terça-feira, julho 20, 2004

Feitio de Dragão


Eu tenho mau feitio. Quando se mora numa caverna e se cospe fogo pelas narinas, a cada quarto de hora, é difícil não ter mau feitio.  As cavernas são escuras e húmidas, inçadas de estalactites filhas da puta que nos contendem com a cornadura e estalagmites irmãs das outras que nos intimidam os tomates. Um gajo tem que andar na própria casa com mil cuidados, como se habitasse um campo de minas. Não admira que receba cada vez menos visitas.
Mas não é só por isso que tenho mau feitio. Mentiria se o dissesse.  O resto do problema - se calhar a parte mais irritante-, é que o país, o mundo, a fábula aí fora estão cada vez mais infestados de cabrões,  de coninhas, de beija-cus e cheira-rabos. De paneleiros e lambisgóias, então, é melhor nem falar. Louros, todos eles. Até os bumbos. Alastram por toda a parte: políticos, jornalistas e outros artistas é raro o que escape. São ruas, estradas, avenidas, repartições, televisões, jornais, ministérios, vilas, cinemas, discotecas, espeluncas, estádios -é isso tudo, sim senhor!- a abarrotar deles. Uma farturinha, que nem no século passado era assim tão luxuriante. Reproduzem-se, proliferam, enxameiam na forma de marabunta (des)humana. Agora, por sinal, até é chique terem muitos filhos, lógicamente tão cabrões, coninhas, beija-cus e cheira-rabos quanto os pais (ou melhor dizendo, quanto as mães, já que os pais, segundo consta, oscilam quase sempre entre o dúbio e o incerto). O mundo é deles e eu estou-me nas tintas. Se é deles, é porque não é grande merda.
Não acho bem nem mal. Nem tenho que achar.  Era eu a largar-lhes opiniões e eles a limparem o cu a elas. E faziam bem: é pró que a doxa serve! Não; eu preferia mesmo era corrê-los a pontapé, zurzir-lhes o coiro com estas minhas patorras desempenadas. Isso sim,  isso é que me convinha ao espírito e à oxigenação mental. Andar aí pelos passeios, pelos corredores, pelas galerias -por toda a parte, enfim- e assestar-lhes com brutalidade, sem qualquer cerimónia nem clemência,  patadas convictas, coices excelentes, abençoados, bem capazes de lhes enegrecer aquelas peidas balofas e fazê-los despegar, ainda que por breves decímetros, da terra que conspurcam. E fazê-los planar, ainda que por parcos instantes, num limbo de justiça.
Não julguem que não disponho de músculos adequados - quadríceps treinados, gémeos desenvoltos- e ossatura conveniente. Garanto-vos: Não só estou bem equipado com essas faculdades utilíssimas, como domino, do kung-fu, inumeráveis técnicas, variadíssimos estilos, adestradíssimos modos. Haviam de ser umas biqueiradas de antologia! Haviam de merecer cobertura televisiva permanente, no que eu aproveitaria para desancar também os merdosos dos jornalistas, classe de insectos rastejantes por quem nutro especial gula. 
Mas dizem-me que é ilegal, crime codificado, ofensa corporal. Ameaçam largar-me mastins e polícias, passe a redundância.  Podem-me ofender o espírito, mas não lhes posso eu ofender o coiro... Balelas! Sinceramente, é o que acho que são. Enchem-me a paciência, mas não lhes devo encher o cabaz. Esquisitisse burocrática, é o que é!
Como não evacuo destas necessidades, como não desentorpeço estes justíssimos ímpetos, dou comigo de mau humor,  esganado de parcimónias, estrangulado em inibições, a remoer antipatias. Deve ser por isso, também, que tenho mau feitio. Péssimo, direi mesmo. Dói-me mais esta inactividade forçada das pernas, que uma nevralgia, com buraco a céu aberto e abcesso, dos dentes.  Não admira que ninguém me visite. Não os critico. E mesmo os amigos, outrora numerosos, desapareceram todos para parte incerta, mas longínqua.  Corri-os a pontapé, a bem dizer.
E de quem é a culpa? Do cabrão dos mundo e das suas parvas regras, nem mais!  Como não deixam um gajo correr sob esse fino trato os inimigos, tem o dito cujo  que se aliviar de qualquer maneira e, de preferência, em alguém. Ora, como manda a aflição, vai quem está mais a jeito, isto é, vão os amigos. A pontapé, pois claro. É preciso é deitar aquele fel todo cá pra fora. É mais forte que nós. E os amigos, não se cansam eles de dizer, são para as ocasiões. Sejam. Ou melhor: foram.
Mas é um falso alívio, que só nos deixa cada vez mais enfurecidos. Ou melhor: foi. 
O pior é que, com todo este infame desvio do justo alvo, nem o mundo melhora, nem nós. Humm... Tu aí, ó coninhas!  chega aqui que tenho uma coisa para te dizer!...




8 comentários:

zazie disse...

ora bem! e viva o Bruce Lee
Acredita que penso o mesmo e até gostava de ter muito poder para os tratar a pontapé.

zazie disse...

os amigos não, esses nunca os corri a pontapé ":O)))

zazie disse...

mas nunca se deve fechar os olhos ou deixar de tratar a pontapé os sacanas. O mal é esse. Habituam-se.
A nós pelo menos nunca nos acontece dizer que fomos enganados, pois não Dragão?
ehehehe

zazie disse...

e vai mantendo a gruta aberta que nem imaginas como é reconfortante ver estas baforadas de raiva quando sacanas desses também se atravessam no caminho ";O)

josé disse...

Pois, pá! Debita pra lá essa cuspidela de fel e desopila por aí essas narinas, como te aprouver.Isto por aqui é inofensivo e serve de muro de lamentações.

Eu não consigo ter esse suplemento de raiva lança-chamas e por isso gramo ler quem o consegue alcançar. Aprecio algumas conices. Ainda agora mesmo estou a ver/ouvir um dvd do Cat Stevens (!) com a gravação de um concerto de 1976 ( Majikat). É uma conice do caraças, ouvir o gajo a cantar Banapple gas. Mas diverte-me ver o tipo a dedilhar uma OVation balladeer e a cantar Tuesday´s dead e, a seguir, um coneiro Oh very Young que me apraz ouvir por causa dos acordes e da letra onomatopaica. E logo depois um Father and Son que uma antiga flame costumava cantarolar e eu apreciava, pois a cantiga é o supra-sumo da correcção e do senso comum, muito querido à então querida.


Mudando...
Também me chateia o corridinho de paneleiros( mesmo alguns pseudos) e lambe-botas que tenho visto ultimamente na cena política.

Acho até que é preciso que alguém apareça e dê nomes aos boys que por aí pululam e querem levar a melhor nos negócios do Estado para se refastelarem melhor nos vívios privados e poderem alardear sem escândalo as virtudes públicas.
COntudo, a arte de largar fogo aos filhas da puta que pululam nos sectores que nos afectam, é mais conseguida se for pelo sarcasmo e pela habilidade na escrita.
O Eça cascou melhor em certos palhaços da actualidade do que o fino Delgado alguma vez conseguirá bajular quem lhe dá a mão e o comer. E ambos o fazem pela escrita.
Daí que aprecie particularmente quem escolhe palavras antigas e rebuscadas para construir frases devastadoras para a modorra do conformismo.

Tenho vindo aqui por isso e pela demasia nas citações.

Continua.

Anónimo disse...

Desde já me inscrevo na milícia, que também eu, por azia, mau feitio ou testosterona, guardo um par de bufardos a enviar por correio azul a esses meninos.

dragão disse...

Não há regra sem excepção, ó Clark. Acredito que haja pessoas decentes na profissão de jornalista, como em todas as outras. Você que a conhece por dentro, saberá bem melhor que eu das virtudes e podres da dita.
Para quem está de fora, salvaguardados os bons indivíduos, a ideia que fica da classe, actualmente, é tão má como a dos políticos, senão pior. Abaixo dessas julgo que só mesmo a dos professores (e já me esquecia dos militares)...
Curiosamente, se pensarmos nessas quatro profissões, a forma como os medíocres, os sabujos e os filhos-da-puta se tornaram nelas infestantes e predominantes explica, em meu entender, muito do estado miserável do nosso -desafortunado- país. O resto vai atrás.
Em todo o caso, quando chegar a hora de eu distribuir patadas (sonho com esse dia), a si, pelo que conheço, poupá-lo-ei ao "pontapé". Antes, pela forma como trata a Língua Portuguesa, optarei por cumprimentá-lo efusivamente.

zazie disse...

então e oso advogados, ó dragão? até o Woody Allen os colocava no último patamar do Inferno ":O))