sexta-feira, março 13, 2015

A Acromiomancia Revisitada - II. Um país sem rei nem roque




Já em 1936, é o próprio Salazar que relata um episódio altamente sugestivo e ilustrador da "mentalidade portuguesa"...
«Lembro-me de que no meu único dia de deputado se debruçou em certa altura sobre a minha carteira um dos homens que neste país ascenderam  às mais altas situações: pertencia à maioria da câmara  e esta era Conservadora. Esse chefe político, que daí a poucos meses veio a ter uma morte horrorosamente trágica, disse-me com ar de desânimo: 'Nada poderemos fazer. Em França as eleições acabam de desfavoirecer os conservadores. A hora é das esquerdas.'
Nunca mais se me varreu da memória essa tristíssima impressão de um governante com maioria na Câmara se sentir moralmente abatido, só porque fora de certa tendência o resultado eleitoral num país estrangeiro.»

Por sua vez, Franco Nogueira,  escreve a 25 de Abril de 1966 (data, a todos os títulos, irónica; e profética) no  seu Diário:1960-1968:
«Inaugurada na Sociedade de geografia, à noite, a Semana do Ultramar. Através de falas e discurso, só pensei numa coisa: no silêncio equívoco de ingleses e americanos quanto à Rodésia. Podem produzir-se acontecimentos de gravidade. E o país encontra-se na maior indiferença. Não me ocorre nada que se deva fazer. E bater-nos-emos? Salazar parece confiar num milagre, mas eu não vejo como este se possa dar. É verdade que os milagres se caracterizam por não se saber como se possam produzir - e produzem-se. E depois - tenho sempre a sensação de que somos um povo subserviente, amedrontado, curvado perante os outros com a espinha a tremer espavorida ao menor bater de pé de uma qualquer potência, ao menor bocejo abespinhado de um qualquer governo estrangeiro

Será mesmo - esta subserviência e poltranice dos portugueses - um fenómeno atávico, recorrente e incontornável? Quer dizer, o português, de seu ordinário, é mesmo um gastrópode ranhoso e assustadiço?
Posso referir alguns dados históricos ou da mera experiência pessoal...
Por exemplo, na história militar, o exército português é considerado o suprassumo na bravura e coragem em matéria de resistência ao cerco e assédio. Um fortaleza defendida por portugueses é qualquer coisa digna de impor respeito a forças hostis, mesmo quando dotadas de superioridade esmagadora.
Significa isto o quê? Que uma vez sem possibilidade de fuga, os portugueses,  resignam-se à sua coragem e batem-se com o desespero dos suicidas e a fúria dos encurralados? Bem, mas podem sempre render-se e não lutar. Como aconteceu, por exemplo, na queda de Goa, Damão e Diu. Então o que é que os transporta, aos portugueses, à bravura ou à desonra cobarde?
Tive o privilégio de comandar militarmente portugueses. Devidamente liderados, são (ou eram), pela sua rusticidade, desembaraço, abnegação e espírito de sacrifício, das melhores tropas do mundo. Mal comandados, são um desastre completo e uma bandalheira ambulante. Uma certeza: os mesmos, dependendo do líder, são capazes do melhor e do pior. Já dizia  Camões que um rei fraco faz fraca a forte gente.
Ora, os mesmos portugueses que em 1961, diante do horror dos massacres da UPA, lutaram e não arredaram pé, treze anos depois, debandaram miseravelmente. Militares, civis, quase todos zarparam à pressa, de cara no chão e  imbamba às costas. Quer dizer, os mesmos que tinham sido corajosos e perseverantes durante uma década, num momento de desnorte e fraqueza, tornaram-se assustados e cobardes.
Na essência, que factor predominante determinou uma tão colossal e vergonhosa mudança?
Pela voz desse "factor":
«Nós precisamos duma coisa que nunca tivemos e cuja falta sensível tem sido a causa dos nossos altos e baixos: formação das vontades para dar continuidade à acção. De quando em quando aparece na História de Portugal um rei, um estadista, um chefe, que levanta a Nação, que faz um pedaço de História, e que a deixa cair quando desaparece ou morre.»
- A.O.  Salazar, 1932

Em 1961, vivia ainda um homem de 80 anos cuja vontade era capaz de congregar e animar ainda uma nação. Em 1974, essa nação perdera a vontade. O ânimo deu lugar ao desânimo. A crença à descrença. O rumo à desorientação.
Neste novo Alcácer-Quibir, repetia-se, em parte, o problema da sucessão - só que enquanto no anterior este decorrera do desastre, neste precedera-o, anunciara-o e propiciara-o.

O livro de Ploncard d'Assac sobre Salazar, termina com uma frase tocante e, ao mesmo tempo, trágica... Porém, verdadeira:
"Agora, debaixo daquela lousa nua e quase anónima, descansa aquele que por mais de 40 anos 'reinou' sobre o último Império do Ocidente."

A principal causa do 25 de Abril? 
Tentam preencher a resposta com uma série de fenómenos e protagonismos  mais ou menos ablutivos, expiatórios, e extremamente convenientes, quando não anestesiantes da má consciência (já lá iremos, no postal seguinte)... Mas na verdade tratou-se, essencialmente, duma ausência, duma omissão, duma vacuidade: Falta de Liderança. Ou dito simbolicamente: Um trono vazio.


NECROLÓGIO

Foi de comboio.
Não logrou separar o trigo do joio
entre os que lhe saíram na rifa para governar a cidade.
Por isso o despacharam por tarifa
em grande velocidade.

Morreu sozinho.
nem lhe deixaram beber o chazinho
da Senhora maria,
que tantos anos o tratou com esmero.
(esteve vinte e dois meses em agonia,
o que é um exagero).

Ah! Fizeram-lhe a última vontade:
ser sepultado longe da cidader,
em campa rasa, ao pé dos pais,
para que a sua fama não ofenda.
isso simplificou os funerais.
nem de encomenda!

Simples cortejo
de labitas. A ponte sobre o Tejo
nem sequer ostentou crepes bizarros.
E o protocolo estendeu-se ao comprido
porque antes deles já tinham morrido
o Dantas e o Leitão de Barros.

Metia medo.
Por isso foi quase em segredo
que o tiraram da sua moradia
e dispensaram lutos a capricho:
em vez do nobre armão de artilharia,
o camião do lixo.

Lá nos Jerónimos
teve, é certo, a homenagem dos anónimos
a quem no mundo só deixou saudades;
e as cornetas tocaram a sentido.
Mas, como oração fúnebre, foi lido
um artigo de fundo das "Novidades".

Repousa em paz.
Por tudo quanto fez, desde rapaz,
o nome que deixou ninguém o esqueça:
António de Oliveira Salazar.
Como D. Sebastião, viveu depressa
e morreu devagar.

P.S.

Não foi por mal.
A verdade é que nós, em Portugal,
somos todos isentos de maldade.
mas, depois da Marítima Aventura,
só com ele soubemos estar à altura.
Falta de gosto e sensibilidade.

              -  António Lopes Ribeiro

.....//....

Este poema diz quase tudo sobre os "sucessores"...



16 comentários:

Anónimo disse...

relaxada depois da leitura do poema...bena

Bic Laranja disse...

Leitão de Barros há-de ter maiúscula.


Impressionante!

josé disse...

Muito bom, pá!

Essa vertente do ânimo desaparecido é uma boa forma de pegar, de cernelha, o touro da realidade que tivemos.

Mas parece-me uma vertente poética, emoldurada pelo vate Ribeiro, senhor de tantos saberes culturais.

Não haverá outra que aparece com os tempos? Em 1966 já havia Beatles á venda em Portugal...

josé disse...

Mas espero pelo segundo tomo.

Esta tese agora publicada já eu a ouvia quanto tinha oito ou nove anos, à minha professora Primária.

E Salazar ainda nem tinha caído da cadeira.

Anónimo disse...

E a grande pergunta e, estas la? Estas pronto para encorporar isso que falas? Ou e muito dificil porque nao fazes parte da maquina, das jotas?

Porque de muito apontar problemas estamos fartos, somos muitos bons nisso.

Ao menos o tipas tentou, ou tenta...

Elaites

Anónimo disse...

E tou me a cagar se o tipas e de esquerda ou direita, estou a a falar de um gajo com colhoes ou colhonitos (tem blog o gajo?). Tens o meu voto amigo. A menos que isso ja nao valha um caralho.

E se sim e entao toda esta prosapia e merda, e os porcos que se lambuzem e que leiam uns soudbytes.


Elaites

Anónimo disse...

Pronto OK, somos todos uns idealistas a espera do Sao Sebastiao. E Por aqui estas a vontade, larga essas labaredas que um dia ele vai aparecer... sigh

Elaites

Anónimo disse...

O livrinho do Franco Nogueira 'e muito interessante a vários níveis. Os assuntos abordados pelas Necessidades são, diga-se o que se disser do resto, desafios de um Estado independente e com peso regional e varias áreas do globo.
Há uma passagem no livro que refere o ponto destacado pelo Draco, a "vontade" de Salazar como uma das maiores ou mesmo a maior da nossa história.

F. Nogueira conta um episódio comovente, uma visita 'a Ilha de Moçambique, a nossa primeira capital no Índico, onde transparecem sentimentos que hoje em dia passariam por alucinações e bizarrias...

Miguel D

JSP disse...

Ao ler este seu texto, imediatamente pensei em " O Mostrengo"...
Cpmts.

Anónimo disse...

Em resumo, Salazar foi um rei de uma república. A conquista e manutencao do poder não deveio pela natureza das coisas ou simplicidade do sistema de ascensão. Caiu lhe no goto como cai em qualquer jota da actualidade. Tivemos sorte?
Sim, sorte. O militarismo tem destas coisas. Às vezes lá encontra um tipo capaz. Frequentemente gera tipos incapazes. Sorte. Tanta sorte quantas as possibilidades de nos ter saído um sanguinário como ainda vemos na Coreia etc.
O nosso problema é constante. Chorar pelo leite derramado. Em vez de construirmos um sistema q proteja e possa dar garantias de produção de mais leite, detemo-nos a chorar o leite derramado.
Salazarismo é passado. Como passado é joanismo, duartismo, afonsismo....
O primeiro Só o interessa enquanto referencia de homens capazes. Nunca como sistema a emular como os segundos.
Espero um sistema que produza com naturalidades homens capazes. Sucessivamente homens capazes e não um outro q termine mal uma cadeira ceda.
O povo espera dom se bastiões pela simples razão de q não confia nos sistemas de ascensão ao poder e q este lhe possa providenciar a excelência. Tem, pois, esperança. Fé. Fezada de q pode aparecer ou calhar nas sortes alguém de jeito.

Anónimo disse...

A monarquia não voltará tao cedo, o infelizmente. E se voltar tem ser por um mérito mto relevante do monarca enquanto cidadao q se distingue numa situação muito especial.
Contudo há formas de construir algo parecido à monarquia. Replicar as virtudes de ascensão e manutenção do poder sem prescendir de democracia. Garantir a produção de líderes capazes sem prescindir de os eleger. Na monarquia a eleição devem pela condição e pelo sangue q são condições essenciais para a aclamação. Mas pode haver eleição de lider sem estas condições hereditárias e sem sufrágio universal?
Pode. Limitando o sufrágio e restringi-lo a umas cortes q seleciona o lider de entre um conjunto de pessoas méritos as na sua vida e q se libertaram da lei da morte.

josé disse...

"Salazarismo é passado". Também acho e por isso é altura de o conhecer melhor.

"Mas pode haver eleição de lider sem estas condições hereditárias e sem sufrágio universal?
Pode. Limitando o sufrágio e restringi-lo a umas cortes q seleciona o lider de entre um conjunto de pessoas méritos as na sua vida e q se libertaram da lei da morte. "

Era o que existia no Estado Novo a que agora chamam fascismo.

O primeiro passo é desconstruir a ideia que pegou de estaca porque os comunistas a conseguiram plantar.

Desconstruir essa linguagem é essencial.

dragão disse...

«Espero um sistema que produza com naturalidades homens capazes. Sucessivamente homens capazes e não um outro q termine mal uma cadeira ceda.»

mais lá para diante eu tenciono responder a esta questão.
A pressa é inimiga da perfeição. E da verdade, sobretudo.

marina disse...

um sistema q produza homens capazes ? tera de ser um sistema autoritario , cheio de regras , disciplina , valores fortes , rituais duros de passagem a vida adulta ...tudo ao contrario do que ha no reino da liberdadezinha e do que diz nos manuais dos especialistas modernos :)

Euro2cent disse...

> Falta de Liderança.

"Liderança"?!

Quoque tu, draco? Isto é a TV?

Venho de dar umas caneladas no português abortivo do Portugal Contemporâneo e aqui também há deslizes destes?

A nacinha chora ;-)

Euro2cent disse...

Voltando ao busílis. O que se passou.

Canto das sereias.

Os nossos donos - os mais espertos - andam há mais de duzentos anos a cantar ao povo a canção da liberdade.

Para eles funciona bem como o catano, como funcionava para o Senado romano, e se para o vulgo não dá tão bom resultado, cantem-lhe cantigas e contem-lhe histórias, que a coisa marcha.

Enquanto não se desmontar esta, não há hipótese.