terça-feira, outubro 09, 2007

Memórias do Carrasco -II. Um suplício humanitário

«No dia seguinte ao desta preciosa descoberta, Charles-Henri Sanson apressou-se a informar o doutor Guilhotin, que não coube em si de contente, pois não é possível imaginar com que paixão, com que cegueira, certos homens se agarram a uma ideia, e o império que ela acaba por exercer sobre as suas faculdades. Biógrafos pouco exactos entretiveram-se a propalar que Guilhotin na velhice lamentava a sua obra e tinha dúvidas sobre a realidade do serviço que prestara ao género humano; isso é um ultraje à história e à verdade. Até ao seu último suspiro, Guilhotin esteve convencido de que havia tomado uma iniciativa útil e cumprido um dever de consciência. (...)
Na sessão de 31 de Abril de 1791, Guilhotin deu conhecimento daquele mecanismo à Assembleia. Arrastado pelo calor do improviso, teve frases infelizes que excitaram doida hilariedade e por pouco lhe não comprometeram o êxito da causa. Pretendendo que este modo de suplício humanitário não produz sofrimento, disse que o paciente sentirá, quando muito, "uma leve frescura no pescoço". A frase era já um pouco arriscada, mas quando ele acrescentou: "com esta máquina, faço-vos saltar a cabeça e não sofreis nada", toda a Assembleia irrompeu numa enorme gargalhada, que só foi possível fazer cessar, quando se passou à ordem do dia.»

A "Ordem da noite", porém, chegaria. E muitas daquelas cabeças, com o bom galeno bem vaticinara, haveriam de saltar. Com que sofrimento, ao certo, não se sabe. Só experimentando.

Sem comentários: