domingo, novembro 21, 2004

Carta Aberta ao Criador

Meu Deus,

Tranquiliza-Te. Desta vez, não venho sarrazinar-Te com sugestões urgentes, como a de exterminares uma série de povos por quem nutro profunda antipatia, nem fazeres crescer orelhas de burro nuns quantos comentaristas cá da praça. Já percebi que, de momento, não estás pr’aí virado, portanto, não insisto. Tenho pena, muita mesmo, mas não insisto. Mas sempre Te digo, em relação aos segundos, que já que lhes distribuiste espíritos de asno, não custava nada facilitares também as orelhas. Sendo cretinos, ao menos tornavam-se pitorescos e o pagode ria, mais do que já ri. Enfim, lá deves ter as Tuas razões, certamente inefáveis e transcendentes. Curvo-me diante delas.
Também não venho incomodar-Te com requerimentos intermináveis de perdão para os meus pecados que, como bem sabes, não só não diminuem, como, com a idade, vão de vento em popa e versam sobremaneira aquele bizarro mandamento com que couraçáste (segundo os Hebreus) a mulher do alheio. Senhor, é mais forte do que eu: antes ser amante da mulher do alheio que amigo do alheio. Hás-de fazer-me a justiça que é um mal que faço para evitar um mal maior e que espero me seja contabilizado como atenuante por alturas do Juízo Final. Além do mais, como o burguês prefere ser cornudo a ser pobre, em nada contendo com a santa paz da Criação e das criaturas. Tenta compreender: enquanto me entretenho com a mulher dele, não lhe cobiço nem defenestro a propriedade. Bem sabes, Tu que sabes tudo, como é essencial para a boa harmonia das coisas que o macho vigoroso se liberte regularmente da bicharada que lhe fervilha nos testículos. Foste Tu que o criáste assim, Excelência. Encurralá-los, aos tais, nessa prisão claustrofóbica acarreta impreterivelmente maus humores e violentas tendências, como rugir impropérios e escaqueirar coisas. Em suma: o sujeito perde de todo o bom feitio e torna-se religioso. Ora eu, perdoar-me-ás a singularidade, prefiro ser um humilde pecador, a andar pelo mundo em certas figuras. Mas isto, ó Altíssimo, que fique aqui, hermético, entre nós. Não vá algum Espírito Santo de orelha dar com a língua nos dentes à Senhora Dragão e, a seguir ao Carmo, cai a Trindade. Livra-Te, pois, a Ti, ó Pai Celeste, dessa queda desnecessária e a mim, criatura terrena, desse apocalipse cavernoso.
Tão pouco –alegra-Te – venho hoje molestar-te com recomendações prementes para que leves para junto de Ti –e parqueies nesse condómino ardente que tens na cave, sob a benemérita supervisão dos cornúpetos zeladores –, a corja de políticos que infesta a Terra e, sobretudo, aqui o rincão pátrio. Já me descabelei o suficiente a tentar expôr-Te o meu ponto de vista sobre a prioridade desse assunto e acredito que ruminas e deliberas, em solene retiro, sobre a bondade dos meus argumentos.
Não, ó Transcendência, o que aqui me traz, nesta hora de assombro, é apenas uma pequeníssima e mirradíssima questão -uma questiúncula, melhor dizendo- enfim, uma borbulha acintosa do pensamento que, em teimosa comichão, pr’àqui me cita e toureia. Consiste essa verruga no seguinte: após rebordados colóquios e exaustivos seminários Contigo, a muito custo, fruto de muita oração e - porque não dizê-lo- flagelação dos instintos (sobretudo homicidas), lá consegui perceber alguns pormenores mais nebulosos da Tua Criação. Sendo Tu absolutamente Bom, ela só podia ser absolutamente Boa, o que transposto para certa casta de dejectos, excrementos, maleitas, bactérias, vírus, répteis venenosos, insectos peçonhentos, vermes rastejantes, lombrigas, ténias, vampiros, etc, etc, me transportava a confusa estupefacção e inerente estranheza. Era a estúpida da Razão a meter o bedelho onde não era chamada. Identificada essa disfunção da minha estrutura mental, lá consegui, com a Tua preciosa ajuda, superar o meu néscio cepticismo e ascender a uma clarividência mais benévola e compreensiva do verdadeiro fundamento e finalidade dos entes. Com grande surpresa minha, apaziguei o meu espírito com todas essas existências nauseabundas e repugnantes. Começei a ver com outros olhos os vermes, os micróbios, as formigas, as ratazanas, certos batráquios, as hienas, os monstros alienígenas, o Vasco Graça Moura, o Pacheco Pereira, a Clara Ferreira Alves, o Moita Flores, e até o Luís Delgado, imagina! E até os americanos, pasma! Grande poder Miraculoso, o Teu! E que esforço sobrehumano, o meu! Mas –eis a nanoquestão, Senhor -, mesmo com todo o teu Poder Miraculoso, mesmo com toda a minha titânica fibra, resta ainda uma cabra duma minudência que infecta e conspurca o Teu universo mais que perfeito: é o Vasco Rato, ó meu Deus! O Vasco Rato e aquele puto anormal, um Não-sei-Quantos que parece ter brotado por partogénese anal do primeiro!... Para que é que aquilo serve?...

Aguardo a Tua sobredouta resposta em perturbada angústia.

Dragão

4 comentários:

zazie disse...

Se calhar para provar que mesmo no que toca a dejectos não estamos sós...
Nem é preciso ir ao conteúdo, topa-me bem aquele sotaque e diz-me lá se aquilo é terreno “:O.

josé disse...

Chiça! O Rato, assim, fica reduzido à dimensão do buraco no roda-pé.
Os ratos, nos desenhos animados, aparecem geralmente como finórios e desenrascados, escapando às armadilhas dos predadores.
Ora aqui, o Rato não se ajusta ao estereótipo. Aparece mais como ratinho entre ratazanas norvégicas, capazes de o enxotar para o buraquito de onde saiu, e sem escapatória.

Mas tirando esse lambisqueiro de teorias coladas a cuspo, quem é o Não sei Quantos?! Tem nome de gente ou é mais um invertebrado?

zazie disse...

pois é, quem é o puto anormal? vá lá, conta tudo e não te faças difícil

dragão disse...

Vocês perguntam bem. Mas sei lá eu qual é o nome do gajo. Não sei nem me interessa. Já basta ter-lhe remirado as fuças por duas ou três vezes, de soslaio, à esquina do écran, a largar bosta que só visto. Se o nome for como a tromba, deve ser bem asqueroso.
Vou ficar com essa preocupação. Da próxima vez que o vir, vou ver se registo a identidade. A sério.