segunda-feira, abril 21, 2008

A lei da selva



Poderíamos pensar que o sucesso da teoria de Darwin teria que ver apenas com o ajustamento da explicação à realidade. Mas na verdade, como todas as teorias, muito provavelmente, tem mais a ver com a sujeição da realidade de todos os tempos à forma de ver a realidade predominante na época do teórico. A moda faz o mundo. O todo submete-se à projecção ao espelho da parte. O método, cada vez mais entranhado, é o da cama de Procusto.

«Tais (malthusianismo, liberalismo e historicismo científico) eram os pensamentos que dominavam a Inglaterra quando apareceu Darwin. É certo que Darwin não era um político profissional nem um economista. É possível que não tenha lido nunca Bentham ou Smith; nada nos fala da influência de Mill sobre as suas opiniões. Mas tinha lido Malthus; fala de Malthus em 1838, quando já leva um ano de estudo sobre a origem das espécies. A influência que as ideias de Malthus exerceram sobre ele, constata-se na segunda edição do seu Diário. É bem conhecido o facto de que aceitou as opiniões malthusianas acerca da sobrepopulação, deduzindo delas a luta pela existência. O que já não é tão conhecido é que a influência sobre ele destas teorias da economia política foi muito grande. Tanto a sua concepção geral da natureza, como a sua visão científica global estavam dominadas por elas.
Todos os autores pré-darwinistas, Lamarck incluído, consideravam na natureza individualidades animais e vegetais, cujos corpos e funções orgânicas são semelhantes e estavam sujeitas a leis análogas, o que as congregava numa indestrutível unidade. Frequentemente, falavam de "natureza", mas entendiam sob este conceito um princípio espiritual (embora mecânico) que obrava de acordo a leis definidas, de modo análogo aos fenómenos do mundo físico. O indivíduo, fosse planta, animal ou homem, não era, para esses autores, nada mais que a expressão duma lei eterna. A destruição de um, de muitos ou mesmo do mundo inteiro não significava nada mais que o desaparecimento das manifestações visíveis dessas leis eternas, leis independentes da vida e da morte.
Em contrapartida, para Darwin, filho dilecto da prática Inglaterra, a natureza consiste em partes separadas. A morte dum indivíduo representa uma mudança na natureza; a de uma centena significa uma mudança em centuplicado. Darwin mirava o mundo dos seres vivos do ponto de vista da economia política. Esse mundo, para ele, consistia numa sociedade num Estado constante de plantas e animais particulares, cada um dos quais seguindo o seu próprio impulso individual. Os economistas representam o Estado como uma sociedade constituída por indivíduos, cujo egoísmo só está contido nos seus limites por força do egoísmo dos restantes. Desse modo, Darwin entende a Natureza como formada de indivíduos, cada qual seguindo o seu interesse e vivendo a sua própria vida. E assim chega Darwin a uma nova e admirável concepção, que considera as plantas e os animais como membros de uma comunidade - a comunidade da Natureza. O liberalismo da época negava ao Estado o direito de limitar a liberdade individual. Darwin combateu a crença numa lei superior que governaria a Natureza e regularia as relações dos animais uns com os outros. As leis, segundo ele, nascem apenas das tendências individualistas de cada planta e animal.
É impossível compreender como poderia Darwin influir tanto nas teorias sociológicas, se não se admitir que a sua doutrina constitui, na realidade, uma sociologia da natureza, através da qual se limitou a aplicar à natureza as ideias políticas predominantes na Inglaterra do seu tempo.
De Malthus tomou o modelo lógico. Parte de um único e definitivo facto baseado na observação, a saber: o facto de que o número de indivíduos aumenta rapidamente. Considera qual teria sido o resultado desta tendência, em resultado duma acção sem freio, e chega à conclusão de que teria conduzido à luta pela existência; e a esta dedução chama "lei natural". Laissez faire, laissez passer; la nature va d'elle même; tal era o famoso lema daqueles tempos. Os políticos consideravam a doutrina no seu sentido prático de impedir ao Estado uma influência activa sobre os direitos dos cidadãos. Laissez faire, laissez passer, constituía a negação da antiga lei de direito divino dos reis. Darwin aceitou na sua teoria a segunda parte da sentença e escreveu o seu livro sob o tema: La nature va d'elle même. Na natureza não existem leis divinas.»
- E.M. Radl, "História das teorias biológicas"

Em resumo, depois de introduzir a lei da selva na sociedade humana, o liberalismo materialista exportou-a para o mundo natural. Após varrer a hierarquia do céu e do mundo, tratou de extirpá-la da natureza. E nessa nova natureza igual ao mundo - entregue à pura lei do mais apto/forte, num tempo em que o dinheiro mede a força/aptidão - reimplanta o homem, agora convertido a mera proliferação desarvorada de egos. É nisso que vamos. Pelo caos a fora.
Percebem agora o fascínio serôdio mas sempreviçoso de toda esta macacada energúmena e grunha com o querido Darwin? Aquilo mima-lhes os aleives - a besta até se derrete. Perdido o Marx, agarram-se ao Darwin com patas e dentes. Hirsutismo mental, do chifre ao casco!...

5 comentários:

josé disse...

Estiolou a discussão, porque os científicos, não suportam certas verdades comezinhas que contendem com certezas empiricamente matemáticas.

Anónimo disse...

Há grande Dragão, dá-lhes uma tareia valente.

Ludwig Krippahl disse...

Dragão,

Estás a confundir a descrição de um acontecimento com a política que propõe fazê-lo acontecer.

As equações que descrevem a queda das bombas sobre Dresden não são o mesmo que as ordens que despoletaram o bombardeamento.

Penso que te deixaste enganar pela palavra "lei", que muitos interpretam com um significado normativo mas que, em ciência, já se usa pouco e só no sentido descritivo.

A ciência é o método pelo qual descobrimos como as coisas são. O que fazemos com isso é um problema diferente.

josé disse...

"A ciência é o método pelo qual descobrimos como as coisas são".

Portanto, a problemática de rerum natura, é uma espécie de chocadeira de métodos.
E como em todas, há ovos pouco...recomendáveis, digamos assim.

zazie disse...

«Penso que te deixaste enganar pela palavra "lei", que muitos interpretam com um significado normativo mas que, em ciência, já se usa pouco e só no sentido descritivo»

Essa agora teve piada. Precisamente agora é a que a palavra lei já foi considerada obrigatória para substituir aquilo a que se chamava teoria.
E a intenção é mesmo essa- habituar as pessas à descoberta de leis, pelos científicos, que não são meras suposições teóricas.

Usava-se pouco, é verdade. Mas "algo" levou a que sentissem a necessedidade de a reabilitar.

O que terá sido?