Há dois anos, na eleição para a Câmara lisboeta, Manuel Maria Carrilho perdeu com 75.022 votos; ontem, nessas mesmas eleições, António Costa venceu com 57.907. A anedota em regime de ambulatório que temos como Primeiro Ministro veio clamar, em histriónica celebração, uma vitória histórica.
Eu explico melhor: a associação de malfeitores vulgarmente apelidada de Partido Socialista recebeu nas urnas a preferência de 29,54% de 38,4% da totalidade dos eleitores, ou seja, na realidade, 11,04 dos munícipes inscritos e com direito a vot0. Um dia destes, ainda alcançam a maioria absoluta com 1 ou 2% do eleitorado e é vê-los a celebrar, em surreal delírio, noite fora...
Isto suscita, desde logo, uma dupla questão elementar: qual a legitimidade democrática para o exercício desta gente? E qual a validade legal dum tal sufrágio?
Se a democracia, por definição, é um regime em que o poder é exercido por representantes eleitos duma maioria da população (seja ele nacional, autárquica ou clubística), então é caso para dizer que, entre nós, as maiorias são cada vez mais minoritárias. Nos próximos dois anos, em Lisboa, 62% dos eleitores não estão representados; 11% comandam os destinos; 38% decidiram a coisa e vão abichar o trem de cozinha.
Quer dizer, segundo apregoam os iluminados do costume, quem se abstém desinteressa-se, faz declaração pública de incivilidade ou indiferença? E porque não de desprezo, de perspicácia, de desengano? No meu caso, por exemplo, já raia o nojo.
Seja como for, quem se abstém apenas descomparece à urna, não deixa de existir. O não-votante, por muito que custe ao regime e os comensais deste teimem em tratá-lo como tal, não se transforma automaticamente num fantasma, num nada ostracizado para um limpo periódico. Fantasmagórica, efabulástica e espectral tem vindo a tornar-se, isso sim, ao longo das cleptodiceias, a paródia eleiçoeira. Com uma única e fatal constante: os espectros vão aparecendo cada vez mais gordos e as afluências cada vez mais magras. Já não falta tudo, se é que ainda falta alguma coisa, para que aqueles atinjam o ponto de balão e estas o nível mínimo de clientela.
Calculo nuns 20% a percentagem nacional de aborígenes que vive directa ou familiarmente da debicação e parasitagem do erário público, nas seus múltiplos úberes, jugulares, intestinos e manjedouras. Pois bem, no dia, cada vez mais próximo, em que a lorpice se evaporar por completo e, por inerência, a abstenção cavalgar o zénite dos 80%, sempre quero ver que novo record da desfaçatez metódica o triunfador da época não estabelecerá.
Outro detalhe deveras sintomático e esclarecedor da mentalidade destes proxenetas da urna que nos assombram reside, invariavelmente, no seu clamor pungente e desesperado por uma "maioria absoluta". Com a "maioria absoluta" é que a coisa vai, é que o milagre é garantido e a banha da cobra infalível. Sem ela é a continuação do caos, prossegue o dilúvio, recalcitra a enxovia, ganha anti-corpos a infecção. Mas que significa realmente este pedido sistemático da "maioria absoluta"? Significa: "Autorizem-nos a ditadura grupuscular a prazo!" "Isto, sem ditadura não vai lá!" "Com democracias, ninguém se entende e é uma balbúrdia inconsequente." Etecétera e tal. Admira-me, num país atestado de tantos explicadores encartomantados, de bola de cristal à cabeceira, admira-me que nunca nos tenham explicado isto. Um fenómeno tão simples. E tão óbvio.
Do Cavaquistão ao Socratistão, passando por Limianiputes e Barrosais, a paisagem (queirozianamente falando) desaguou no país: enxames de besouros ilustres, fervilhando buliçosos em volta de abelhões mestres, na demanda sôfrega de bosta quente onde aconchegar a postura, apoderaram-se do Estado e, sob a maquilhagem democrática, instalaram a ditadura de alterne. Isto é, a ditadura alternada dos enxames. Ora agora ditas tu, ora agora dito eu. Os resultados deste sequestro - repartido e revezante - do país estão bem à vista. Os clamores impúdicos por "maioria absoluta" ecoam cada vez mais abafados pelos brados de "fim-da-pátria" e manguito absoluto.
Não espanta que o antigo ditador, mesmo em efígie póstuma, comece a ganhar eleições. Tivessem autorizado a sua candidatura e, muito provavelmente, teria ganho Lisboa. Não nos iludamos com explicações mentecaptas de nostalgias mórbidas, provincianismos e atavismos servis da indigenância rústica. Não existe maior pacóvio do que aquele que acha que tem que ser moderno sem saber para quê e apenas porque o vizinho é ; e esse está no poder, reina ufano em todas as cortes. Não é tanto a saudade do ditador antigo aquilo que mobiliza as pessoas, mas o asco, cada vez mais entranhado e justificado, aos ditadorzinhos modernos. Aos balões vazios promovidos a astros reis. Se a mentira tem perna curta, a vigarice contumaz nem pernas tem: rasteja sobre o ventre peçonhento e causa, mal se avista, a repugnância e o opróbrio públicos. Desde a antiguidade, a experiência ensinou ao povo uma verdade insofismável: é preferível a ditadura dum homem à ditatura duma choldra; são mais suportáveis os defeitos de um, por muitos que sejam, do que os defeitos de mil, tão incontáveis e infestantes se tornam.
Por outro lado, é sempre mais digno e legítimo o original do que a pacotilha, ainda por cima sonsa, ordinária e mascarada. O carnaval também chateia e abomina, se convertido, mais que em dia banal, em todos os dias do ano. Acresce que a ditadura salazarista, ao contrário da actual, era uma ditadura contra os partidos e parcimoniosa no que concerne à ingerência do Estado. Estas, as da partidarquia laroca, são ditaduras - por enquanto - a prazo, de partido único e de Estado convertido ao partido -partido, esse, que se investe, mal se hospeda, da omnipresença, da omnisciência e da omnipotência do Estado. E nessa medida, para quem saiba o que significa realmente fascismo e não se serve do termo apenas como arma de arremesso e contágio da sua própria imbecilidade generosa e canora, são, estas ditadurazinhas modernofobéticas, bem mais fascistas que a do Estado Novo. Com a peculiaridade óbvia do Estado já não ser Novo mas apenas Noivo, carochinha doméstica à procura de ratão estrangeiro com quem casar, e de estar cada vez mais transformado em albergue espanhol. As vantagens, para as nomenclaturas instaladas e apaniguados da situação, são mais que muitas; as tolerâncias infinitas e as desculpas imarcescíveis. Há lá melhor mundo, regime mais benigno, abençoado e perene do que estas teleditaduras 3G, este fascismozinho cor-de-rosa!...
Para a maioria da população, cada vez mais farta de ser estrangeira no seu próprio país e colónia sucedânea às patas de mafias albardadas de elite, resta, acima do desespero, a esperança - a esperança estribada na certeza que o tempo ministra: toda a podridão incha. Até que rebenta.
Viva Portugal!
20 comentários:
O Dragão botou fogo!Mas não vai chamuscar ninguém porque têm o diabinho dentro deles...
"Não é tanto a saudade do ditador antigo aquilo que mobiliza as pessoas, mas o asco, cada vez mais entranhado e justificado, aos ditadorzinhos modernos"
Excelente, Dragão, ninguém mais escreve isto em parte alguma
E grande bandeira.
Este tem de ser "lincado". Está aqui tudo dito.
Vim conhecer. E gostei, mesmo, deste post.
Boa tarde.
Vou linkar este.
Muito bem escrito e melhor reflectido. A "minha questão" é que nada vai sem actos, actos não tanto de escrever, mas actos de subversão à subversão instalada. E são esses que tardam muito a aparecer ...
Eu acho que toda a gente deveria apreender a política como a vêm os chimpanzés. Aquilo que me mete mais nojo na política é a crendice estúpida que ela existe para servir o bem comum. Todo o chimpanzé é um animal político, sem politica é o último a comer, nem em último chega a foder e só é o primeiro a ser palmado. Faria bem à pessoas verem o mundo da política desse ângulo, o ângulo dos animais sociais. No presente estado a "maioria" é uma manada de vacas que leva à frente o político que as come a todas e atrás os senhores que se lhe seguem. Quando a manada percebe que a andam a papar vai chorar-se a quem a irá papar a seguir e depois, pudera, vai queixa-se que todos a querem papar.
Se deixassem de serem tão lerdinhos e começassem a pensar e aprender um bocadinho o que é a lei da selva que nos rege e sempre nos regeu, talvez percebessem aquilo que os que a papam já perceberam há muito: Se não comes é porque estás a ser comido, a última coisa que vale a pena fazer é chorar.
P.S.: Não, isto não redunda na anarquia, redunda na guerra civil. Eu não disse que era-mos perfeitos ao ponto de conseguirmos gerir uma sociedade de milhões de uma forma justa e praticável. No final só nos restará a dispersão...Mas quem me liga?...
Brilhante.
---» A referência a bodes expiatórios... é uma desonestidade intelectual!
---» É preciso dizer a VERDADE: a filosofia de vida da maioria dos europeus é a filosofia 'LIVE NOW': «...a vida são dois dias... a vida é para curtir... quem vier a seguir que feche a porta...»
ANEXO:
Nota 1: Os Palhaços-Éticos (leia-se a MAIORIA dos europeus) nunca provaram serem capazes de constituir uma sociedade sustentável (ou seja, uma sociedade dotada da capacidade de renovação demográfica) sem ser à custa da repressão dos Direitos das Mulheres (nota: mulheres tratadas como úteros ambulantes)... e hoje em dia... querem andar a curtir abundância de mão-de-obra servil imigrante, e querem andar a curtir a existência de alguém que pague as pensões de reforma... apesar de... nem sequer constituírem uma sociedade aonde se procede à renovação demográfica!!!
Nota 2: De facto, com o fim da repressão dos Direitos das Mulheres... a capacidade de renovação demográfica sumiu-se...
Nota 3: A MAIORIA dos europeus são uns 'dignos' herdeiros das sociedades europeias do passado (sociedades de exploradores de escravos) -> eles (a maioria -> vulgo Palhaços-Éticos) adoram realizar negociatas de lucro fácil à custa de alienígenas (leia-se, não-nativos) : querem curtir... sem pagar os (elevados) custos de renovação demográfica: incentivos monetários à natalidade, despesas com a fertilidade dos casais, despesas com gravidez, despesas em Saúde e Educação até à idade adulta...
Nota 4: Face ao avanço da Inquisição Mestiça, é URGENTE, antes que seja tarde demais, reivindicar o LEGÍTIMO Direito ao Separatismo.
Retrato perfeito e colorido da realidade, onde me revejo infelizmente. Mas como muito bem afirma: " a esperança - a esperança estribada na certeza que o tempo ministra: toda a podridão incha. Até que rebenta."
Bem haja!
"Para a maioria da população, cada vez mais farta de ser estrangeira no seu próprio país e colónia sucedânea às patas de mafias albardadas de elite, resta, acima do desespero, a esperança - a esperança estribada na certeza que o tempo ministra: toda a podridão incha. Até que rebenta."
Pois é. O Ovo da Serpente em
descrição magistral!
Cumprimentos,
Afonso Henriques
O post é brilhante ?
Tenho dúvidas.
Para já, parte de um pressuposto errado. O candidato que venceu a câmara de Lisboa, venceu com a maioria expressa em urna. Com a maioria, é certo, dos 38,4% da população, mas foram estes que se manifestaram em eleição. Se por acaso os restantes tivessem expresso a sua intenção de voto através do recurso ao voto em branco, aí naturalmente daria razão ao autor do post. Assim, não. Os que não votaram, não escolheram, ou seja, de entre todo o espectro político bem representado pelos candidatos, os cidadãos alhearam-se. Estão-se nas tintas. Se as suas convicções não iam de encontro aos princípios derramados pela panóplia de candidatos, ou se achavam que estes eram de uma pobreza ideológica aterradora, deviam expressar isso em urna, através do voto branco.
Diz o comentador Rui:"Se as suas convicções não iam de encontro aos princípios derramados pela panóplia de candidatos, ou se achavam que estes eram de uma pobreza ideológica aterradora, deviam expressar isso em urna, através do voto branco."
Estaria tudo certo, meu caro, se os marmanjos que não votam (onde me incluo) apenas o fizessem, porque num determinado acto eleitoral não acreditassem nas aventesmas que vão a votos. Mas se o que está em causa é o próprio sistema politico, o voto em branco não serve esse interesse. Com o voto em branco eu estou a validar o sistema politico vigente. E, não quero, tenho muita pena, mas não quero...
Está bem, ó Rui, eu até era capaz de lhe dar razão se o voto em branco tivesse representação parlamentar, ou seja, "ocupasse cadeiras" no parlamento, nas autarquias, etc. Mas como não é o caso, votar em branco ou não lá ir é a mesma merda. Eles que sejam honestos (praticamente impossível!) e que façam do voto em branco um eleito, percebe?
Quando os lugares que agora ocupam começassem a ser substituídos por cadeiras vazias...
Legionário
Por isso é que eu defendo o voto contra .Devia de haver uns papelinhos para os seriarmos de forma decrescente.
O voto contra é que era a grande arma de cidadania
O mais ridiculo é o telmo correia perder e vir a portas dizer que: "vai reflectir sobre esta derrota" - querida, a câmara estava na bancarrota, e você vem-me falar de limpar graffitis? não me parece que haja muito para reflectir...
Ao que chega a palhaçada! Por mim, adoro boletins de voto: nem que sejam os representantes mais reles dos partidos, os que lá ficam a contar, desde as 6h da manhã até às 20h da noite - serviço cívico pago com 75 euros, hã! e pagar 75 euros para as pessoas irem votar? (e voltarem a ter 65% de votos em branco) - enfim, jamais, mas jamais, perderia a oportunidade de aproveitar uma velha tradição que os obriga a ler os votos nulos em voz alta...
naquele dia confesso que acordei com vontade de ir para a praia, mas quando olhei para o céu e o vi enevoado, disse logo: mal por mal, ao menos nao vão ter desculpa para a abstenção...
Excelente post.
Cumprimentos
Boa bosta, digo, boa posta. A abstenção também é legítima.
Passa bem que o Salazar também eu leio todos os dias (e o melhor, o 1.º volume)
"Com o voto em branco eu estou a validar o sistema politico vigente. E, não quero, tenho muita pena, mas não quero..."
Eu tambem e mais bolos... com o voto em branco tenho que tirar o rabinho da areia e tenho muito pena mas nao quero...
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