quinta-feira, julho 19, 2007

O Terra-mottu ou Por motu impróprio


Debatia-se uma iniciativa ousada do senhor prior. Os mais progressistas, impregnados no espírito da época, apoiavam e auguravam aplauso e casa cheia; os mais tradicionalistas, avessos aos modernismos, invectivavam e condenavam, unanimemente, ao escândalo e à vaia generalizada.
Uma das mais indignadas, uma austera e alquebrada anciã a quem o cangalheiro media já com volúpia, parecia mesmo ter encontrado na indignação o elixir da juventude, pelo que protestava com vigor desatado, enquanto ia gesticulando abrenúncios e vade retros, numa ginástica tão meritória quanto espalhafatosa.
“Mas por muito depauperados que estejam os cofres da igreja e carcomidas as traves da capela - ralhava ela -, onde é que já se viu um padre a fazer strip-tease para angariar fundos?!! Valha-nos Deus e a Virgem Santíssima! Antes uma igreja às moscas que aos demónios!...“
“Realmente!... – barafustava, uma outra, bastante mais jovem mas a querer exaltar-se, pelo menos, tanto. – E em vez do santo latim, propõe-se rezar missa em hip-hop!... Que os santos todos nos acudam! Por este andar, em vez de tomarmos a hóstia, fumamo-la!...”
-“Sim... –corroborava uma terceira, prima da anterior, no escândalo e no protesto. – E ainda falam para aí, o que já não me admira nada, que um dia destes, levado do diabo que o pilota e teledirige, ainda converte a igreja, de templo sagrado, em templo de alterne, quer dizer, alternativo: tabernáculo durante o dia e taberna-discoteca durante a noite. Em vez dum pastor, o rebanho de Deus ainda acaba aos caprichos dum disc-jockey! ...”
Quis mais a premeditação rapace do que o simples acaso que o Engenheiro Ildefonso Caguinchas rondasse por ali, como tem por hábito patrulhar, àquela hora, em busca de presa fácil. “O que genuflecte promete; e quem promete paga”, é o seu lema (um deles, pelo menos). Ao ouvir falar em strip-teases e outros pecados hirsutos, que aquilo para escutar porcarias tem um verdadeiro radar de tísico, quase sprintou ao comício, cheio de interesse, gula e segundas –além de terceiras - intenções. Ao aperceber-se, todavia, que era o padre quem se propunha aliviar-se do vestuário em público, experimentou, também ele, adepto doutros espectáculos, uma grande desilusão, agravado de superlativo aborrecimento e tratou, sem mais serpentilóquios nem procrastinações, de aliar-se aos protestatários. Em três tempos, já causava assombro em redor, gorjeando pérolas do seguinte jaez:
-“Ah, mas não se admite! Um padre tem que dar-se ao respeito, ora essa. Uma freira, sim senhor, uma freira é que era! Um convento inteiro que fosse, estava bem. Era por uma boa causa, os tempos estão difíceis. Uma noviça era até o mais sensato. Agora um cura masculino, um homem de Deus destes, assim a armar-se em cónego!...”
-“A armar-se aos cágados, isso sim! Ele, o homem do diabo, raios o partam, está é a armar-se aos cágados !” - Terá ribombado um crente iracundo a seu lado.
-“Ah, mas nem toma banho e teima em despir-se?! É o cúmulo!! Onde é que este mundo vai parar!...” – Aprimorou, para quem o quisesse ouvir, o Engenheiro Ildefonso.
Não contente com isso, desatou a premir mensagens no telecoiso, onde me convocava com a maior das urgências e promessas de pancadaria garantida. Sobretudo estas, conduziram-me ao local, a mim e mais toda a clientela da tasca do Armindo, digo cibertasca, que ninguém está disposto a perder pitada em se tratando de congressos, conferências, revoluções, ou simples badernas onde Sua Excelência, o Engenheiro Ildefonso Caguinchas se meta.
Quando arribei ao local, a coisa, realmente, ia sobre rodas e prometia carris. Muito por via do Engenheiro, mas também da vetusta inaugural - cada qual emitindo seu assombro maior, naquilo que me pareceu uma disputa renhida pela liderança da cruzada -, a cristandade reunida personificava o vulcão à beira dum ataque de nervos. Aquilo se não explodisse, rebentava.
De serviço ao rastilho, a velhota, arvorada porta-voz dum qualquer profeta alucinado, acabava de promulgar “por este andar, se um dia destes dermos com uma máquina de vender preservativos à porta do confessionário, não nos admiremos!” – ao que o Engenheiro Ildefonso competia com um armagedão ainda mais desfolhante, do estilo “Confessionário? O mais certo é o gajo transformar aquilo em cabine para show privado, reservado aos mais abonados, os empreitrolhas, as finaças, os doutores !... Enfim, quem pagar para vê-lo a despir-se em reservado !...”
Mas eis que o Engenheiro nota a minha presença -apresento-me em avatar humanotário, com cartão de contribuinte e tudo, para não assustar a assembleia -, pelo que rompe – rompe, rasga e descose - em grandes brados rejubilantes:
-“Ah, cá está ele, o César! Este é que a sabe toda e vai-vos explicar a morosca sem mais pintelhices! Chega aqui, ó César! Anda cá ver isto!...”
Lá me aprocheguei - um tanto curioso, devo confessá-lo, com todo aquele comício em local tão inusitado e impróprio. Nisto, a idosa rival do Engenheiro, zelosa do seu protagonismo, brama:
-“A Deus o que é de Deus, a César o que é de César!” (Como quem diz, esse macaco primo deste chimpanzé não é para aqui chamado).
Mas o Engenheiro, que estava com a corda toda e a inteligúcia ao rubro, não se ficou. E contrapôs, mais maionésico que maiêutico:
-“Ouça cá, avózinha: esse padre striper é de Deus?...”
-“Não, de Deus é que ele não é! – Disparou automática e visceralmente, a relíquia. - Um homem de Deus não arma escândalos destes!
Presisamente, o que o Engenheiro Ildefonso queria..
- “Então, se não é do Deus , é do César! Vamos perguntar-lhe e ele que decida. Anda depressa, ó César!...”
Claramente apalpada, a múmia recauchutada ainda ensaiou um estrebucho:
-“Quando perguntamos a César, sai-nos o Pilatos e desata a lavar as mãos! Da última vez, aliás, não correu nada bem e maltrataram muito Nosso Senhor.”
No que o Engenheiro, soberanamente, tratou de comê-la com batatinhas. Grungrunzando, crocodilou:
-“Ora, se ele não tivesse lavado as mãos, se calhar não estava aqui hoje esta igreja... E o César, este César, o meu amigo César, não é de lavar as mãos, nem o pés - é mais de afiambrar com toda essa membração adulta nas fuças dos impertinentes e malignos. Aquilo é cada patada que só visto! Não é Cristo, mas também faz milagres!... Querem ver?...
Nesta altura, eu já estava junto de Sua Excelência, eu e o zénite da minha curiosidade. O Engenheiro entendeu por bem iniciar-me ao briefing, bem como ao catering, o que, acautelando as aurículas, mentalmente lhe agradeci.
-“É um da qualidade do teu amigo Borga, o padre canoro, ó Dragão!...”
Este intróito animou-me. Deveras. Chispei das vistas e rangi os dentes, visivelmente pronto a desembestar direito aos fagotes do primeiro presbítero que me apontassem. Nada como a lembrança do tal Borga para me ferver os azeites. Ele, o Ildefonso, prosseguiu:
-“Só que este, em vez da cantoria e do coça-barriga, quer-se despir durante a missa, ah.ah.ah!.... Um padre striper, imagina! Um artista, mais um!...”
Eu, porém, escaldado de múltiplas odisseias, requeri confirmação, detalhes mais objectivos. O Engenheiro é muito dado à ficção. Pela-se por armar sarrafusca. Não era, todavia, o caso. Toda aquela assembleia, em uníssono, corroborava. Era inadmissível. Se eu fizesse a caridade de lhe chegar a roupa ao pelo, ao clérigo de mau porte, era até um grande favor que lhes fazia e teria a bênção de Deus e de todos os santos. Desataram mesmo a fitar-me cheios de admiração e esperança, uns; enquanto outros, mais exaltados, conclamavam e complodiam:
-“Já viu um padre a despir-se em público, a pôr-se em cuecas, senão mesmo em pelota, com as vergonhas ao léu?!!...É o fim do mundo! Deus vai mandar fomes e pestes!...
O pior é esta minha mania da realidade, sempre pronta a estragar idílios. Levado dela (e antes o fosse de seiscentos diabos), e também duma indisfarçável frustração, lá me vi constrangido a deitar água na fervura:
-“Ora bolas, e tanto alarme por via duma coisa tão simples. Acho que interpretaram mal. Quando o prior diz que se vai despir, isso não significa que fique em cuecas ou pelota... Significa apenas que tenciona desembaraçar-se da sotaina e paramentos. Ora, por baixo disso, ele traz o avental. E esse ele nunca despe. Em resumo, quando o padre diz que vai fazer strip-tease, não significa que vai tirar a roupa: vai apenas tirar a máscara. Não se aflijam."



Foi o anti-clímax. Dispersaram todos, cabisbaixos.
-“Empata-festas!” – Rosnou-me o Engenheiro Ildefonso Caguinchas. Esteve três dias sem me falar.
...//...


Nota: Este postal é dedicado à modernidade briosa do clero português.

6 comentários:

Anónimo disse...

Uma adivinha:
Porque é que eles usam o avental?

...

Para não se sujarem com a merda que fazem.

zazie disse...

ahaha
Foi muito boa, esses progressistas é mesmo assim

Bruno Santos disse...

O clero português considera que a celebração da eucaristia em Latim "seria um retrocesso pastoral inaceitável". Um padreca de Amares diz que "seria caricato voltarmos a ver as mulheres nas igrejas a rezar o terço durante a missa, como antigamente acontecia. Como não percebiam nada do que se dizia, aproveitavam para rezar terços".
Estou aqui a pensar de mim para mim, ó Dragão, se não seria de obrigar — em nome do progresso — a que, para lá das missas, todas as celebrações e concertos fossem ditas em Português. É completamente indecoroso que no nosso país os Rolling Stones, a Shakira e até a Nelly Furtado cantem em Inglês, latim moderno e oxfordizado, perante a mudez pacóvia dos espectadores. Alguns destes, como não entendem patavina, não rezam terços mas andam aos saltos o tempo todo; outros, fodidos de não entenderam as letras, emborcam 'speeds' para acelerar o raciocínio; e há ainda os que, também por não perceberam nada, acendem os isqueiros. «Fiat lux», expressam eles, no seu gesto primitivo: «o que estará para ali a cantar aquele filho da puta?»

Anónimo disse...

Os maçons e os mafiosos do sistema "democrático" andam tão "à rasca" que até já falam em criar novos partidos para continuar a "enganar o pagode":

Jochula Mafião Judas de Sousa Mentes (zé miguel júdice, para os gentios) ao Púbico:

"Não se trata de absorver no PSD tudo o que mexe. Não, do que se trata é realmente de criar um novo partido"

Não vá algum partido inconviniente e faxxista fazer desaparecer o portas em 2009!

Bernardo Kolbl disse...

Bom fim de semana e um abraço.

Anónimo disse...

Espreitando o avental de um caçador de nazis?
http://www.codoh.info/viewpoints/
vptoksimon3.html
Carlos