sábado, fevereiro 26, 2005

A Ursada

«Dos muitos ursos, em castelhano “ossos”, tirou daquela serra o nome de Ossa. Embrenhados por cegos matagais, estavam os frades cuidando em formarem choças das ramarias, quando o rei, aporfiado inimigo deles, à conta de lhe aliciarem o sobrinho para a ordem capucha, os mandou desentranharem-se dos bosques e sair do reino.
Se há lance digno de pincel que obedecesse a dois impulsos grandiosos –génio e piedade – é este:
Ajuntaram-se os frades e desceram do viso da serra, despedindo-se lagrimosos das penhas e árvores em que tinham passado alguns dias e noites de oração. Ao compasso que iam descendo, saíam de suas furnas os ursos e paravam a vê-los passar.
Os frades iam cruzando grandes bênçãos sobre os ursos, e as feras inclinavam as suas cabeças compadecidas diante dos pobres desterrados.
Ó ursos mais católicos do que o próprio papa, ó honrados ursos, se ainda hoje a vossa posteridade florescesse na serra de Ossa, quantos homens de bem iriam demandar a vossa convivência! Quantos eleitores vos dariam o seu voto! Que esperanças não teria ainda Portugal de se ver regenerado por um ministério de ursos da vossa casta! Lá os tenho visto, apanhados nos matos do parlamento; mas, justiça vos seja feita, da vossa linhagem não eram!»

- Camilo Castelo Branco, “Cavar em Ruínas”

2 comentários:

zazie disse...

some things never change...

r disse...

Bem-vindo!