quarta-feira, dezembro 20, 2006

Um Conto de Natal



O Que é um Banco?

-Uma instituição de malefício público que se locupleta de vender às pessoas o seu (delas) próprio tempo e o seu (delas) próprio dinheiro.

Já devem ter percebido: é da usura que vos vou falar.


Diz o Código Civil, no seu artº282 (Negócios usurários): «1. É anulável, por escusa, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrém, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados.»


A usura é crime. E o Código penal, no seu artº.226, estipula-o:

«1. Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial, para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência, ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência deste, fizer com que ele se obrigue a conceder ou prometa, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada com a contraprestação é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 120 dias. (...)4. – O agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias se
Fizer da usura modo de vida;
Dissimular a vantagem pecuniária ilegítima exigindo letra ou simulando contrato; ou
Provocar conscientemente, por meio da usura, a ruína patrimonial da vítima.»

Os factos:
A. Dos bancos:
Os bancos fazem da usura modo de vida;
Simulam contratos e exigem letras;
Provocam, fria e dolosamente, a ruína patrimonial das vítimas;

B. Das Vítimas dos Bancos:

1. Padecem de situação de necessidade (em grande parte dos casos, são jovens casais que doutra forma não conseguiriam acesso à habitação –direito consignado na Constituição); além disso, são desde tenra idade endrominados com a ideia de que o supérfluo é necessário. Ou melhor: tudo o que os grandes empórios e marcas oferecem é essencial. Não possuí-lo é fonte de assolapantes angústias existenciais, as únicas, de resto, admissíveis.
2. Encontram-se de psique alterada por via do bombardeamento ininterrupto de propaganda sedutora, onde os incitam e empurram a endividar-se, a qualquer preço, de todas as maneiras possíveis e imaginárias; são constantemente assediados por uma espécie de proxenetas financeiros que lhes exibem pornografia excitante e vaporizam perfumes afrodisíacos; vendem-lhes crédito como quem lhes vende heroína ou charros ao domicílio;
3. Fruto dessa intoxicação consumista, levada a cabo com a conivência e o beneplácito mais que escandalosos das autoridades, tornam-se crédito-dependentes. Zombificam, abdicam da própria liberdade e livre arbítrio, hipotecam o futuro, e entregam-se a uma servidão rastejante da dose, ou melhor dizendo: do juro. Incapazes, por clara debilidade mental, à partida, de discernirem o que verdadeiramente está em causa, atolar-se-ão cada vez mais nas areias movediças do mistifório e da vigarice, e acabarão tragados por um labirinto de cláusulas, micro-cláusulas e alçapões legais;
4. São geralmente ígnaros e ineptos em matéria financeira, ou em qualquer outra que transcenda a vida dos futebolistas, o enredo das novelas, o casamento dos príncipes, o último grito dos telemóveis e outras do mesmo jaez. Aderem infantilmente ou por compulsão osmótica às promoções irresistíveis que, em ubíqua algazarra, arautos e almocreves de todos os quadrantes proclamam. Junkies da publicidade, padecem, em fase terminal, de onerreia –isto é, de incontinência aquisitiva;
5. São comprovadamente inexperientes. Aliás, inexperientes é pouco: ingénuos, simplórios, totós, papalvos, é mais o termo. A facilidade com que desembestam atrás de qualquer ilusão, a tendência para confundir anseio com evidência, a facilidade com que se babam de roda de qualquer fábula, coloca-os praticamente num estado de completa vulnerabilidade a todo e qualquer charlatão. Mesmo parlapatões pouco mais que unicelulares não encontrarão grandes dificuldades para lhes venderem lotes em Marte ou nuvens na Austrália. Por esta altura, já compram a própria água que bebem e, adivinha-se, não tardará que paguem pelo próprio ar que respiram.
6. Referi-los como fracos de carácter é claramente um exagero. Na verdade, em termos de carácter, a definição correcta é "ausentes", ou "acaracterísticos". O carácter, em rigor, desempenha neles a mesma função que a vértebra nos moluscos. Não admira pois que, à inexperiência, se some a irresponsabilidade e se subtraia, quase de todo, a individualidade.

Concluindo:

Como é bem patente, o crime existe. É público e notório. Atenta contra a saúde mental e moral da população e mesmo contra a existência física do país. Sendo um crime público não carece de denúncia para que o Ministério Público proceda e investigue. Mais: é-lhe obrigatório fazê-lo. Então porque é que não se investiga?...
Só me ocorre uma explicação: pela mesma razão que não se procede contra a espoliação dos papalvos por parte da Igreja Universal do Reino de Deus. Ou seja, ao abrigo do pleno –e constitucionalmente sagrado - direito à Liberdade de Religião e Culto.
Afinal, não é usura: é cobrança do dízimo.


PS: Este postal foi publicado pela primeira vez em Dezembro de 2004. Desde então, o panorama da usura, em Portugal, alterou-se - piorou significativamente. Perante a ignorância mais completa do otário e a cumplicidade generosa do Estado. Quanto é que a Cofidis, por exemplo, cobra de juros por empréstimo?

16 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom post!

Bruno Santos disse...

Muito bom.

Anónimo disse...

Os dois códigos aqui referidos, são bem esclarecedores. Estamos de facto a ser roubados. Não haverá em Portugal uma cambada de advogados (desde q não sejam pencudos, claro está) q levante estas questões e q tente encostar banca e estado à parede?

asdrubal tudo bem disse...

Só não concordo que seja por igorância acho antes que é por desespero. O grave é o estado não só permitir como ajudar e encorajar

xatoo disse...

"Pior que roubar um Banco é fundar um Banco"
Bertolt Brecht

Voltem a salvar o ouro nas entranhas dos colchões e um bom Natal a todos

Anónimo disse...

Acoral,
não tens empréstimos? Não tens contas bancárias? Estás à espera do quê para contratares um advogado e encostares a banca à parede?
Voltarei, depois, para ler com tempo e atenção o que o dragão nos diz.
nt

Anónimo disse...

Caro Dragão, a legislação que citou não se aplica aos Bancos; a actividade destes é regulada pelo Código Comercial - mútuo comercial - que permite a livre fixação de juros, ao contrário do que se passa nos empréstimos civis, isto é, entre não comerciantes. Por isso mesmo é que a Cofidis e quejandas cobram os tias 28% anuais sem que se verifique a ocorrência de qualquer crime. Está mal, mas é assim mesmo...

dragão disse...

Por essa ordem de ideias, caro Terminal, aquela legislação não só não se aplica aos bancos como existe para os proteger da concorrência de "donas Brancas".
A questão que releva, entretanto, é porque é que um tipo ser explorado por um indivíduo é crime e ser ainda mais vil e sistematicamente explorado por um empório não?...
Devíamos todos pensar nisso.

Anónimo disse...

Lembro-me de ter tirado cópias deste texto e "deixado por aí"

Boas Festas, Dragão

Legionário

Anónimo disse...

Estou bem arrependido de ter comprado casa o ano passado, com ordenado de 600 euros e a prestação já em 450 graças aos aumentos de juros das duas uma: ou caso já com mulher com bom ordenado que auxilie nas despesas ou entrego a casa ao banco e volto para a ilha...

Anónimo disse...

Louve-lhe o texto. Enalteço-lhe a redacção. Aplaudo-lhe a criatividade. Mas, não tem razão.
O seu esforço é meritório, peca, contudo, por ter feito um erróneo enquadramento legal. Aconselho-o a consultar a legislação em vigor e especialmente criada para as instituições financeiras. Sabe, os normnativos que invoca, bem como conceitos "abertos", "brancos",
só tem aplicabilidade quando não existe normativo especifico que regulamente, de forma especial, a situação.
Mas gostei da análise, gostei mesmo. Devia, se me permite a sugestão, direccionar a sua artilharia para os legisladores(governo; AR) porque são eles, e não outros, quem criam a legislação que legitima, e torna licíta, actividades ou práticas que, de outro modo, poderiam configurar os ilícitos que referenciou.
Isto que acabo de dizer responde, penso eu, a esta sua pergunta: "...porque é que um tipo ser explorado por um indivíduo é crime e ser ainda mais vil e sistematicamente explorado por um empório não?..."

Boas Festas.

Anónimo disse...

esta coisa da tecnologia é tão rápida, mas tão rápida mesmo, que nem dá hipótese de assinar.
o comentário anterior é meu: nt
:-)

Anónimo disse...

Tem toda a razão caro Dragão.
O ciclo mafioso que controla o dinheiro controla também os governos.
Só a ruptura total pode pode acabar com tal estado de coisas, mas não se preocupe ela chegará, muito mais cedo do que a grande maioria pensa.

Mas por enquanto, fiquemos em paz.

Feliz Solestício de Inverno ou se preferir, Feliz Natal.

Anónimo disse...

Solstício e não Solestício; Feliz Navidad!

dragão disse...

Depois do Natal, discutimos melhor isto.
Entretanto, um feliz Natal para todos!...

T-Regina disse...

Dragão, calorosas saudações blogosáuricas e o voto de saúde e paz para si e para o seu clã familiar e para este clã dragoscópico :)