sábado, junho 27, 2009

Repórter Flash - Entrevista com o Rato Mickey (Part. 1)




- Rato Mickey, preferes que te chamem Rato Mickey ou Mickey Mouse?

- Prefiro Mickey Mouse. O que significa “rato?” tenho que ir ver ao google. Espero que lá conste, senão ainda vou ter que comprar um dicionário.

- Mickey Mouse, porque é que vai aos arames quando chamam Pateta ao Pateta?

- Bem vê: é um insulto. O Pateta chama-se Goofy. Fy-fy, prós amigos. Chamar Pateta ao Pateta é acintoso. Aliás, toda a Língua Portuguesa é acintosa. Os portugueses, dum modo geral, são acintosos, excepto quando estão calados e obedientes.

- Mickey, como é que podemos argumentar?

- É simples. Como sabe, existe uma camada superficial da atmosfera chamada noosfera. Esta noosfera está, toda ela, envolta numa fina e hipersensível película super-inflaccionada...

-Uma fina e hipersensível película super-inflaccionada?...

- Sim. O meu ego. Argumentar é dizer o que nos der na real gana, desde que não fira, belisque ou interfira negativamente com o invólucro da noosfera.

- E se, ainda que inadvertidamente, interferir?

- Faço beicinho, tenho uma birra e rebolo no teclado. Espol... Espro...esplo...

- Espoldrinha-se?

-Isso, Isso! Vê como a Língua Portuguesa é acintosa. Repare em inglês: “to wallow”. Note a delicadeza do verbo, o semi-sussurro palatal das sílabas. Poucas sílabas, como convém. Se bem que o meu caso até é mais “to tumble in the dust”. Que é quase um poema, como pode ver. Pois, eu tumblo in the dust of the teclado. Com imense gravity.

Mickey, é verdade que –nas palavras de mestre Almada – você especula e inocula os concubinos?

- Sim. Sou um intelectual histriónico que gosta de dar nas vistas e chamar as atenções. Penso em regime de concubinato geral.

- Fale-nos na sua já famosa “procura da verdade”.

- Segundas quartas e sextas, vai-se pela direita (é a via Cat); terças,quintas e sábados, vai-se pela esquerda (é a via Prot).

- E aos domingos?

- Como sabe, para atrair papalvos cat convém dizer que o Papa tem a verdade. De modo que, aos domingos, vai-se à missa com o fato de ver a Verdade.

- Mas se o Papa tem a verdade, fará algum sentido procurá-la? Se já sabemos onde ela está, o melhor não será, em vez de perder tempo com buscas, ir logo a Roma em romaria, em peregrinação, ou, para os laicos, ateus e metateus, em excursão organizada (package tours, com estadia pequeno-almoço e depilação incluída)?

- A populaça, sim. As elites, quer dizer, eu e o Pateta, digo, o Fy-fy, não. Temos uma linha directa para o Papa. Por telepatia - ou telepapatia, melhor dizendo. O Fy também possui uma mesa de pé-de-galo através da qual comunica com Darwin.

- Uma mesa de pé-de-galo!?, mas isso é científico?...

- Absolutamente. Funciona às mil maravilhas. Há até uma empresa dum judeu americano, com know-how de Passos Ferreira, que está a desenvolver um modelo portátil, desdobrável e transportável numa mochila. Não admira: o mercado está sequioso. O Fy-fy, além de sequioso, está faminto. Não vê hora de receber a sua tele-mesa, para poder conferenciar em ambiente camping.

- Significa exactamente o quê, esse “ambiente camping”?...

- Em cima das árvores. Faz todo o sentido. Assim como Newton descobriu as teorias dele observando uma árvore que deixava cair os frutos, o Darwin aperfeiçoou e refinou as suas trepando e pernoitando no carvalho que tinha no quintal. Foi assim que conseguiu recuar às origens mais remotas...

- Do Homem?

- Não, da mesa pé-de-galo!... Os nossos antepassados falavam directamente nas árvores. Ainda não tinham desenvolvido a tecnologia de carpintaria e mobiliário. Aristóteles, segundo consegui apreender na Wikipédia, explica estas coisas: chama-se o “acto” e a “potência”. A árvore era uma mesa em potência; a mesa é uma árvore em acto. Também se pode transpor para a espécie humana, conforme confidenciou o Darwin ao Pateta, digo Fy-fy: o macaco era o homem em potência; nós somos macacos em acção.

- Então, por essa ordem de ideias, o homem é o macaco realizado, ou o perfeito macaco?

- Sim, e o macaco é o homem imperfeito ou por realizar. Pode - e deve - ser também transposto para a sociedade.

- Fascinante! E dá qualquer coisa como quê?...

- Então, é óbvio: os macacos realizados ou perfeitos macacos são as elites; os homens imperfeitos e por realizar são a chamada populaça. Na terminologia darwinista, ou como diria o Fy-Fy, macacos realizados equivale a macacos desenvolvidos e homens imperfeitos corresponde a homens inaptos.

- Portanto, no seu mundo ideal os homens imperfeitos (ou inaptos) devem ser dirigidos, apascentados e supervisionados pelos perfeitos (ou desenvolvidos) macacos ?...

- Exactamente.

- E como é que distinguem os perfeitos macacos dos homens imperfeitos?

- Objectivamente, pela conta bancária; subjectivamente, pelo meu peremptório e inapelável veredicto.

- Isso significa que o seu pensamento consegue a acrobacia rara de ir da fantasia à sentença sem passar sequer pela opinião?...

- Pois. Mas faço ainda melhor: vou da intuição à tese sem sequer beirar a hipótese, nem, tão pouco, dar cavaco à reflexão. A verdade para mim é um instinto. Um instintuto, melhor dizendo. Brota-me como uma gana. Um magma. Um géiser! Para ser franco, excito-me com um assunto, roço-me nele e entorno-me.

- Entorna-se?

- Sim, nada de metafísicas. Nenhuma dúvida ou meditação: basta pensar no nome do assunto e zás, instantaneamente, segrego uma profecia completa acerca, uma certeza sólida a toda a prova. Estou até pensar em registar a patente. Vou chamar-lhe o “Método Cartes do Mickey Mouse”.

- Método Cartes?

- Isso mesmo. Trata-se, como o próprio nome indica, do contrário do Método Descartes. É só fazer ao René como o Marx fez ao Hegel: virá-lo de cabeça para baixo. Assim, em vez da dúvida metódica, proponho e pratico a certeza sistemática. Se me ocorre ao pensamento só pode ser absolutamente verdadeiro e indubitável. E depois, em vez de partir do conceito simples para o complexo, é reduzir qualquer problema complexo ao conceito simples mais próximo – o primeiro que me ocorra.

- Que geralmente é sempre o mesmo, não é? Aquela dicotomia cat/prot, que tanto fetiche e volúpia lhe parece causar...

- Evidentemente. A verdade, ao contrário da mentira que é múltipla, é única. Os portugueses não compreendem isto porque padecem duma grande incapacidade de abstracção. Não conseguem abstrair-se. Uma desgraça de gente!

- Não conseguem abstrair-se exactamente de quê, Mickey?...

- Da realidade. Ao contrário de mim, que consigo abstrair-me de ambos, da realidade e dos portugueses, de modo a sintetizar a verdade.

- Portanto, é abstraindo-se deles que melhor os conhece, define e converte em axiomas instantâneos?

- Pois claro. Outro preceito essencial do meu método Cartes: em vez de procurar abstrair-me dos meu preconceitos, idolatro-os e danço à volta deles até entrar em transe extático. Aí, atingido esse patamar sobrenatural, alcançado o estado de completa abstracção da realidade, da cultura, da história e, nec plus ultra, de qualquer pudor intelectual, experimento finalmente a verdade na sua plenitude núcega e proteica. Banho-me, à uma, na luz do génesis e do apocalipse. Nesse momento sublime de confluência da galáxia com o meu ego, sacudido em espasmos, frémitos e relâmpagos, deslizo então, borbulhante, crepitante, ao teclado e esprol... esplo...

- Espoldrinha-se?

- Exacto. Eu tumble in the dust!...

- Mickey Mouse, já pertence ao folclore blogonáutico: semanalmente, verifica-se que nos acessos da quarta-feira contradiz estrepitosamente o que havia profetizado com fragor nos de terça-feira, nos de quinta renega os de quarta e assim sucessivamente. Daí que eu lhe pergunte: enquanto arauto peregrino de novidades de estalo, pretende ser para a “coerência” o equivalente ao que Jorge Lima Barreto foi para a “afinação”? (Relembro que, logo após o 25 de Abril, o músico e crítico musical Lima Barreto saiu-se com aquela descoberta revolucionária que embasbacou meio mundo e pasmou o restante - cito: “a afinação é um conceito pequeno-burguês!”) Concretamente, ó Mickey, para si, a “coerência também é um conceito pequeno-burguês”? Ou será antes o ópio do povo, que é como quem diz, eufemizando, da populaça?

- Além da abstração, a populaça portuguesa não entende a fina ironia, a ironia da boa, aquela que eu e o Pateta, digo o Fy-Fy, fazemos. É uma chatice. Não adianta educá-los. São duma incapacidade atroz para certos alambiques.

- Portanto, a sua incoerência vulgar, na verdade, é uma forma subtil – e superlativa - de ironia – é isso que pretende dizer?

- Repare, é apenas mais uma das facetas delicadas do método Cartes do Mickey Mouse: ao contrário do Descartes, eu não penso. Não, eu show, logo existo. Ou seja, existo, na medida em que shou.

- Esclareça-nos: quando diz “shou”, significa ser à moda de Viseu, ou, simlesmente, dar espectáculo?

- As duas coisas. Eu show e, consequentemente, dou espectáculo. Shou, logo existo, e show, logo exibo-me.

- Um Houdini da evasão lógica e do pensamento automático, portanto. Nunca o convidaram para o circo Chan?

- Não. Mas tenho esperanças. Até me imagino, nos meus cintilantes avatares artísticos... às segundas, quartas e sextas, era Pierrosa Choc, o vidente-contorcionista; nos restantes dias, era Peter Pan-pan, o tarólogo prot do trapézio voodu!...

- Desde quando é que sentiu esse impulso irresistível em se tornar nessa espécie de Professor Karago da blogosfera, com consultório on-line, onde passa a vida a garatujar receitas e a corrigir atestados de óbito e relatórios de autópsia?

- Desde o Carnaval de 2006, pelo menos. Achei que mascarar-me de mulher já não me realizava plenamente. É uma tradição nacional, eu sei, talvez a maior e mais sagrada de todas, longe de mim renegá-la, mas começara a saber-me a pouco. Não era suficientemente histriónica, espalhafatosa, ambígua!

- Foi então por insatisfação (ou tédio) com a máscara de galdéria no Carnaval que decidiu mascarar-se de intelectual católico o resto do ano?

- Bem, de católico apenas às segundas, quartas e sextas; às terças, quintas e sábados, ponho o nariz e óculos à protestante. Ou seja, nos dias pares, detenho a verdade; nos dias ímpares, ministro a justiça. Aos domingos, repouso.

- Mickey Mouse, como poderemos chamar a essa sua fórmula complexa de travestismo religioso?

- Eu próprio hesito na taxonomia. Às vezes sinto-me mais catante que protestólico; outras é o inverso. Umas terceiras é ainda mais confuso: plano num limbo caleidoscópico ora crotestante, ora patólico. Picturo então myself in a boat on a river, with tangerine trees and marmelad skies, e esprol... expol…

- Espoldrinha-se?

- Pois. Isso mesmo (irra, que língua complicada!). E também me inclino mais para a Terceira hipótese.

- Por falar nisso, sabe que o César Augusto Dragão (a quem em tempos, você, Mickey, mascarado de Kalimero, taxou de galifão por chamar pateta ao Pateta), declarou recentemente, sob juramento e invocação, ao Papa Bento XVI e a toda a Curia Romana reunida, que não o considerava, a si, Mickey Mouse, nem catante nem protestólico (ou sequer crotestante ou patólico), mas, pura e simplesmente, um intelectual catastrólico?... Considera isto ofensivo?

- Nem por isso. O Dragão, como de resto já publicamente confessou, tem uma enorme inveja do Pateta, digo Fy-fy. Além disso, é o representante máximo da maledicência desabrida e reiterada, da injúria metódica e do bota-abaixo sistemático que grassam cá na paróquia.

- No entanto, vingou-se...

- Pois vinguei. Mandei-lhe o Gustavo Boca-doce em expedição punitiva!... Ninguém brinca com o Mickey Mouse!...

- O Gustavo Boca-doce é aquele brazuca que fazia annilingus ao Olavo do Carvalho e agora lhe faz rimjobs a si, o Pedro Arrota, não é?

- Esse mesmo. Língua mais suave não existe, seda pura. Mas quando quer é uma boca de destruição maciça. Então, em se tratando de ladrar, não há caravana que resista!...

- Vai daí, no auge duma campanha de alegorias fecais que já estava enfadonha, ele teve aquele brilhante desarrincanço de chamar paneleiro ao Dragão. É como chamar vegetariano ao Conde Drácula. A seguir, para zénite do método delirante, vai chamar-lhe o quê: Judeu?

- Pior que isso!

- Pior? Mas há algo pior e ainda mais inverosímil?

- Sem dúvida: Benfiquista!... Ou cinéfilo!

E, de momento, é tudo, teleleitores. Foi a primeira parte da entrevista com esse grande vulto do nosso culturismo mental, um dos últimos grandes mestres do ridículo e da patacoada. Um dia destes há mais. Agora temos que fazer uma pausa: para ele se espoldrinhar e para eu, a pontapé,lhe sacar umas explicaçõezinhas conceptuais de mera índole futebolística, que é como diria Santo Agostinho: de vera religione.

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O Boca-doce é bom, é
Diz o avô e diz o bebé.

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