segunda-feira, junho 06, 2005

O terceiro olho e respectiva educação



Estou seguro que é da mais elementar conveniência que os blogues sejam editados em forma de livro. Qualquer um repara, sem necessidade de grandes estudos ou ensaios científicos, como é de todo impraticável limpar o cu ao monitor.

E sendo o homem dotado de três olhos, não se compreende que o posterior seja invariavelmente condenado à excreção e ao obscurantismo. É importante que se cultive, que, no mínimo, se alfabetize, sob pena de, ocioso, estulto, analfabeto, se entregar a sabe-se lá que preâmbulos e introduções.
Por outro lado, existe toda uma plêiade de intrépidos escritores claramente especializados na erudição do –chamemos-lhe assim – "terceiro olho". Equívoco não raro, mas deplorável, é o leitor entregar aos dois primeiros, ou frontespiciais, letras que, claramente, se destinam e foram vertidas com o exclusivo e meritório intuito de ilustrar o último, ou traseiro. Há obras próprias para a pestana e há obras dignas do pintelho. Só lembraria ao Diabo, ou aos filhos dele, confundir verdade tão elementar. As mesmas pálpebras que exultam e se descerram, em festa, diante dum Dostoievski, dum Cervantes, dum Sófocles ou dum Céline, pura e simplesmente recusarão a abrir-se, ou permanecer um segundo sequer entreabertas, diante dum Joyce, dum Hemingway ou dum Sartre. Apresentem-se-lhes uma Agustina, um Lobo Antunes ou um Saramago e, pior ainda, romperão num choro convulsivo, derramando, em cascata lancinante, lágrimas de horror. Resumindo: a literatura que faz as delícias da parte de trás não deve, em modo e tempo algum, ser exposta à parte da frente, e vice-versa. Isso, pelo menos, é o que as escolas deveriam ensinar às pessoas. Infelizmente, não é o que se passa e o lugar que o país ocupa na cauda da Europa é prova horripilante dessa desgraça. Libertassem-se os cidadãos destas tremendas confusões e, num instante, assumiríamos a liderança do Ocidente, para nunca mais a largar.
Mas é a urgente educação do terceiro olho o que, para já, nos ocupa. Não nos extraviemos.
Ora, o terceiro olho é também conhecido, e com razão, como o "olho cego". O seu método de leitura, consequentemente, é de todo diverso do utilizado pelos seus colegas superiores: se estes recorrem à visão, que um complexo sistema de focagem lhes permite, aquele, como é característico dos invisuais, imune à luz, apela ao tacto. Quer dizer, se os primeiros miram as letras, o terceiro, com pundonor, esfrega-se nelas.
Talvez por isso mesmo, derivado ao esforço suplementar que lhe cobra a inércia, o nosso amigo fatiga-se da leitura muito facilmente. A escatogogia, neste aspecto, é peremptória: convém entremear as grandes obras –os palanfrórios maçudos, mas essenciais, dum Joyce, dum Sartre e até duma Agustina -, com os páginas lights de futilidades e baboseiras duma qualquer Margarida Rebelo Pinto, das várias que enxameiam o hemisfério, ou bloguista equivalente, voraz aspirante a merceeiro (ou meretriz) de letras.
Neste departamento, tão indispensável à nossa ilustração traseira, existem mesmo editoras especializadas. A Oficina do Livro, graças a Deus, é uma delas. O seu contributo nesta área fundamental do saber tem sido inestimável. Por mim, aguardo com ávida expectativa, entre outros, a publicação em papel maleável - de leitura garantidamente absorvente – do "Jaquinzinhos".

Entretanto, depois do "Barnabé" e do "Acidental", dois almanaques indispensáveis na retro-ilustração de qualquer bibliófilo que se preze, mas que de tão usados já pouco acrescentam à nossa bagagem cultural, exultemos com o lançamento duma tal "Rititi". A fogosa debutante promete. E mesmo que não prometesse, o que é facto é que enquanto a Doutora Lili Caneças não se dignar constituir blogue, temos que nos ir contentando com estes petizes fait-divers. Uma espécie de tremoços na sala-de-espera da lagosta.

Enfim, não há blogue de referência que não o justifique. Deviam convertê-los todos em fascículo portátil o quanto antes!
Exceptuando talvez o "murcon". Porque esse, além de clara redundância do autor, com tão belos compêndios já editados, nem sequer concorre na área pedagógica, mas farmacológica. Ou seja, na categoria dos psicolaxantes; ultra-potentes, se quisermos ser exactos.

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