domingo, abril 17, 2005

O Grande Mistério dos Blogues (2)

Sou um ígnaro destas novas tecnologias, um pedregulho completo! Vejam lá bem que eu estava convencido -convencidíssimo, temo reconhecê-lo-, que aqueles contadores com números -da Bravenet, Sitemeter e outros que tais-, que emolduram -e dignificam com aquele ar de cockpit de rally- os blogues, contabilizavam o número de visitas. E apenas isso. Pois, nada mais falso, dignos basbaques que me espiais desse lado do écran. Grosseiro equívoco da minha parte. Burrice digna de estátua, fiquei hoje a saber. Felizmente, ainda há gente caridosa. Gente solidária, gente que quando assiste ao seu semelhante a espalhar-se ao comprido, num estampanço monumental, ainda lhe estende a mão, ainda se compadece, em vez de desatar às gargalhadas alarves ou em soslaios malévolos de "é bem feita!".
Valeu-me uma alma dessas, anjo disfarçado de criatura, por certo. Senão, lá morreria eu nesta ignorância contundente e embarcaria para o outro mundo embalado na mais deprimente paspalhice. Revelou-me esse santo (pessoa experiente e vivida), que afinal, e ao contrário do que eu estupidamente supunha (nunca é demais sublinhá-lo), os tais contadores, severos e objectivos mostruários, não computam o número de visitas mas sim, isso sim, (como é que eu nunca tinha reparado?!) o coeficiente intelectual dos bloguistas!
É claro que esta verdade elementar e óbvia, para vocês não é novidade nenhuma. Mas para mim, simplório militante, confesso que me deixou um tanto ou quanto perplexo. O meu interlocutor, porém, exterminador implacável, acabou com todas e quaisquer dúvidas que ainda me infestassem o espírito.
Eis como o prodígio funciona: parece que os blogues, afinal, não são meras ciber-montras das telhas de cada um. Não; os blogues, em boa verdade, funcionam como uma espécie de dinamonóias -quer dizer, acumuladores de inteligência. Nem mais. Através dum complicado processo de osmose simpática -que ele me explicou muito bem, mas do qual, confesso, não entendi patavina-, o bloguista - o demiurgo blogopédico, melhor dizendo-, absorve parte da inteligência dos visitantes. Resumindo: os visitantes são essencialmente depositantes. Ao abrirem a página, estão a contribuir para o enriquecimento intelectual do mentor. O que me leva a crer que os visitantes são igualmente contribuintes. (Desconfio até que, no fundo, se trata dum fenómeno qualquer paranormal, psicovampirismo ciberfórico ou coisa que o valha, mas isso deixo ao vosso critério). O que é certo e seguro, estudos comprovam-no (a Universidade J. Hopkins não dorme), é que quanto mais visitas tem, mais inchado e arrotante o visitado se torna. E também mais guloso e ávido. Aquilo, nitidamente, transtorna-lhe o juízo -quer dizer, hipertrofia-lho, expande-lho a uma velocidade superior à do universo pós-BigBang. A hipótese do buraco negro intelectual, espécie de anti-matéria psíquica que absorve tudo quanto dele se aproxima (ocorreu-me agora a talhe de foice) também não é de menosprezar.
Mas este Big-Bang, Ping-pong ou Gang-bang espiritual, acarreta outras consequências não menos bizarras. A eclusão de castas é uma delas. Com os dados objectivos sobre a inteligência de cada qual que o intelectómetro, com rigor científico e precisão suiça, proporciona, era forçoso que tal acontecesse. Não sei qual a denominação correcta para esse tipo de conjuntos homonoéticos que funcionam à maneira das castas. Se fossem ovelhas, seriam rebanhos; se fossem vacas, seriam manadas, se fossem peixes, enfim, seriam cardumes. Mas assim, francamente, não sei como chamar a uma resma de génios ou de mentecaptos, conforme a circunstância. Como o fenómeno funciona um pouco à semelhança da "Hierarquia Celeste", do Pseudo-Dionísio, opto por denominá-los de "ordens" ou "hordas" (ordens, acima das 50.000 visitocalorias; "hordas, abaixo). Do que me puderam explicar, existem cinco ordens e outras tantas hordas. Cada ordem reune espécimes com um grau de iluminação semelhante. À medida que ascendem, vão cintilando cada vez mais e adquirindo o chamado "toque de Midas": tudo aquilo que escrevem transforma-se em ouro, ou, no mínimo, em pérola ou pedra preciosa. Da mesma forma, no plano inverso, cada horda parte dum abismo tenebroso e caótico, feito de alarvidades abomináveis e arrazoados ininteligíveis. Começam por sarrabiscar lixo, entulho heteróclito, e, aos poucos, imbuídos do poder do mata borrão a princípio, ou do psico-evax pantabsorvente à medida que o débito se avoluma, lá se vão penosamente elevando até ao grau zero da ciência (os almejados 50.000 visitocalorias, pois). Só então se descartam do "toque de Merda" e podem começar a aspirar ao "toque de Midas".
As hordas e as ordens têm títulos. Comecemos pelas hordas: até 5000 vc (visitocalorias)- répteis ante-diluvianos; entre 5000 vc e 10.000 vc: mamíferos vertebrados; dos 10.000 aos 20.000: trogloditas; entre os 20.000 e os 30.000: cro-magnons; dos 30.000 aos 50.000: neanderthais perplexus. Quanto às ordens: dos 50.000 aos 100.000: pensadores balbuciantes; entre os 100.000 e os 200.000: semi-portentos; dos 200.000 aos 300.000: portentos geniais; entre os 300.000 e os 400.000: génios consumados; acima dos 400.000: semi-deuses ou serafins eruditos.
Como a clarividência enciclopédica escorre, em cascatas de luz, lá do alto até cá abaixo, ao rés-do-chão - e, daí, clama em fulgores distantes às sombras e trevas das profundezas-, é de deixar qualquer um banzado. Um espectáculo deslumbrante, segundo me contaram.
Claro está que estas regras transcendentes, como tudo na vida, têm as suas excepções. A pátria tem obrigações hereditárias que não podem descurar-se. Nessa tradição, cumprem-se aqui etiquetas e protocolos inerentes a todo o processo civilizado; essas mesmas que o vulgo incréu tem por hábito menoscabar sob as depreciativas categorias de, "compadrio", "comadrio", "amiguismo" e quejandas manteiguices congéneres, louvadas sejam! Assim, por especial graça dum serafim erudito ou semi-deus encartado, directamente investido por Iáhvé Todo Poderoso e seu procurador na blogosfera, um réptil ante-diluviano pode ser rapidamente promovido a pensador-balbuciante. No mínimo. Basta a bênção do padrinho.
Entretanto, qualquer recurso a terminologia malévola e cínica, como "tiragem do blogue", "tabela de vendas da banha", "disco de ouro ou de platina", não são bem-vindas e só reflectem a cavernicolidade do autor. Ao contrário da cena musical, aqui, na blogosfera radiante, o fenómeno pimba não impera. Aqui, por obra e graça de Deus, e dos seus representantes ao mais alto nível, quantidade é qualidade. Nada de Emanuéis, nem Ágatas, nem Dinos, nem Paulos Marcos. Só nata, só fina flor, só einsteines ao despique. Aleluia!...
Tudo isto me foi explicado, e eu, não fosse encontrar-me no miserável e destituído nível em que me encontro, teria compreendido na perfeição. Assim, mergulhado em trevas, às voltas no entulho, este meu cérebro minúsculo, de tudo o que ouviu, não deve ter retirado proveito nenhum e só deve ter armado balbúrdias e confusões, um raio me parta! Se alguém tiver dúvida disso, basta conferir no meu intelectómetro. Uma vergonha!...



Pois, meus amigos, foi este um postal publicado nesta casa há quase um ano atrás. Serve esta reposição para comprovar que quem não anda a reboque de efemeridades e diários não os acompanha pelo ralo da conjuntura. Quer dizer, não perde actualidade. E serve igualmente como prelúdio a um postal que pretendo emitir brevemente, sobre temática similar, intitulado "Os Sacerdotes da Gleba".

Entretanto, se as contas me não falham, um ano e quase meio depois, já cheguei a "neanderthal perplexus". Bela merda!...

6 comentários:

josé disse...

Eu escrevo para aí nuns sítios.
Nos meus sítios exclusivos, não tenho contador; não vou ao technorati, nem me interessa ( olha, agora que falo nisso, até lá vou...); não ponho comentários. Quero ser inteiramente livre de escrever o que quiser e quando quiser.

Mas reconheço que este compromisso aberto em aceitar que outros comentem o que fazemos( como eu estou agora aqui a fazer), é uma acto de generosidade que tem por detrás, talvez, uma necessidade de comunicação com quem poderá estabelecer alguma ponte comunicativa.
Essa mais valia que alguns blogs interessantes têm, são um privilégio que os autores concedem a quem os lê.
E entre esse privilégio concedido e a recompensa de os autores apreciarem o que podemos escrever, a balança penderá para quem se sentir privilegiado.
Desta vez, o privilégio é meu...

vs disse...

Pois eu, se somado o meu antigo contador ao novo....ao fim de um ano.....não passo de um Mamífero Vertebrado.


buáááááááááááááá

Tá mal!!
Fosse eu do Bloco e já o número não caberia nem num monitor panorâmico e seria um Serafim Erudito.

Que maçada.
Agora, se me dão liceça, vou caçar, estou a ver uma zebra ao longe!

zazie disse...

Ehehehe pois eu devo pertencer à ordem das cucas. Deixo os ovinhos e piro-me e quando pertenci a blog foi por convite e logo ao que mais gostava. E ainda agora revivi o Bresson, ali ao virar do browser, na Cris do Last Tapes que vocês todos também deviam ir lá quanto antes

E depois o José descobre-me este danado draconiano... e vá-se lá negar que não há bons carreiros na blogosfera ";O)

zazie disse...

bem, já que o post é propício, aqui fica o link do delicioso blog da Cris (outra alminha gémea... e a a grande mentora da Janela)
http://www.last-tapes.blogspot.com/

não tem links, não tem contador mas é viagem que recomendo. Agora está por lá o Bresson e o Bresson está para o cinema como... bem como Deus para a criação ":O)))

dragão disse...

Bem, ó Zazie, vou linkar a tua amiga.
Não sendo eu homem de filmes (prefiro a vida), mas de livros e de (algumas) músicas, vou abrir uma excepção.
Não percebo porque é que não continuam com a "Janela"... Tanta bosta de blog que anda para aí, pimbas até dizer chega, é pena que a qualidade se suicide.

zazie disse...

rapaz, isto não é cinema, isto é mais do que cinema!

mas olha que a Cris nem sonha que ando a contar estas coisas...

quanto à Janela foi-se... é assim e agora não há nada a fazer. Há coisas que não se substituem só pelos textos. Por muito virtual que isto seja estão pessoas por trás e um blogue também pode ser uma experiência que fez sentido assim.
Mas a Cris era a alma da Janela e o Last Tapes é a melhor continuação dela.