domingo, dezembro 17, 2006

Da Audio-Inflação histérica

É com toda a propriedade que Portugal é um país dedicado à Virgem Maria. Deve ser, aliás, derivado disso que, embora a gravidez natural esteja a cair cada vez mais em desuso, já o emprenhamento pelos ouvidos vai de vento em popa. Ganhou mesmo foros de compulsão natural. De tara endémica. Mais até entre os homens que entre as mulheres. Nestas, geralmente, a coisa entra por um ouvido e sai pelo outro, como de costume. Mas entre eles, ao invés, instala-se, aninha-se, calafeta-se e entra de pronto em gestação. E que fertilidade inaudita, meus amigos! Que ventres, digo, crânios procriadores! Uma mera audição, por regra, resulta em ninhadas inteiras de teorias, suspeitas, conjecturas, manias, todas elas maquiavélicas e cada qual mais capciosa e rasteira que a anterior. No oceano de dúvidas, cinismos, pulhices descartáveis e cepticismos de conveniência por onde voga à deriva, uma única e bem atada certeza serve-lhe de jangada, ao português: todos os outros portugueses conspiram contra ele. Todos urdem e cabalam os mais ínvios projectos, invejas, traições, ódios, desconsiderações, ratonices, assaltos, conchavos, etc. E quanto mais próximos, mais aparentemente amistosos, pior. Mais provável, plausível e verosímil a trama. A palmada nas costas apenas estuda o melhor local para a facada. Portanto, nenhuma revelação será suficientemente implausível, nem nenhuma terá o condão de surpreendê-lo. O português hodierno, com velhacaria congénita, arfa e rosna nos antípodas do Mosqueteiro romântico: o seu lema fundamental é “um contra todos e todos contra um!” Ou dito na voz activa: "Eu contra todos, porque estão todos contra mim".
Pilotado por um espírito santo de orelha em débito contínuo, esta formidável máquina de escuta, não possui um cérebro mas um útero ao fundo dos pavilhões auricolares. Um par de amplos, incansáveis e buliçosos ovários em forma de radar acolhe e propaga toda a espécie de rumores, notícias ou boatos. Donde germina, à maneira das gravidezes histéricas, a confirmação plena da suspeita hiperactiva: cercam-no armadilhas, predadores, campos de minas e emboscadas.
E impensável, para ele, só existe uma coisa: a interrupção voluntária de tal audio-gravidez. Nem até às dez semanas, nem cinco, nem duas, nem nunca. É uma barriga de aluguer em permanente estado de desesperanças. Nunca aborta: acumula.
Também nunca pare, porque nada de sólido traz lá dentro: apenas bufa.
Na realidade, é todo um sobejo de país que padece não de excesso de imaginação, mas de flato. Mental.

3 comentários:

Anónimo disse...

uma série de pais do ar...

Anónimo disse...

:-) " A palmada nas costas apenas estuda o melhor local para a facada"

Anónimo disse...

Realmente, é um país a todo o gás.