terça-feira, dezembro 27, 2005

Postais perdidos - I. Marlboro Country

(Esta rubrica pretende apenas editar postais que, por um motivo ou outro, ficaram esquecidos nos "drafts" aqui do blogue. Vale como uma espécie de arqueoblogia e também como barómetro da efemeridade (ou não) dos escritos.)

A América, os acólitos expressam-no bem, é fast. É rápida, é flash, é sempre a aviar! É, sobretudo, o Fast-Empire: não só da fast-food, mas também da literatura-fast, os fast-poetas - poetas lucky luck que sacam mais rápido que a própria sombra -, da arte-fast, da genialidade motorizada, turbo descomprimida, sempre a assapar!
A América passa a correr. Para onde vai ela? Quer recuperar as voltas de atraso, as circunvoluções cerebrais. Julga que por correr muito e, aparentemente, mais depressa, corre melhor. Imagina que por publicar muitos livros, cada vez mais rápidos e acelerados, produzidos por fábricas incansáveis, por cadeias de montagem esfuziantes, publica grande obras, clássicos imortais. Monumentos essenciais para as gerações vindouras. Homero, Sófocles, Aristóteles, Cervantes, Dostoievski, Bach, Bethoven e dez mil outros pobres diabos, estremecem e desaparecem, pálidos e envergonhados, diante da grandeza genial da cultura americana. Os ferraris da Big Aple, do Village, de Hollywood, não poupam ninguém. Vão mais longe: reescrevem-nos, corrigem-nos, adaptam-nos ao cinema.
Mas o basbaque americanólatra tem razão. É certo que na cultura "pop" os americanos bateram todos. Mas esquece-se, regra geral, de completar: não é só a música - neles, tudo é pop, tudo é norteado pelo "best-seller", pela "chart", pelo "Top of the records", pelo "campeonato de bilheteiras". Dos supositórios, às sinfonias, passando pelos sabonetes e os políticos, é tudo para consumo das massas. Para usar e deitar fora. É suposto dar lucro. E para que isso não falhe, não depende de gostos ou escrutínios: molda-os, decreta-os e impinge-os previamente, à medida da droga que trafica. Mas, acima de tudo, porque é fast, a cultura americana, subentende a renovação contínua, a produção permanente, múltipla, desenfreada. É instantânea, melhor dizendo; como os pudins e as papas. Não é comida para o espírito, mas ração para a tripa. E mesmo aí, dispensa a digestão. Mal se ingere, logo se defeca. Morfa-se rapidamente, de pé, encostado ao balcão. E caga-se mais depressa ainda, em andamento, como a bosta dos solípedes atrelados. É preciso que não ocupe espaço, que mantenha apenas vivo, aceso, o apetite. Interessa mais que vicie e muito pouco que eduque. Quanto maior a dependência física, menor a espiritual. Em vez de apreciadores, forja consumidores, junkies, mentecaptos.
A cultura americana subentende otários, basbaques, mirones parolos e saloios planetários, como os cafres de antigamente, que se deslumbravam com pechisbeques brilhantes e contas coloridas. Pressupõe vazadouros, aterros sanitários mentais, psicolixeiras. É para entreter, para amenizar a canga e suavizar o curral.
É cultura de manada, de cow-boys a conduzirem a manada, ao pasto, ao abate.

3 comentários:

vs disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
vs disse...

'They All Come to Look for America'

Simon & Garfunkel

O problema (se é que assim se pode chamar) é que, neste momento, a Europa (coitada) é pior.
Muito pior.
Se os EUA são hipócritas....a actual Europa é a
hipocrisia elevada à nonagésima potência.

...mas nunca ninguem disse que o cenário era propriamente animador.

(a ter que haver alguem no mando....ao menos que os japoneses tomem logo conta desta merda toda...)
BANZAI!

Anónimo disse...

Concluindo: estamos a abarrotar de cultura "amaricana" - olhando ao redor, constatamos a presença de milhões de saloios planetários e deslumbrados... os responsáveis pela falência da nossa cultura !
Resta a esperança de que (c/o diria o Pintinho)toda a moeda tem seu reverso...