quinta-feira, abril 30, 2015

Narcisocracia (r)



Somos uma nacinha em banho-maria. A derreter em lume brando. Mergulhados numa democracia a todos os títulos engenhosa e notável: temos governos que desgovernam e oposições que se desopõem. Que regime, afinal, será este? Se é democracia, escapa a todos os paradigmas conhecidos: não é popular, nem liberal. Muito menos grega. A chamar-lhe alguma coisa, fora o palavrão que geralmente merece, teremos, por simples amor à realidade, que chamar-lhe democracia autista ou narcisocracia. Um regime em que os governantes se governam e os opositores não se opõem ao governo porque estão muito ocupados a oporem-se uns aos outros. Quer dizer, o governo governa-se a si mesmo e as oposições opõem-se a si próprias.
E o mais espantoso é que em redor deste colossal vulcão de coisa nenhuma, alucinados com a mais diversa ordem de micro-roedores enfezados que a montanha, a cada minuto - pelos interstícios do vácuo - ameaça parir, zumbem e abivacam, todos os dias, sem pausa nem fastio, enxames de jornalistas, comentaristas e blogadeiros, cardumes de politólogos, sociólogos, psicanalhistas e outras excelsas tricotadeiras da palha, cada qual mais buliçosa e compenetrada, na análise convulsiva do Chico, do Manel (agora também Manela) e do Francisco, traduzidos directamente do angolinglês das respectivas eructações, babas e demais decantações, estalactites e alambicagens do momento. Mais que espantoso, é fantástico!
Dir-me-ão que gastar o dia de roda de futebóis é estúpido. Sem dúvida. Se bem que gastá-lo de volta deste circo de abortos, toucinhos e carcaças não é apenas estúpido: é macabro, imundo, necrófago... e grotesco.

4 comentários:

Anónimo disse...

E para chegarmos aqui, fomos atrás dos "ventos da História" que podemos ver aqui explicados:

http://omarxismocultural.blogspot.pt/2015/04/como-destruir-uma-nacao-sem-usar-armas.html

dragão disse...

Bem, já nem sei se é progresso ou bizarria: passámos de empurrados pelos "ventos da história", ou seja levados diante deles, a corrermos atrás deles (quiçá também a bufá-los, sabe-se lá). Ou então a sermos aspirados pelo efeito do reactor. Isto é triste: já nem direito á porta da frente temos: somos remetidos ao cu da coisa.
Quer-me cá parecer que estes "ventos da história" e quem os emite denuncia-se-se pelo cheiro. Tresanda. E nem direi que resulta de algum defeito de calafetagem na sua própia cabeça de vento, porque, mesmo para isso, para mero odre aéreo, era preciso que a tivesse... à cabeça. A proveniência gasosa, pois, só pode ser outra

Ricciardi disse...

Olhe q os ventos tão depressa bolinam pela poupa adentro como contra a proa. Um marinheiro experiente coloca as velas rapidamente para não perder momentum. Contra ventos é coisa difícil, embora não impossível. Os nossos, nas naus, preferiam velejar com eles, de forma q, para chegar ao sul de africa, iam quase ao brasil dar a volta.
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Porém, ele há capitães teimosos. Orgulhosos e deslumbrados. Velejam contra ventos, devagar. Devagarinho. Às vezes botam ancora a ver se não andam para trás. Ele há tantos assim. Que capitães deixaram, pois, que os ventos os empurassem e quais aqueles que velejaram contra?
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Em suma, quais os q se desenvolveram e quais os q não se desenvolveram?
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Os que velejaram à bolina ou aqueles q ancoraram?
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Euro2cent disse...

Ao contrário do diabo, cuja maior astúcia, segundo o Rimbaud, foi fazer acreditar que não existia, os "ventos da história" deram um trabalho do catano a fazer crer que existiam.

Mas porra, valeu a pena. O que não se consegue fazer com a inevitabilidade natural do progresso histórico a servir de alavanca, ou cacete.

E só levou três séculos.