quarta-feira, maio 12, 2004

POLITICAMENTE BARBIES



Grassa por aí um certo maniqueísmo serôdio que em nada abona quem o professa. Do húmus mal fermentado de mentes peregrinas, germinou o seguinte dogma doutrinário: Ou se é politicamente correcto ou se é politicamente incorrecto. Não há cá meias tintas, nem outras verdades: ou sim ou sopas. Adicionem-se, a esta papa milupa intelectual, uma colheradas de trancendêndia equilátera -porque tal lepra endémica, imagine-se, acontece quer à esquerda, quer à direita-, e teremos uma mistela capaz de conquistar o mercado aos melhores raticidas e deixar a Bayer à beira dum ataque de nervos.
O indígena desprevenido, menos atento a essas revoluções, como é o meu caso, fica um bocado atrapalhado. Serei correcto? Serei incorrecto? Estarei perdido na Terra-de-Ninguém, a apanhar tiros de todas a parte?
Bem, até aqui os incorrectos definiam-se por contraposição aos correctos. Atentava-se no que o correcto fazia e dizia e tratava-se de dizer e fazer o contrário. No mínimo, isto era extremamente relaxante e repousante para a mente. Dispensava-se de pensar. Os aurículos e o aparelho fonético tratavam de tudo.
Mas agora descobriram a pedra filosofal, o vértice inefável: a paixão ou o ódio aos Estados Unidos e ao seu tumor benigno - a causa israelita. E, aqui chegados, as opções são claras: ou os idolatramos, e somos incorrectos; ou não os idolatramos e somos correctos. Idolatrar ou não idolatrar, eis a questão. Há ainda um efeito colateral nisto tudo: idolatrar os ditos vem acompanhado por uma febre maníaca, que se expressa numa forma particularmente virulenta de ódio vociferado a tudo o que não concorde cega e submissamente com essa fé, única e redentora, nos tais.
Eu, por mim, gosto mesmo é de Portugal. Gostava que ele fosse independente, digno, vertical. Derivado disso, não amo outras nações. Acredito na monogamia política. Eu sei, estou desactualizado. Mas que querem, gosto mesmo da minha. As outras, para amar, não me interessam. Ainda prefiro a fidelidade à Alta-Fidelidade. Caturrices, enfim.
Portanto, e pró que interessa, não idolatro os Estados Unidos. Isso, temo-o bem, faz de mim um correcto. Sem apelo nem agravo, segundo as novas categorias.
Mas vamos imaginar que eu me queria tornar incorrecto (segundo os novos profetas). Animado por alguma tara secreta ou impulso suicida, eis-me, pois, disposto a aderir à nobre causa.
Não bastaria apenas idolatrá-los (aos Estados Unidos)? - Erguer-lhes um santuário, rezar missas, credos, salmos e acender umas velinhas?! Escrever-lhes odes, hinos e encómios?!...É mesmo necessário odiar tudo o resto, espumar da boca e vociferar raivosamente a todo o desgraçado incréu que passe? É indispensável mesmo celebrar, em delírio extático, terraplenagens culturais, carnificinas sórdidas e selvajarias industriais? É forçoso que se zurre e resfolegue, assim, em público, à desgarrada, sem qualquer pejo nem rubor?
Confesso que esta segunda parte é que me custa. Como é que se faz? Como é que se aprende? Deve exigir treinos e adestramentos intensivos...Deve requerer um embrutecimento e descerebração rigorosos, desde pequenino...Deve ter escolas próprias, universidades especializadas, famílias ao nível!... Locais apropriados para nos imunizarem contra qualquer resquício de ética, princípio ou escrúpulo; centros de instrução contra a própria instrução, contra a lógica, a dúvida e os filósofos que não falem inglês!...
Acreditem-me: eu gostava muito de gostar dos Estados Unidos. A sério. Seria óptimo. Mas enquanto esse louvado dia não chega, creiam numa verdade mais comezinha e elementar:
Há, efectivamente, o politicamente correcto. E há, certamente, o politicamente incorrecto. E depois, entre muitas outras espécies, desfilais vós, ó amigos americanólatras civifóbicos: nem correctos nem incorrectos, mas apenas politicamente louros, politicamente parvos, em suma: politicamente barbies!...

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