertos que toda a gente. Aderir torna-se então um dever. A partir daí, o pequeno número dos que são capazes de ajuizar cala-se: e os que têm direito a falar são os absolutamente incapazes de forjarem uma opinião ou um juízo por si mesmos, os que apenas ecoam as opiniões de outrem. Pois o que detestam em quem pensa de outro modo, não é tanto a opinião diferente que professa, mas o atrevimento de querer ajuizar por si mesmo; coisa que eles próprios, evidentemente, jamais fazem, e da qual têm a mínima consciência



E então, ó Blogosfera, que tal te parece o espelho?

Palavra de honra que nunca vi retrato antecipado mais fiel deste nosso tempo da "liberdade de expressão do que convém".

15 comentários:

Anónimo disse...

«não existe opinião alguma, por mais absurda que seja, que os homens não adoptem rapidamente, logo que se consiga persuadi-los que ela é geralmente aceite.

Um exemplo: vê a ORIGEM DO TABU-SEXO:

Pela necessidade de luta pela sobrevivência, ou pela ambição de ocupar e dominar novos territórios, alguém fez uma nova descoberta extraordinária: O TABÚ-SEXO!
O Tabú-Sexo tinha como objectivo proporcionar uma melhor Rentabilização dos Recursos Humanos da Sociedade!!! De facto, o Ser Humano não é nenhum Extraterrestre: tal como acontece com muitos outros animais mamíferos, duma maneira geral, as fêmeas humanas são 'particularmente sensíveis' para com os machos mais fortes...
Analisemos o Tabú-Sexo:
- a sociedade dificultava o acesso das mulheres à independência económica;
- as mulheres que não casassem eram alvo de crítica social;
[portanto, como é óbvio, as mulheres eram pressionadas no sentido do Casamento];
- não devia haver sexo antes do Casamento;
- as mulheres não deviam procurar obter prazer no sexo;
- as mulheres que se sentissem sexualmente insatisfeitas, não podiam falar nesse assunto a ninguém, pois o desempenho sexual dos machos não podia ser questionado;
- era proibido o divórcio.
Conclusão óbvia: o Verdadeiro Objectivo do Tabú-Sexo eram montar uma autêntica armadilha às fêmeas... de forma a que estas fossem conduzidas a aceitar os machos sexualmente mais fracos!!! Dito de outra forma, o verdadeiro objectivo do Tabú-Sexo era proceder à integração social dos machos mais fracos!!!

Anónimo disse...

Grande Dragão! É por estas que eu ca venho!!!


Estebes Moscatel

Anónimo disse...

Sem duvida o melhor blog :)

César disse...

sem mais, e justamente.

josé disse...

É por estas e por outras, que digo sempre: sou um diletante.

Não inventei agora. É mesmo por isto.

E é também por isso que tenho poucos gurus. Muito poucos. Quase nenhuns. Nenhum, ao certo. Certo?

josé disse...

O corolário deste modo de pensar, é agir com humor. Não levar muito a sério o que se diz ou escreve, mesmo que tenhamos um convencimento firme do que pensamos.

Outro corolário, é a tolerância. Aqueles que me encanitam mais, são os sectários tipo Vital e Pacheco.
Nem sequer os comunistas tipo jerónimo cadillac.
E a razão está à vista.

Anónimo disse...

umquarentao. Já ouvi por aí dizer que a sociedade primitiva humana fundamental era patriarcal, mas não patriarcal no sentido que é a sociedade dos leões. Nessa sociedade eram os homens que ficavam sempre no seio do grupo e as mulheres que iam viver para outros grupos. Eu gosto dessa teoria porque permite entrever a verdadeira génese da sociedade humana, a guerra. Todo o grupo era optimizado para vencer batalhas tribais e as mulheres eram manipuladas para entrar nesse esquema das coisas, permitirem fazer alianças fugazes de modo que os homens podessem não só concentrarem-se na guerra em questão num determinado período temporal, como manter o "exército" unido e estabilizado por grau de parentesco.

lusitânea disse...

Num país de ceguinhos o que é que queriam?Basta ter uns tudólogos bem pagos a cagar umas postas de pescada e quando necessário "afinarem" todos pelo diapasão a soldo dos governos e está tudo feito. A fé dos homens é imensa como demonstram os pastorinhos, mesmo sem milagres...

Anónimo disse...

2:11 PM Aqui o idiota retira o que disse...Não se quer ver associado a agendas politicas.

Nuno Adão disse...

Caro Dragão,
em todos os tempos, os filósofos foram incómodos. Logo, o que espera.
O auto-exame, a consciência de, são um perigo para quem não pensa, para quem o saber é coisa de muito trabalho, enfim, para quem manda, e não gosta de ver outros mais capazes do que eles a proferir sentenças dignas desse nome!...

Cumprimentos Dragão

timshel disse...

"As autoridades que o oponente não consegue entender são as que causam maior efeito."

eu sublinharia esta

tem dois sentidos

um bom e um mau

Anónimo disse...

Vivemos a era do "pensamento" prêt á porter.Tanto mais na moda se importado e com etiqueta modernaça.

Anónimo disse...

"Aqueles que me encanitam mais, são os sectários tipo Vital e Pacheco"

ahaha, olha quem fala, o anti-sócrates por excelência.

Anónimo disse...

A fotografia é da inauguração da nova igreja de Fátima, não é dragão?

Anónimo disse...

Os parabéns por mais uma "obra" verdadeiramente dragoniana.

Ao umquarentão: O ardil é parte integrante do funcionamento humano. É também responsável pela predominância sobre os restantes animais e até pela sobrevivência humana.
Uma sociedade baseada só no instinto não tem futuro.
O problema é que alguém visivelmente mais fraco, ameaçado de extinção e cheio de rancor se lembrou de inverter os valores e passou a ser (auto) "eleito" usando o ardil até ás últimas consequências, para poder sobreviver a qualquer preço no meio do homem.
E assim caminhamos para a catástrofe, o combate maior deixou de ser contra os "outros" mas passou a ser entre nós próprios alimentado por instintos e egocentrismos.

Antes o porco, o feio, o mestiço e o cobarde eram desprezíveis, agora são herois. São o povo de "deus".