quinta-feira, março 05, 2015

Voando sobre um Ninho de Cucos - 3. A Génese ao Espelho (Parte 2)



Em 1911, Félix Theilhaber, um sexólogo pioneiro ( nas mais recentes descrições) de origem judaica, publica "A Decadência dos Judeus Alemães". A tese principal da obra resume-se aos problemas resultantes da extensão das práticas malthusianas de contracepção - que acompanham a ascensão social dos burgueses -  para a população judia alemã. Segundo Theilhaber, esta, por via disso, corria riscos de extinção.
Um tal pessimismo provoca rejeição por parte de comunidade ortodoxa judaica, bem como pelos partidários da assimilação. Aqueles, em nome de promessas divinas lavradas em acta de convénios sagrados, nomeadamente Jeremias 30:11 ("exterminarei todas as nações entre as quais te dispersarei, mas a ti não te exterminarei"), recusam falar em "decadência", embora reconhecendo as estatísticas;  estes, atribuindo o abaixamento demográfico não aos casamentos mistos, mas à emigração para a América do Norte. Em bloco, sionistas e partidários da assimilação, unem-se para condenarem as extrapolações pessimistas de Theilhaber.
Felizmente, no entretanto, Theilhaber converte-se à ideia sionista e, em 1921, um ano depois da promulgação do mandato na Palestina, quando publica a 2ª edição da obra, a sua posição sobre a "decadência dos judeus alemães" evolui. Doravante, há uma forma de escapar ao funesto desenlace: a emigração para a Terra Prometida, onde, "vivendo como os judeus de outrora, será possível reconstituir um "Volkstum" (judeu) são. A análise da degeneração, outrora de advertência, termina agora em tom menos agreste e mais galvanizante... Curiosamente, também com um versículo de Jeremeias: "Ainda há esperança para ti".

Por sua vez, as tribos da eugenia e da higiene racial, à semelhança dos antropólogos, descobrem no povo judeu um objecto do maior interesse - uma "raça endógama desde a noite dos tempos, cujo estudo permite, finalmente, compreender, com alguma clareza, e dentro de uma perspectiva comparativa", os mecanismos da "degenerescência" e da "regenaração". E dentro desta perspectiva, todos eles acolhem com vivo entusiasmo "A decadência dos Judeus alemães", do referido Theilhaber. Alfred Grotjahn, higienista racial, fundador da higiene social (como agora lhe chamam), sustenta que a "decadência" descrita por Theilhaber é extensível também aos outros povos; e  Ernst Rüdin, psiquiatra e higienista racial, escreve na sua obra coetânea  A Decadência: "o espelho no qual os cidadãos cristãos podem, igualmente, ver o futuro do cristão culto, futuro inelutavelmente também perturbado, a menos que emirjam uma sensibilidade e um comportamento conformes à higiene sexual, tal como Theilhaber recomenda aos Judeus":
Poderão obstar-me, "ah, isso são intelectualices e academuras que pouco afectam a vida das pessoas e os concursos da história. Ninguém, no mundo real, liga a cata-pentelhices  dessas."
De facto, não. E tanto assim foi que Rüdin, por exemplo, esteve por detrás da legislação eugénica nacional-socialista, que culminou no programa e esterilização e eliminação de doentes mentais e outros, e saudou as leis de Nuremberga como um grande triunfo da higiene racial.
Como refere Cornelia Essner, na "Demanda da Raça - uma Antropologia do Nazismo": "Constata-se, definitivamente, que os eugenistas e higienistas raciais do Império Wilhelmiano, longe de fazerem afirmações anti-judeus, se mostram, pelo contrário, "filo-semitas". A primeira exposição internacional de higiene, organizada em Dresden em 1911, consagra aos cuidados corporais e aos ritos de purificação judeus uma sala de exposição a fim de ilustrar a contribuição da religião hebraica no domínio da higiene. À maneira do antropólogo Virchow, falecido em 1902, que via em Moisés "o maior médico de todos os tempos", proclama-se o profeta de Israel o "maior higienista racial".
Theilhaber, por seu turno, após batalhar na Alemanha pela liberalização do aborto e pela promoção da contracepção, emigrou para a Terra Prometida em 1935. Onde viria a falecer, em Tel-Aviv, no ano de 1956.
No próximo postas, faremos uma visita ao co-fundador do Sionismo, com Hertzl: Max Nordau.

PS: A todos aqueles que se interessem pelo estudo do sionismo, recomendo vivamente a leitura do livro Jeremias do Antigo Testamento. Está lá, em bom rigor, grande parte do aparato mitológico, que ainda hoje, obsidia e transtorna o movimento e respectivos crentes. Até muitas ds atitudes que, ao leigo espectador, segundo a lógica comum, parecem absurdas, irracionais e tresloucadas,  ganham todo um sentido intrínseco e quase necessário, quando vistas à luz de "Jeremias"
Aliás, a própria língua portuguesa tem um verbo elucidativo a esse respeito. "Jeremiar" - fazer jeremiadas; lamentar-se; choramingar. Do substantivo "jeremiada" - lamentação longa e importuna.
No fundo, encontramo-nos nos antípodas de Nietszche e do seu Super-Homem: aqui é o culminar do ressentimento atávico e ancestral na forma da Super-Vítima. Rimo-nos deles ou das suas figuras ridículas? Odiamo-los. Apontamos-lhe uma qualquer nódoa no casaco da consciência ou mancha no fundilho das calças do pensamento? Planeamos exterminá-los.  E o mais curioso é que não é apenas o Estado sionista que se esconde atrás da totalidade dos judeus (como se o coitado dum judeu não tivesse sequer direito a individualidade e consciência próprias); não, é também qualquer crente fanático e imbecil no sionismo sacrossanto que se vai esconder atrás do arsenal e da panóplia militar de Israel, às tantas, dardejando urros e ameaças veladas de eliminação física ou perseguição com a tal jeremiada (hitler!holocausto!anti-semita!nazi!goy...!) até aos portões da eternidade. Poderíamos apelar ao bom senso, ao civismo, à amena convivência, com este tipo de zombies? Já tentei muitas vezes. Continuarei a tentar, porque sou tenaz e obstinado. Mas sei, bem no fundo, que é inútil. "Jeremias" explica porquê.



11 comentários:

zazie disse...

Tu estudaste isto a sério.

Eu apenas por alto quando fiquei com a pulga atrás da orelha por causa daquela exposição da arte decadente feita pelos nazis.

Foi cópia bastarda e posterior de toda a ideologia de pureza de raça do sionismo.

Mas faço-te a pergunta- encontras estudos eugenistas pioneiros sem serem judaicos ou o principal traduzido em ideologia é mesmo sionista?

Isto proque até o Nordau era profundo admirador do Lombroso.

dragão disse...

É uma boa pergunta. Vou averiguar.

Compreende-se a admiração do Nordau pelo Lombroso.

todavia, a ideologia do sionismo é essencialmente oportunista e panta-absorvente. Aproveita tudo o que, operativa e estrategicamente, possa auxiliar ao projecto.

Em todo o caso, a eugenia remonta ao Galton. Vou ter que rever as notas de quando, em tempos, investiguei a estrada entre o Darwin e o Hitler.

zazie disse...

Pois é. Pena a tal utopia que o Galton tinha em mente nunca ter sido passada a papel.

Eu interressei-me pela questão dada a influência que o Nordau teve na avaliação das artes.

É é nítido que os nazis copiaram a noção de decadência dele e dos sionistas e não o inverso.

A cronologia mostra-o.

Mas nunca alarguei a questão.

dragão disse...

Na questão da decadência, o Gobineau, tendo sido ignorado em França, foi todavia muito influente na Alemanha.

Sim, quanto aos nazis, Até porque são mais tardios. Mas, em parte, os mesmos que inflenciaram os nazis, influenciaram os sionistas: os anti-semitas.

dragão disse...

influenciaram

zazie disse...

Ok. Obrigada pela informação do Gobineau.

Os franceses nunca deram conta do recado.

Nunca se fala nestas coisas e até a Bauhaus é sempre tida por vítima do nazismo.

Mas, a verdade é que o Gropius não podia com os judeus, o Kandinsky considerava o Schoenberg um judeu dacadente, o Egon Shiele fazia-se passar por judeu com os dedos em forma de Shadai e lá por isso não se safou de ter uma data de pintura confiscada por ser considerada decadente, no caso, pelos nazis e apoio de mecenas judaico austríaco.

Dá ideia que tudo isto foi partilhado a meias

dragão disse...

Mas os traços gerais da utopia do Galton são conhecidos e óbvios, dadas os pontos de partida.

:O)

Ah, a propósito daquela figura sinistra - o Rüdin... ficou em falta no postal, mas é um detalhe de extrema importência: é que a partir dos higienistas e eugenistas a questão de procurar a "raça" no sangue ou na anatomia cede lugar à garimpagem nos "genes".
Donde se chegou a essa beleza da genética actual, tão prenhe de monstruosidade latente quanto as suas antepassadas...

muja disse...

a ideologia do sionismo é essencialmente oportunista e panta-absorvente

Isso pode ser por não ser, em boa verdade, tanto ideologia quanto é um empurrãozinho à profecia - o "povo judeu" (na realidade, a seita talmúdica) feito em próprio messias.

Foi um rabi que fez o passe "teológico" para permitir a coisa. Não me lembra agora o nome, mas vou procurar.

Isso também explica a obstinação deles. É que não podem falhar. Se a profecia falha, não podem, como têm feito com os messias homens que afinal nunca o são, enganar o pessoal tentando outra vez...

muja disse...

Era este:

http://en.wikipedia.org/wiki/Abraham_Isaac_Kook

Inventou a doutrina do "burro do Messias"

http://en.wikipedia.org/wiki/The_Messiah%27s_Donkey

Ahahah!

Euro2cent disse...

Acho que esta foi a mais instruidamente interessante que li este ano.

Mas, como diria o camarada Karl, não se trata de entender, mas de mudar.

Feito o diagnóstico, qual é o tratamento? Há?

dragão disse...

Vamos ver lá mais para o fim, por altura das conclusões.