terça-feira, junho 30, 2015

Confederação Europeia



Temos que arranjar uma bandeira destas para o Sul da Europa. Já que, pelos vistos, tudo isto não passa dum regurgitação serôdia e manhosa do outro lado do Atlântico...

segunda-feira, junho 29, 2015

Condições concretas e objectivas



«a condição de escravatura antiga resultava, regra geral, dum contrato: o vencido trocava a vida pela liberdade. O vencedor poupava-o a troco dos seus serviços. O escravo sobrevivia por via da sua utilidade, pela graça de se poder tornar útil ao seu novo senhor. » (in postal anterior)


Todavia, por alturas da decadência grega, a escravatura principal não decorria, digamos assim, de agenciamento externo, mas interno: a maior parte dos escravos resultava de cidadãos insolventes que, por via de dívida, se viam degradados à condição de escravo. Ora, quando uma sociedade se entrega à autofagia, o fim não está longe.

Em todo o caso, a hierarquia entre os gregos clássicos, numa família, era a seguinte: O senhor e a senhora, os filhos, os escravos e os animais domésticos. 

Actualmente, entre nós, a hierarquia é a seguinte, nas famílias novo-ricas: a família, os animais de estimação e os "colaboradores" (a mulher a dias, o motorista, etc).

Chegou-se a este singular estado após quarenta anos de democracia e "social-democracia", preludiada por um marxismo redentor em via verde para o paraíso instantâneo. E isto sucede sob a veneranda guarda duma constituição socialista (ou socializante) e um estado de direito mais retorcido que os cornos dum carneiro montês.

Pois bem, neste tempo em que cada vez menos têm cada vez mais e cada vez mais têm cada vez menos, temos que perguntar aos nossos marxistas, socialistas, sociais-democratas e democratas-cristões (ou cristoinos, para sermos mais rigorosos), que merda colossal é que a andaram a fazer e que receita rançosa é que andaram a cozinhar este tempo todo. Aos marxistas e socialistas do descalabro inicial, então, o caso é ainda mais sério: apenas serviram de passadeira e ascensor às actuais bestas (não apenas à escala nacional, como planetária). Assim, limparem as patinhas à parede não basta: para serem sérios e justos era enfiarem mesmo a cabecinha no fogão. Quanto aos actuais internacionaleiros de plantão, dado que nem cabecinha têm (por completo desuso e ausência de coluna onde a plantar), recomendar-lhes-ia foguetes no cu, para efeitos de comemoração da façanha... Isto, bem entendido, caso arranjem um interstício no bacamarte estrangeiro com que, quotidiana e compulsivamente, o ocupam. E adestram.

domingo, junho 28, 2015

Da Babelurgia ao Negócio (poupa-me a repetição por outras palavras)




I

«À concepção do trabalho-penitência substitui-se a ideia do trabalho como meio positivo de salvação. Como não sentir, por detrás, deste impulso de um novo mundo monástico, a pressão das novas categorias profissionais - mercadores, artesãos, trabalhadores desejosos de encontrarem, no plano religioso, a justificação da sua actividade, da sua vocação, a afirmação da sua dignidade e a garantia da sua salvação, não apesar da sua profissão, mas precisamente através dessa mesma profissão? A projecção destas aspirações no universo hagiográfico é, ainda aqui, esclarecedora. Em princípios do século XIII, o tempo dos santos-trabalhadores está já em vias de ceder o lugar ao tempo dos trabalhadores-santos.
Há mais. Esta nova espiritualidade do trabalho, como é normal, tende a enraizar-se numa teologia do trabalho. Deveremos procurar o esboço desta teologia nos comentários do Génesis, comentários que se esforçam por demonstrar que o trabalho tem as suas raízes positivas em Deus, porque: 1.º a obra do Criador (e haveria que seguir o desenvolvimento do tema do summus artifex ou summus opifex) foi um verdadeiro trabalho - trabalho superior, sublimado, criação, mas com todas as suas penosas consequências: um labor de que Deus teve de descansar ao sétimo dia. Deus foi o primeiro trabalhador. 2.º O trabalho, um certo trabalho (a definir no sentido de uma manutenção) havia sido dado ao homem, a Adão, como vocação antes da queda, pois Deus havia-o posto no Paraíso para que o trabalhasse e o conservasse (Gen. 2, 15-16). Antes do trabalho-penitência, consequência do pecado e da queda, houve um trabalho feliz, bendito por Deus, e o trabalho terrestre conservou algo do trabalho paradisíaco anterior à queda.
Não é de admirar que, nesta conjuntura, o esquema tripartido da sociedade deixe de estar adaptado às realidades sociais e mentais. [...]
Há, sem dúvida - e é até capital para que as novas categorias socio-profissionais recebam direito à vocação -, permanência e mesmo reforço da concepção unitária da sociedade cristã. Porém, o corpus cristão estrutura-se - e esta estruturação faz-se a partir da função, da profissão, do mester. corpus já não se compõe de ordens, como na sociedade sacra da Alta Idade Média, mas sim de estados, entre os quais pode haver, e há, efectivamente, uma hierarquia mas uma hierarquia horizontal, não vertical.»

- Jacques Le Goff, "Para um novo conceito de Idade Média"


Atente-se como a transformação do trabalho - de ocupação indigna, típica de escravos ou penitentes, na Antiguidade e Alta Idade Média - em via de salvação, no século XII, antecipa toda uma série de romarias hagiofóricas decorrentes, desde os protestantismos aos marxismos, passando pelos positivismos, liberalismos, cientismos e tecnolatrias afins.
Nesta fase inicial, o trabalho tornar-se-á possibilidade de salvação; mas posteriormente, sobretudo no pós-revolução francesa, devirá condição de liberdade. Nisso, aliás, e tão curiosa como significativamente, capitalistas, comunistas e nazis concordarão: "O trabalho liberta".
Entretanto, à boleia do trabalho, avança o dinheiro. Como Le Goff, na mesma obra, expõe eloquentemente:
«Antes do século XIII, no Ocidente Bárbaro, todas as actividades remuneradas eram atingidas pelo opróbio que se aplicava às categorias ditas mercenárias. Era indigno tudo o que se pagava, tudo o que se comprava. A honra ou o dever definiam-se por serviços, de cima para baixo e reciprocamente. O dinheiro, economicamente marginal, era-o também do ponto de vista moral. A sociedade cristã da Alta Idade Média reforçava-se nesta crença ao ver o sector monetário "infestado" de judeus. A comercialização e o salariato continuamente em progressão transformam os valores.
Duas categorias, dois mesteres conduzem esta transformação.
Primeiramente, os professores. Antes do século XII, a ciência e a cultura eram apanágio de clérigos que a adquirem e a dispensam parcimoniosamente, sem gasto de dinheiro. Escolas monásticas ou episcopais formam disciplinas para o opus Dei, que não se mercadeja.
Com as escolas urbanas do século XII, arrastadas pelo desenvolvimento das cidades, animadas por mestres que devem, tal como os alunos, encontrar maneira de viver com o que têm, as condições materiais, sociais e espirituais do saber são profundamente transformadas. Este é o sentido do debate que a partir de meados do século XII se instaura em volta de uma fórmula: a ciência é um dom de Deus e não pode por isso ser vendida. Pouco importa aqui saber que possibilidades de remuneração se oferecem aos novos mestres e que soluções se encontrarão: salário público, remuneração dos clientes, isto é, dos estudantes, benefícios eclesiásticos. O essencial está em que à pergunta Os mestres podem licitamente receber dinheiro dos estudantes?, os manuais de confessores, eco da prática e da opinião, respondem pela afirmativa.
Paralelamente, levanta-se a questão dos mercadores, no domínio do crédito, onde a expansão da economia monetária afasta, para segundo plano, os judeus, confinados a operações de empréstimos de importância restrita. Há, a partir de então, o problema da usura cristã. O juro, sem o qual a economia monetária pré-capitalista não poderia desenvolver-se, supõe, em termos escolásticos, uma operação maldita até então: a venda do tempo. Exactamente simétrico da comercialização da ciência, põe-se o problema da comercialização do tempo, aos quais se opõe uma mesma tradição, uma mesma fórmula: O tempo é um dom de Deus e não pode por isso ser vendido. E, ainda neste caso, acompanhada sem dúvida de precauções, duma casuística restritiva, dá-se uma resposta favorável, que encontramos nos manuais de confessores.»

O intelectual eclode, assim, como comerciante da ciência, mercador de ideias, profissional glossúrgico. E até aos dias de hoje poderemos acusá-lo de tudo excepto de infidelidade à sua matriz.
Em pormenor, de como se constitui, não só em inversão, mas sobremaneira em aversão ao filósofo antigo, tentaremos dilucidar no próximo postal.

II

Aristóteles teve, entre muitos outros, dois méritos relevantes: compilar a tradição que o precedeu e fundar o melhor da tradição que lhe sucedeu.
Ora, de Aristóteles, como posteriormente de Cristo, vinha uma ideia negativa de negócio e de dinheiro que atravessou toda a Alta Idade Média e chegou ao século XII. O evangelho será claro no seu "não podes servir a Deus e ao dinheiro" e o filósofo grego, na sua Ética a Nicómaco, antecipava:
«Quanto ao homem de negócios, é um ser fora da natureza, e está bem claro que a riqueza não é o bem supremo que procuramos."

O bem supremo, aproveito para adiantar, era a sabedoria; que, por incrível que pareça, coincidia com a liberdade. Hoje, graças a mil pregadores sebentos e milagres outros tantos, sabemos perfeitamente que não é assim - decoramos e salmodiamos a todas as horas que o dinheiro é que liberta, que a riqueza é que santifica, que a nababice é que salva-, mas naquelas épocas ignaras e obscuras ainda não era assim. Homem sábio equivalia a homem livre - já que, sendo a única ciência autenticamente livre, só a sabedoria consagrava e dignificava o homem inteiro. Não é por acaso que Alexandre, o Magno, discípulo de Aristóteles, prestará homenagem a Diógenes, o Cão. Apoveito para relembrar o célebre diálogo entre ambos, como penso que dever ser relembrado:
Alexandre - Pede-me o que quiseres, que mandarei dar-to!...
Diógenes - Peço-te que não me tires aquilo que não me podes dar! (a luz do sol)
Alexandre - Não sou eu que te faço sombra.
É caso para dizer que, mais que um diálogo entre dois homens livres, estamos perante uma conversa entre dois sábios. Um que pode entregar-se ao saber por já ter quase tudo o que um homem pode ter, designadamente a servidão de quase todos os outros, e outro por não precisar de quase nada e não servir a ninguém. Momento sublime, este, que perdura pelos séculos e faz as delícias de todos aqueles, felizmente poucos, que, como dizia o nosso Agostinho da Silva, amam, mais que o ortodoxo ou o heredoxo, o paradoxo. Sensivelmente o mesmo que o velho Heraclito cognominava de Logos e atribuía à tensão entre os opostos. Tensão, que é como quem diz: música. O que, assim de repente, nos transporta a uma evidência que lego desde já aos vindouros: toda a lógica que não seja música é mero ruído.
Maravilhemo-nos apenas mais um pouco com as Magnas palavras de Alexandre: "Não sou eu que te faço sombra..." Isto é, eu que estou, aparente e efemeramente, de pé, diante de ti, aparente e efemeramente prostrado, afinal estou mais baixo que tu. Na verdade, és tu que me olhas de cima, do alto. Alexandre, recorde-se, que todos os Césares, Napoleões e Hitleres, lá bem no fundo, invejaram e cujo império tentaram emular. Embora não tenham carecido de exércitos nem de armas para o efeito, faltou-lhes sempre o essencial: a sabedoria de Alexandre. A sabedoria e, condição dela, a liberdade.

O que explicarei com detalhe já de seguida, retomando o fio à meada. Como vinha expondo, para Aristóteles, só o homem não tolhido ou coarctado por qualquer necessidade ou utilidade podia dedicar-se à sabedoria. Esta proporcionava-se, pois, enquanto sublimação do ócio. Só o ócio permitia a sabedoria, que é o mesmo que dizer só o ócio prefigurava a liberdade.
Uma passagem memorável da "Metafísica" proclama-o com todos os is: «Mas aquele que se confronta com um problema ou se admirareconhece a sua ignorância. De modo que se filosofaram para fugir à ignorância, é claro que buscavam o saber tendo em vista o conhecimento e não por uma qualquer outra utilidade. O que se comprova pelo facto de terem começado a demanda da sabedoria quando já dispunham de todas essas coisas necessárias e relativas ao repouso e ao ornamento da vida. É pois evidente que não a procuramos, à sabedoria, por nenhuma outra utilidade, mas apenas porque assim como chamamos homem livre ao que é para si mesmo e não para outro, assim consideramos esta como a única ciência livre, pois sòmente ela é para si mesma.»

Note-se, assim, que a sabedoria, em Aristóteles, não é uma condição da liberdade: é uma consequência. O Homem não se liberta através da sabedoria: procura a sabedoria porque é livre. Esta não é promessa, mas exercício de liberdade. Melhor ainda: expressão. A sabedoria é o horizonte mais nobre de expressão da liberdade humana. Estamos, pois, nos antípodas do nosso tempo. Hoje - e desde, pelo menos, o intelectualismo medieval (herdeiro transecular da sofística, nunca esquecendo)-, a liberdade conquista-se através da ciência (ciência política, ciência económica, ciência jurídica, ciência biológica, médica, física, etc). A ciência aufere dessa grandiosa utilidade de nos vir libertar, emancipar ou salvar um dia destes. À medida que vamos ficando cada vez mais enleados, mais vácuos e desorientados, compensamos através da crença desarvorada de que estamos cada vez mais livres, ou mais próximos duma qualquer redenção material - leia-se: mecânica. Por isso mesmo, a ciência moderna evolui enquanto quintessência da utilidade. Coisa mais necessária e imprescindível não existe. É a prótese de toda uma espécie zoológica. Nas suas trepidantes plurifanias, congrega uma vastíssima pletora de interesses humanos (que, a cada dia que passa, se confunde mais com os "interesses universais", segundo os ditames da "comunidade científica"). Em contrapartida, na antiguidade aristotélica, a ciência livre corresponde à "ciência desinteressada", não sujeita às cadeias da necessidade nem aos arreios da utilidade. Donde, não objecto de investimento, mas de investigação; não motivo de ocupação, mas de amor. Nada nos empurra ou arrasta materialmente para a sabedoria. Mais que dis-tracção (das cadeias e redes intra mundanas), é pura a-tracção - pelo extraordinário, pelo admirável, pelo supra-humano.

Valerá talvez a pena abrir um parêntesis para perscrutar bem as palavras. Investigação e investimento, para já.

Do latim in-vestioinvestimento fala-nos de uma guarnição, duma cobertura, dum ornamento. Hoje em dia, a ciência enquanto in-vestio está banalizada: as pessoas investem num curso, numa licenciatura, num mestrado, num doutoramento, e por aí fora. Estamos perante uma espécie de sábios às camadas, às tiras, às fatias. Diante dum produto de confeitaria que vai recebendo sucessivas coberturas mais ou menos achocolatadas de conhecimento e respectivo carimbo veterinário. Cada pastelaridade emérita destas sente-se realizada na medida em que desfile, se exiba e seja admirada por um maior número de basbaques e parolos facilmente impressionáveis. Mais emblemático ainda: estes sabões ambulantes altamente frenéticos, sequiosos de pedestal e megafone, não partem de qualquer tipo de admiração ou espanto; pelo contrário, outro fito não parecem reunir na vida (e sob o revestimento córneo do bestunto) senão causá-los por onde quer que bolcem ou eructem a mais recente ingurgitação curricular de matérias. O preço que cobrem ao minuto revela do nívelde excelência que alcançaram no enxame. Também não é a sabedoria que os atrai; eles é que se derriçam,esmifram e resumem no fátuo mester de atrair arraial onde quer que se desbordem. Em suma, não os atrai a sabedoria, porque são eles agora a atracção, sendo que este "agora"  leva séculos. Da mesma forma, não é uma carência o que os anima ao movimento, à peregrinação, mas a cornucópia, o bazar transbordante, ocaravançarai aos molhos. Também não buscam a sabedoria porque, ao contrário de carentes, estão atestados,tumefactos e prenhes dela. Ad ovo. Pilharam-na aos deuses e vendem-na doravante a retalho.
Evidentemente, esta descrição dos intelectuais hodiernos é plenamente intermutável com os intelectuais medievais. O seu principal fito também era, à partida, enquanto mercadores/professores atrair alunos/clientes. Ou seja, congregar receita, angariar rendimento, trampolinar com vista aos sobrecargos do Poder e da Burocracia, sempre a pingarelhar e albardar à elite. Como se vê, e não me cansarei nunca de demonstrar, trata-se duma espécie de gastrópode imune à evolução, absolutamente cristalizada no seu circoatávico e fossilizada na sua baba.

Reconheça-se, além disso, que o in-vestio tem também muito de in-struo - dito em português: o investimento processa-se sobretudo através duma instrução. Se relembrarmos os múltiplos significados da verbo "struo" no latim (empilhar, construir, amontoar, encher, erigir, maquinar, etc), facilmente avaliaremos a que ponto o ornamento resulta dum amontoamento, dum empilhamento, duma construção. O intelectual é uma máquina de debitar conceitos, tanto quanto uma trama de superficialidades e papagueações mascaradas de erudição.

Ora, em termos aristotélicos (e dragonianos também), isto vale zero. Se um tipo vai para a sabedoria para se ornar e para se exibir é porque não é livre. Não é a verdade que procura, mas o espectáculo funambulesco, avanitas bebuína. É porque em vez de o animar a paixão desinteressada pela sageza, ocupa-o, tripula-o e telecomanda-o a vã gloríola do momento e do instante a ferver, a venalidade do agenciamento patrimonial. Não anda a tratar duma genuína vocação de homem livre, mas a mercadejar, à híbrida maneira das rameiras e dos chulecos, uma cloaca mental tripla (através da qual se alimenta, se despeja e se reproduz), e que ora aluga ao dia, hora ou minuto, ora leiloa em desfiles e bacanais privados ou palimpresépios de serralho (quando adquirem aquela pose inefável de vaquinhas e burrinhos bafejando a sebenta em palhas deitada, para deslumbramento entediado dos rebanhos de candidatos a ruminantes da mesma.)

Faltará dizer muito, quase tudo como de costume, mas contento-me com mais um pormenor significativo: na Antiguidade, o homem livre tem por contraponto o escravo. A liberdade, condição da sabedoria, tem como oposto a servidão, o ser mero instrumento alheio. Recordo que a condição de escravatura antiga resultava, regra geral, dum contrato: o vencido trocava a vida pela liberdade. O vencedor poupava-o a troco dos seus serviços. O escravo sobrevivia por via da sua utilidade, pela graça de se poder tornar útil ao seu novo senhor. Leónidas e os Trezentos, nas Termópilas, relembre-se, tiveram o cuidado de recusar essa escaptória, o que reflectia em larga medida o ethos aristocrático pré-sofístico: antes morrer livre que viver escravo. Aristóteles, sobre isto, na "Política", é esclarecedor:
«As ferramentas são, umas, animadas, e outras, inanimadas.(...)Também o escravo é uma propriedade animada.(...) Aquele que sendo homem não pertence por natureza a si mesmo, mas que é homem (ferramenta/instrumento) de outro, esse é, por natureza, escravo.»

Assim, o sábio não é aquele que se serve da sabedoria, ou seja, que não a deprecia e avilta à condição de sua torpe ferramenta ou instrumento. E não o faz por uma razão tão simples quanto evidente: porque a estima, porque reconhece a sua grandeza, altura e, sobremaneira, a sua carência. Se, genuinamente, a ama, não a explora. Apaixonado por ela, a última e mais ignóbil coisa que lhe deverá ocorrer é tornar-se seu alcaiote.
Ora, a distância que medeia entre o sábio antigo e o intelectual moderno é exactamente esta: o abismo que divide o homem livre do escravo; o vasto oceano que separa o amante do proxeneta. Glosando Swift, este "intelectual para todo o serviço" equivale ao moço de estrebaria que ajuda os Yahoos a montarem nos Houyhnhnms.
Estremeçamos, pois: a universão dos saberes gerou a perversão da sabedoria.

sábado, junho 27, 2015

Aviários das elites

Será possível então uma espécie de aviário de elites (uma socio-pecuária onde operássemos uma máquina infalível e ultrapasteurizada de produzir homens de excelência em série)?
Pois, chegou a altura de ir começando a responder a uma quantidade de questões cabeludas com que não apenas tenho sido alvejado ultimamente, como a própria lógica dos postais suscita.
E esta questão em concreto, embora duma complexidade hirsuta, tem uma resposta óbvia e incontornável: não.
Essa maquinaria tem sido tentada e proclamada, ao longo dos tempos, sob variados filtros programadores: sangue/raça, alambique social, riqueza, educação (ultimamente até aberrações servem - as elites gays), etc.
Recorro ao mais eloquente dos exemplos: as próprias dinastias. Dispõem de linhagem, riqueza, educação, supra-classe e, no entanto, assim como tivemos príncipes perfeitos, também tivemos tontos e até cretinos (como aquele Pedro brasileiro)...
Ora, se com o edifício completo nada está garantido, imaginem agora só com fracções e vãos de escada!... Querem saber uma verdade? Esses aviários fulgurantes apenas camuflam salas de aborto clandestino.


quinta-feira, junho 25, 2015

A Democracia explicada aos otários

1. O voto é secreto.
2. O resultado efectivo também.

Em suma: uma manifestação anónima autoriza uma governação oculta..

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PS: Recordando o Shelltox Concise do Dragão...
Democracia s.f., tirania da multidão, ou oclocracia; regime onde o absurdo impera, já que o putativo soberano delega os plenos poderes em terceiros que sobre ele exercem todas as arbitrariedades, traições, fraudes e saques possíveis e imaginários; estado geral de fermentação e efervescência duma muliplicidade de egos até à eclosão dum único ego predominante e incontestado; género teatral. 
Podemos assim actualizar com novo requinte semântico:
- O Governo de anónimos por desconhecidos.

terça-feira, junho 23, 2015

Entretanto

Do que os livros me ensinaram e a vida me confirmou, há duas verdades aristotélicas que nunca vi desmentidas. 1. Que mesmo as estirpes da natureza não resistem à degeneração:  a aristocracia não é hereditária (a génios, duas ou três gerações depois, sucedem imbecis e monstros)  2. Que os seres humanos não nascem todos iguais - todos nascem com intelecto passivo, mas nem todos nascem com intelecto activo. Ora, o intelecto activo não se adquire nem por instrução, nem por compra ou imitação: ou se recebe da natureza (e de Quem lá reina) , ou não se tem. Em não se tendo, não significa que as pessoas não são racionais, fiquem tranquilos. Podem até sê-lo, e geralmente escorrem mesmo razão (e sobretudo razinha) por todos os poros. Não, significa apenas que não têm acesso à faculdade da inteligência. Ficam assim incapazes de intuir princípios e causas e de, por conseguinte, compreender ou elaborar explicações genuínas. Geralmente, movem-se apenas no território dos meios, promovendo certos meios a princípios e outros a fins. A crença no dinheiro como princípio e fim de todas as coisas nasce dessa incapacidade mental - dessa ininteligência congénita, cultural e vitalícia dos crentes. 
Isto, para grande desconsolo dos tempos actuais, não é nada democrático. Mas a natureza também não o é. E o que seria assombroso era que algo não democrático produzisse fenómenos democráticos.
Por isso, aliás, é que esta malta entende que deve corrigir a natureza com decretos e leis de vária e nova espécie. Sobretudo a partir da idade moderna, tem sido um fartote. A esse processo milenar de antropofactura, chamou Aristóteles o mundo da techne (em contraposição à fusis), ou seja, o mundo artificial por contraponto ao mundo natural. Aquilo a que chamamos  civilização (nas suas várias camadas, modelos ou ciclos históricos) manifesta a sofisticação e elaboração crescente dessa artificialidade. Mas mesmo no seu estágio último, que vivemos, a democracia real não existe: acontece apenas enquanto aparência sedutora e anestesiante. Por detrás, e com poder efectivo, vigora a plutocracia mais desapiedada e desalmada de que há memória. Quer dizer, é irrelevante o que quer que se apregoe no domínio político, uma vez que este se encontra completamente subjugado pelo domínio económico. A ideia de que a economia sempre presidiu à história (e predeterminou a política) é uma superstição que une os marxistas de ontem aos ultracapitalistas de hoje. Qualquer aberração procura legitimizar-se com a perpetuidade. Ora, num tempo em que passado e futuro são banidos em nome dum perpétuo presente, fácil se torna a quem neste tiraniza proclamar-se como eterno. No "Novo testamento" há aquela curiosa passagem onde se diz que "não pode o homem servir a dois senhores" - ou serve ao Eterno ou serve ao vil mundano. Pois bem, parece que ultimamente ficou resolvido este dilema antigo: o vil tornou-se eterno. A pseudo-eternidade usurpou o lugar da verdadeira. E agora a questão já nem na inversa se coloca: não é "não podes servir ao Dinheiro e a deus"; é "Ou serves ao Dinheiro ou não serves e vais para o lixo". O que terá o seu quê de paradoxo, porque bem medido dá qualquer coisa como "Ou serves ao Lixo ou vais para o lixo".
Mas, questão incandescente: como foi possível esta ascenção do lixo ao trono do espírito humano?
Os animistas primitivos, lá pelas áfricas, eram capazes de idolatrar coisas inanimadas, como pedrinhas ou conchas. A pretexto dessas coisas influírem na vida e no destino das pessoas. Não obstante, o fenómeno sempre se envolvia nalguma panache simbólica Estes novos animistas, também idolatram coisas inertes, papéis, pedrinhas, metais, líquidos crudelíssimos... Só que a influência na vida e no destino das pessoas já não é apenas do domíinio da religião: é total, abrasivo, imposto, na ponta da espingarda e do decreto. Os feiticeiros não auguram e diagnosticam apenas: obrigam os indígenas a cumprir rigorosamente os delírios visionários. Simbolismo nenhum: a coisa é literal, bruta, javarda. Constata-se assim que se por um lado, o material, a humanidade evoluiu astronomicamente, por outro, o espiritual,  regride, em boa velocidade, aos estágios pré-históricos do feiticismo tribal. Dir-se-ia até que quanto mais progride numa direcção, mais regride na outra. Aquela distopia do Planeta dos macacos está ali ao virar da esquina. Só que depiladíssimos e perfumados. Fora isso é a papel químico.

segunda-feira, junho 22, 2015

O Mundo

Vou tentar explicar isto duma forma simples, baseada na teoria dos conjuntos.
Imaginemos a Estética, a Ética e a Política como conjuntos. A ordem referida corresponde à gradação do mais vasto para o menos vasto. Como a realidade demonstra, o mais vasto é a Estética e o menos vasto a política.
Num mundo perfeito, a intersecção entre os três conjuntos seria igual à Pollítica.
No mundo actual, essa mesma intersecção é um conjunto vazio.

Não somos nem possuimos a Luz. Podemos apenas caminhar na direcção dela. Ou na direcção oposta. De regresso à treva. Não preciso de enunciar qual o rumo actual, pois não?...

PS: A luz dos Iluministas é a dos pirilampos, nada de confusões.

quarta-feira, junho 17, 2015

Explicação dos Impérios

«(...)Eu queria-me entender com o sr. Deputado, a fim de tirarmos algum proveito deste debate; mas S.Excª, pelos modos por me ver assim minguado de afeites poéticos, acoima-me de absurdidade, e despreza-me!...Valha-me Deus! Se o sr. dr. Libório me não lançasse da sua presença com tamanho desamor, havia de perguntar-lhe por que foram Atenas e Roma bem morigeradas quando pobres, e corrompidas quando ricas e luxuosas. Havia de perguntar-lhe que artes e ciências progrediram entre os Sibaritas e Lídios, povos que a mais elevado grau de luxo subiram. Havia de perguntar-lhe por que foi que os Persas acaudilhados por Ciro, cortados de vida áspera e privada do necessário, subjugaram as nações opulentas. Havia de perguntar-lhe por que foram os Persas, logo que se deram às delícias do luxo, vencidos pelos Lacedemónios.
A suprema verdade, sr. Presidente, a verdade que os arrebiques da retórica não sofismam é que, à medida que os impérios antigos se locupletavam, o luxo ia de foz em fora, e os costumes a desbragarem-se gradualmente, e o pulso da independência a quebrantar-se, e os cimentos das nações a estremecerem. Depois, era o cair do Egipto, da Pérsia, da Grécia e Roma. »
- Camilo Castelo Branco, "A Queda dum Anjo"


«Um país, um povo que tiverem a coragem de ser pobres, são invencíveis».
- A.O. Salazar

«A verdade é que parece haver timidez ao falar no Ultramar nos planos económico e financeiro; se se compreende que assim seja, se atendermos à divisão de competências ministeriais, já esta timidez ou respeito não se justifica ao nível exigido pela coordenação das economias. Pior será que a omissão do Ultramar em aspectos fundamentais da política económica corresponda a uma opção, que nem o eleitorado tomou, nem o interesse nacional autoriza. Aqueles que têm uma visão rectangular do País e procuram os grandes espaços no mercado ibérico ou, mais ambiciosamente, numa Europa que ainda não está realizada, deviam recordar-se das palavras do Sr. presidente do Conselho no jornal Figaro, onde se afirma, de modo inequívoco, que a opção europeia não pode sobrepor-se à opção nacional.
(...)
Mas o principal problema é de natureza política, e é à luz dele que se devem estimar os resultados no plano económico. Até agora, no caso português, não dispomos de estudos, que eu conheça, sobre o problema, e para aqueles que, virando as costas ao mar, procuram uma integração peninsular ou continental, para esses só existem livros negros da nossa não participação no Mercado comum. Gostaria que os entusiasmos intervencionistas, as fúrias liberais ou os deslumbramentos europeus encontrassem base no estudo claro, ponderado, das nossas alternativas económicas e partissem dos factos essenciais da nossa escolha política.»
- Teixeira Pinto ( discurso na Assembleia Nacional, Primavera de 1970))

sábado, junho 13, 2015

Filhos da Pulcra

Talvez por incapacidade de pensamento mais vasto, entre nós cultiva-se a mania da fulanização. Não há regime: há fulanos; hão há ideias ou projectos para o país: há sicranos. A fauna palrante gosta deste, detesta aquele.. À falta de figuras que se destaquem pela positiva ou pela dimensão, erigem-se anti-presépios do cuspo onde demónios empalhados são objecto do escarro frenético  e da baba corrosiva de vaquinhas e burrinhos iracundos.
O regime é óptimo, o melhor dos regimes possíveis. A democracia escorre virtude por todos os poros. A república açambarca ética por natureza. Fulano é que não presta. A aberração é que explica a norma.
Lembro aquele ditado popular: "cadela apressada páre filhos cegos". Felizmente,  a democracia acelerada que gera ininterruptamente estes fulanos invisuais (entre cuspinhadores e cuspinhados) não é apressada: é competitiva.

quarta-feira, junho 10, 2015

Etimologias

Da raíz latina "nascor" (nascer) , cujo particípio "natus" originou o português nato - nascido, proveniente, filho -, decorreram dois outros termos bastante conhecidos e importantes: natureza e nação. No latim "natura" refere a índole, disposição natural, temperamento, etc.. Por seu lado, "natio" designa povo, nação, conjunto de indivíduos nascidos no mesmo lugar.
Entretanto, de "pater" (pai), descende "patrius" - paternal, autoridade paterna, tradicional, hereditário, transmitido de pai para filho.
Em suma, o nacional designa etimologicamente os filhos; o pátrio designa os pais, os antepassados. O que é curioso é que geralmente aqueles que dão mais valor aos filhos (ao mais recente) dizem-se "patriotas", por contraposição e antagonismo à "nacionalidade". E aquele que colocam como um dos deveres cimeiros do presente a lealdade e a honra aos pais, vêem-se vituperados como "nacionalistas".  Naturalmente, os nacionalistas variam de acordo às respectivas nações, ao contrário dos internacionalismos que se pretendem e arvoram iguais ou idênticos em toda a parte. No caso do nacionalismo português corporizado no Estado-Novo não subsistia qualquer conflito entre a "nação" e a "pátria". Os filhos não negavam nem abandonavam os pais e, ainda menos, os trocavam por outros pais adoptivos mais convenientes ao seu conforto ou ganância. Já no que concerne aos "patriotas" actuais, além do termo ser usado do avesso (e portanto para designar o oposto daquilo que significa genuinamente), os filhos renegam e abandalham os pais naturais, substituindo-os por progenitores artificiais, geralmente contraídos por ideogénese. Existe ainda uma terceira espécie, onde se circunscrevem, por exemplo, os actuais desgovernantes, respectivos acólitos, apaniguados e moços de frete. Não são nem "patriotas" nem "nacionalistas". Desconhecem, com exactidão, os pais (sejam eles naturais ou adoptivos). São, assim,  puros, compenetrados e absolutos filhos... Da puta. Ou, enfim, da vida fácil, para quem preferir eufemismos.

segunda-feira, junho 08, 2015

Acromiomancia Revisitada - XXX. Censura e Repressão (Parte 1)




Santos Costa terá, em certa ocasião, sugerido a Salazar que talvez fosse tempo de liberalizar na área da censura à Imprensa, gradualmente que fosse. Salazar terá respondido:
«Não se pode pensar nisso. Ia ser um pandemónio, como foi no fim da Monarquia e na primeira República. Isto é uma gente complicada, um povo difícil. Parte celtas, parte godos, parte bárbaros, parte mouros. Só a força da autoridade os consegue juntar. Sem autoridade, sem força, vão uns contra os outros, bloqueiam-se, fragmentam-se. Só com uma mão forte, com força, se pode mantê-los unidos e defender o conjunto. E dê o Senhor graças a Deus enquanto os que tivermos a força, o poder, formos nós, que somos pessoas cristãs e de bem, moderadas, que não abusamos dessa força e desse poder. Se forem outros a tê-los vai ser muito pior, muito pior.»
A vulnerabilidade do homem à propaganda remete ao paraíso originário e  consititui trauma incurável. Segundo relata o Genesis, a tentação primeiro, e o delito depois, nascem por obra da propaganda inimiga e beneficiam da cumplicidade tagarela da primeira mulher e da passividade bronca do primeiro homem. Estadeiam também o primeiro falhanço no primeiro acto de censura da Criação e conduzem, inexoravelmente, ao primeiro acto de repressão.
Durante séculos, esta possibilidade do erro e, a limite, do mal, que Deus concedeu ao Homem, comprova a natureza livre deste através da propriedade autónoma dum arbítrio. E é por ser livre que pode escolher, e é por escolher o mal que pode ser punido com justiça (porque responsável pelos seus actos). Fica assim, desde logo e desde muito longe,. estabelecido que poder e dever não coincidem. Tanto quanto a lei, mesmo quando emanada da mais alta instância, é freio muito ténue e barreira muito frágil, quer à estupidez do sujeito, quer à insídia da propaganda.
Transpondo então para o Estado-Novo de Oliveira Salazar e avisando de antemão que não sou adepto da censura. (Corrijo: não era. Ultimamente, começo a ficar convencido que, no âmbito público, entre nós, a censura não exprime um acto de repressão, mas de higiene pública. Mas isto, eventualmente, também decorre do facto de imperar um processo concertado, desenfreado e ininterrupto de transformação das mentes humanas em cloacas).
Pois, bem, é chocante e merecedora de escândalo a Censura do Estado-Novo? Caso se proclamasse democrata, Salazar, sim, sem dúvida. Proclamar-se democrata e depois instituir a censura seria infame. Entretanto, se fosse socialista/comunista, seria desnecessário, dado que redundante: uma vez que todos os meios de comunicação social seriam propriedade do Estado (os própios funcionários obedecem ao mesmo critério editorial; os recalcitrantes ou desviantes não contam, porque desaparecem rapidamente). Ora, uma vez que Salazar, e o Estado-Novo por arrasto, se estabeleciam, frontal e claramente, como anti-democratas e anti-comunistas, duas consequências eram óbvias: nem o Estado entrava na propriedade absoluta dos órgãos de comunicação (bem como de editoras livreiras), nem estes, por isso mesmo, exerciam a seu bel-prazer (nem em termos políticos, nem, tão poco, económicos - não valia tudo a bem do lucro) - havia regras a cumprir, definidas segundo o critério do Censurável - pornografia, difamação, necrofilia espectaculosa e, sobremaneira, propaganda contra a nação (por conseguinte, e do ponto de vista estritamente salazarista, pornografia nas seus diversos cambientes - sexual, retórica, ideológica e política).
Mas a censura, como bem sabemos, não é impeditiva. Não tem o condão absoluto do dique inexpugnável. Funciona em forma de freio, serve de aviso. Não levanta muros inultrapassáveis: estabelece apenas limites. Eu diria mesmo que, mais que liquidar a liberdade e a criatividade, estimula-as. O fruto proibido...(e lá vamos nós de volta ao paradigma). Há ainda outro aspecto nada despiciendo: é que a censura constitui um mecanismo preventivo e obviante da repressão. Denota uma preocupação jurídica em não cair na pura discricionariedade. Se o Código da estrada ou o Código Civil ajudam ao tráfego automóvel e às relações sociais, porque é que um codigo de expressão há-de constituir uma hedionda e inadmissível fórmula de atentado aos mais sagrados redutos da humanidade? O facto é que, no pensamento de Salazar, a condição de governo efectivo dependia da concorrência da autoridade.
Mas nada como o próprio arguido para explicar a censura de que o acusam:
«A censura, hoje, por muito paradoxal que a afirmação lhe pareça, constitui a legítima defesa dos Estados livres, independentes, contra a grande desorientação do pensamento moderno, a revolução internacional da desordem (...)»  (in Entrevistas de António Ferro a Salazar, pp 157)
Nota explicativa: é preciso ter sempre bem presente que o Estado-Novo emergiu numa época em que a leste os comunistas terraplenavam nações e a oeste o ultracapitalismo eufórico transportava o "mundo livre" à grande Depressão de 1929. Por conseguinte, os dois grandes movimentos iluminados, democráticos (um com-Marx, o outro com-mercx,  um popular, o outro liberal) e libertadores dos povos oprimidos representavam, na realidade concreta, ameaça nada menosprezável para a tranquilidade das pessoas. Ainda hoje, se, por um lado, temos a sorte de já não sofrer, em larga escala, o assédio grunho dos populares, já por outro ainda padecemos o infortúnio de suportar as desordens cíclicas  e cada vez mais gebas dos liberais. Voltando a Salazar:
«Eu não temo o grande jornalista desde que seja português e o demonstre. O que temo são os pequenos jornalistas que se desnacionalizam sem dar por isso, talvez por não estarem suficientemente armados para se defenderem de sedutoras e fáceis teorias. É preciso não esquecer que não existe Comunismo Português, inglês ou francês, mas sim o Comunismo internacional que procura minar, falando, às vezes, a própria língua dos países onde se agita, a independência de todos os povos. Contra esse imperialismo ideológico, tão perigoso como qualquer outro, a censura é arma legítima. Todas as medidas de defesa se justificam perante a invasão estrangeira.» (idem)

Portanto, dum lado, o imperialismo ideológico, procurando seduzir através dos baixos instintos a iscar a cobiça; do outro, o imperialismo económico, intentando conquistar através do baixo apetite a engodar a ganância. (Curiosamente, ou nem tanto, com enzimas e fungos de choque comuns)...
«Ninguém se lembrou de protestar contra a censura durante a guerra. Ora, o Comunismo, na nossa época, é a guerra latente, permanente, a sempre iminente invasão estrangeira. Aliás, a censura não é um exclusivo dos regimes nacionalistas. A todos repugna e todos pensam ocultamente em utilizá-la, no momento próprio. os nossos inimigos, por exemplo, falam raramente da censura russa, de todas a mais radical e a mais cruel, parecem também esquecer que pressões de vária ordem, apreensões de jornais, proibição de saírem para o estrangeiro os periódicos desafectos, não são providências desconhecidas onde as frentes populares dominam. A necessidade de defesa nacional e social que levou uns para a instituição da censura, levou outros, como sabe, para a criação da imprensa sem necessidade de censura; mas creio que os primeiros nada têm que invejar aos segundos. Acho em todo o caso extraordinário que algumas pessoas tanto se irritem contra a barreira imposta pela autoridade, que deve ao menos supor-se zelosa do bem público, e não pensem em defender a liberdade de expressão do pensamento das violências exercidas pelas organizações capitalistas, pelas associações de interesses particulares e ocultos, pela própria força bruta do dinheiro sobre a inteligência ou a necessidade. Mas isto não repugna aos liberais de todos os países, pois que raros procuram os meios práticos de conciliar a dignidade da inteligência esclarecida com a defesa do interesse nacional e da tranquilidade pública.» (ibidem)

Mais bem explicado do que as palavras do próprio é difícil.
Assim, do respeito pela autoridade, e da legítima defesa por parte desta do interesse nacional (sediado numa independência de facto e de jure) aos vários níveis, procedia a cordialidade pública em cujo espírito, de elevação, deveriam decorrer os debates. Segundo o próprio Salazar, a censura tinha «por objectivos principais impedir a invasão das ideias marxistas, a propagação de mentiras e o malefício da calúnia, às vezes irreparável». Acrescentando: «não se esqueça de que o Governo português autoriza, apesar de tudo, a publicação de jornais e revistas que nos são ideologicamente adversos»

Na verdade, uma pessoa podia até ter ideias comunistas e, desde que não viesse apregoá-las em público, ou participar de projectos colectivos de subversão, o Estado não se preocupava muito com isso. A questão não se colocava ao nível da consciência individual: emergia quando se transpunha a fronteira da consciência individual para o foro público (se a liberdade de pensamento era consagrada, já a impunidade de propaganda estava justamente nos antípodas disso).
O Direito à legítima defesa via-se reforçado pelo dever, tendo em conta que derivava muito da "invasão externa" (de ideias peregrinas)) o  problema crónico da ingovernabilidade lusitana. Traduzia-se, esta, em larga medida, na tendência endémica para a rixa civil; e esta resultava em magna escala da tendência para a opinorreia desatada fruto da mania que cada português desenvolve e cultiva de que é um ditador esclarecido, um médico universal e um treinador infalível. Mas também da tal vulnerabilidade atávica ao débito e empréstimo externo. A capacidade de animadversão doméstica é de tal ordem, que o indígena (tosco ressabiado não raramente) ensandecido por rancores, raivas e esguelhas, está sempre pronto a aliar-se a qualquer panóplia alienígena contra o conterrâneo odiado (seja este pessoa, clube, seita, classe ou partido). A perfeição toina do paraíso longínquo, que esgrime como máquina de cerco retórica, serve-lhe para atestar não tanto do primor imaculado do lugarejo, quanto do esplendor, munificência e certidão absoluta do seu raciocínio. Salazar, que em muitas coisas era um pragmático, entendia que se palrassem menos e trabalhassem mais, se discutissem menos e se esforçassem mais, não se perdia nada. Que esta choldra, nos últimos quarenta anos, passe a vida a dar-lhe razão, decerto não é culpa dele. Ao menos essa.

Em todo o caso, o próprio conceito de "oposição" no Estado-Novo não pode ter o mesmo sentido que tem "oposição" num regime democrático. Neste, o multipartidarismo folclórico gera a necessidade de leis do jogo político que salvaguardem o acesso em igualdade aparente de circunstâncias aos órgãos de propaganda. Mais que a liberdade de expressão, garante-se uma certa "quantidade de expressão", consoante a importância eleitoral da cada força ( o que desde logo patenteia a falsificação da putativa "igualdade de oportunidade", pois aos mais abastecidos de cargos e votos na sessão anterior é concedido avantajado espaço de expressão, digo propaganda). Ora, o Estado-Novo pretendia-se um regime apartidário dirigido suprapartidariamente (e até, em certo sentido, suprapoliticamente). Portanto, o conceito de "oposição"  não decorria dum ambiente "mercantil" de concorrência entre partidos , mas mais num registo de concórdia ou discórdia entre pessoas (entre as pessoas portuguesas e a própria pessoa do Estado. Pois se não é português o sujeito, não apenas em corpo mas em espírito, não se admite que interfira com a vida e os destinos de Portugal). E a censura não se aplicava apenas aos que discordavam: aplicava-se a todos. Mesmo os jornais porta-vozes do regime (como o Diário da Manhã) estavam sujeitos à censura. Mais que a concórdia forçada (que seria estúpida, porque impossível), o que se buscava era o equilíbrio, a justa medida. É claro que entre os princípios e os fins da coisa e os executantes da mesma vai uma plêiade de funcionários pelo meio que, de acordo à sua inteligência, a executam. E não será difícil conceber que se uns houve, como em tudo na vida, que cumpriram com fidelidade ao espírito, outros nem por isso. Muitos, seguramente, como é apanágio do (dis)funcionário à portuguesa, seriam até umas perfeitas bestas.

Todavia, como também estamos cansados de saber, este rectângulo à beira mar plantado está superlotado de  criaturas angélicas, da mais fina extração - entre advogados, jornalistas, poliíticos, comentadeiros, etc - todos eles, sem excepção, avassalados por um lídimo amor à verdade. Pelo que imaginar que haja qualquer tipo de filtro prévio à sua liberdade de expressão constitui, tanto quanto horror anti-civilizacional, crime de lesa-majestade.  Pior, é como se alguém represasse o próprio fluxo da justica, da cultura  e do amor ao próximo. Embora, na maior parte dos casos, ele se confunda com o esgoto de suinicultura, isso apenas acontece por mera modéstia do emissor. Por outro lado, aa liberdade de expressão de indivíduos que unicamente exprimem o seu próprio enfeudamento a seitas, camarilhas, vícios ou taras pessoais, tribais ou internacionais é, em si mesmo, um contra-senso: a liberdade de exprimir a escravidão voluntária, a desindividualidade militante, a impotência devota ou a prostação reiterada, não constitui fenómeno digno de apreço ou sequer de montra.
Não obstante, podemos sempre, até para enaltecer melhor as virtudes superlativas do nosso tempo, comparar este regime democrático actual com o Estado-novo, nesta matéria da censura/liberdade de expressão.
No Estado-Novo, como vimos, havia um "critério editorial" nacional: todos sabiam qual era, com clareza, e todos cumpriam por igual. Nesse aspecto, todos eram iguais perante a lei.
No estado de Direito (que é como o actual estado a que isto chegou gosta pomposamente de se intitular), seja aqui dentro ou lá fora, cada órgão de comunicação (público ou privado) tem um "critério editorial" próprio, que não se sabe muito bem qual seja, pois depende exclusivamente de ditames de ordem administrativa/económica. Cada grupo económico detentor possui os seus. Acima destes peões, da ordem seráfica do estrito mercado, urdem títeres ocultos que estabelecem regras de ouro peculiares e carris pré-determinados. O resultado é o que se vê: verdade para todos os gostos, informação variada, campanhas de difamação ou promoção por encomenda, escandaleira a atrair moscas, papagueamento geral das agências, mimetismo telejornaleiro, débito ininterrupto da xaropada do dia, enfim, babel em barda. Se dantes tinha que cumprir-se um critério geral de interesse público, agora obedece-se à voz do dono, executam-se agendas de conveniência, cumprem-se múltiplos crítérios de interesse privado, difuso. Em lugar da escassez, a saturação; no sítio da parcimónia, a intoxicação. O risco de censura ou, no pior dos casos, prisão, vê-se substituído pela ameaça do desemprego (um antro bem mais obscuro e com hipóteses de saída ou remissão bem mais remotas).
Em matéria de cultura, então, é um mimo. Vultos literários eclodem como cogumelos, o cinema americano despeja aberrações, a pintura foi tomada de assalto pelos investidores financeiros, e a música, mesmo a popular (pior um pouco o rock'n'roll), completamente controlado pelos critérios comerciais das discográficas, basta compará-la aos anos 60/70, e aquilatar da "liberdade de expressão". A não ser que, por paradoxo fétido, a liberdade de expressão seja inversamente proporcional à qualidade de expressão. Nesse caso, hoje, bem mais que ontem, a censura, como já atrás estabeleci, acima de acto de repressão inadmissível seria um dever de higiene pública.
Tudo somado, não parece que a autoridade moral dos palhadinos actuais da "liberdade de expressão" possa depreciar os horrores censóricos do Estado-Novo dum pedestal muito alto. Com uma agravante: é que se outrora a "liberdade de pensamento" era consagrada e respeitada, agora é, declaradamente, o alvo a abater... Autêntico quisto espriritual que urge erradicar onde quer que se aviste. Aliás, dada a sulfatação ininterrupta e generalizada dos "órgãos globais de liberdade de expressão", a infeliz, para ser sincero, sempre que emerge, devém motivo primeiro de assombro e só depois de anátema e abominação.
E posso mesmo acrescentar duas ou três notas da minha experiência pessoal, que é pública e está ao alcance livre de consulta nos arquivos deste blogue...
Sempre fui abençoado (e porfiei) por fracas audiências, o que, nestes tempos aritméticos, me iliba de perigosidade e, julgava eu, me garantia algum sossego. Qual quê!...A liberdade de expressão, afinal, exerce-se em regime de parque cinegético. Há espécies protegidas. Até por lei. Em muitos aspectos, habitava-me uma intensa ingenuidade e olímpico desconhecimento. Por exemplo, desconhecia em absoluto a hipermelindrice judaica e todo o folclore apenso. E notem que sou um tipo que em tempo até estudou aramaico porque se interessou pelo estudo da cultura hebraica. Vivia na lua, em resumo. Estou a queixar-me da falta de "liberdade de expressão"? Nem por sombras. Sou daqueles que acredita que a expressão traduz um pensamento, ou traduz o vácuo. Esse pensamento é que é livre ou não. Mas se a fraca audiência me poupou a processos legais, denúncias televisivas, rosnidos dos garatujadores da gleba plumitiva, não me subtraíu, todavia, a toda um vasta horda de censores espontâneos que se rojam e derrancam pela net em patrulha imarcescível. A propósitode toda a casta de tabus e totens tribais, Chamei-lhes um petisco. Manaram de todas as direcções, buracos e proveniências (portanto, nem é uma coisa de direita ou esquerda - é universal). E apenas peco quando lhes chamo "censores". Peco por desmesurada escassez, bem entendido. Toda esta gentinha tinha uma oportuinidade dourada para libertar a expressão que ardia em si. Mas, na grande maioria dos casos acabou por ceder ao  censorzeco que guarda no armário? Bem mais retorcido e alambicado: não apenas ao censor, mas ao bufo que abastece o censor, ao esbirro que arrasta ao  tribunal plenário, ao juíz que julga e condena, e, por fim, zénite do pastel, ao verdugo sabujo que executa a pena. Cada jaburu destes é um processo completo ao teclado, em inquisição d'ecrã. Pois, olhem à vossa volta: a censura agora, quando não é exercida pelo próprio em regime de auto-mutilação, é subministrada pelos vizinhos que, imbuídos do espírito democrático às pázadas, esgotam a sua liberdade de expressão na censura da liberdade dos outros.
Antigamente, havia o pudor cultivado na ostentação tanto da riqueza material quanto  da pobreza de espírito. Agora, há uma exibicionismo frenético e compulsivo que só não direi de ambas, porque, em muitos casos, coincidem no mesmo sujeito (em acto, potência ou anseio). E também porque os pobres do antanho eram nitidamente ricos se comparados à indigência actual.



PS: E o mais encantador é que os mesmos que, em defesa (legítima, apregoam eles) de estados estrangeiros, censuram a liberdade de expressão alheia, criticam veementemente o dr Salazar quando censurava na defesa do estado Português:



sexta-feira, junho 05, 2015

Enigmas

Em "MacBeth", escreve Shakespeare a dado passo:
« - E que é ser traidor?- Faltar à palavra e juramento.- A isso chama-se traição?- E quem a pratica merece ser enforcado.- Todo aquele que a pratica?- Todos.- E quem os enforcará?- As pessoas honradas.- Então bem tolos são os traidores, pois sendo tantos parece que deveriam ser eles a enforcar a gente honrada.»

E depois viviam a expensas de quem? (poderia acrescentar eu, pensando e transpondo para esta nossa lusa actualidade)...

Mas, caramba, dá que pensar... Constitui mesmo tremendo enigma. Não o facto de haver tantos crápulas e traidores em todas as épocas (leia-se Shakespeare, Sófocles, Camões, Swift, Cervantes, Dostoievski, e todos os grandes escritores de todos os tempos) mas, outrossim, o fenómeno espantoso de existirem (e, pelos vistos, resistirem) algumas pessoas honradas. Será uma lei da Natureza e de quem lá ordena?...

Outra questão curiosa: o que acontecerá a esta minoria problemática se a massificação triunfar? ( fantástico como o recurso a uma série de "minorias de trazer por causa" tem como finalidade essencial acabar com esta Minoria indesejável)...

quarta-feira, junho 03, 2015

Acromiomancia Revisitada - XXIX. As elites postiças




A famigerada "ditadura cultural da esquerda", segundo round... ou, como dizia o outro, "para acabar de vez com a cultura da treta".
Uma verdadezinha óbvia e prévia: a cultura, genuinamente, existe ou não existe e não é de esquerda nem de direita. Mais: o que alimenta, fomenta e consagra a partidarite, o facciozismo e a clubite mãe de todos os mentecaptos militantes, acólitos ou coristas é precisamente a ausência de cultura digna desse nome. E quando digo aqui "cultura" não quero apenas referir o seu sentido superior, nobre, mas o seu sentido geral, de própria "cultura de um povo". Querer converter a cultura à direita ou à esquerda é querer reduzir a estética ou a ética (e o próprio folclore) a uma política. Ou seja, é meter o Rossio na rua da betesga. Por natureza e dimensão, tanto a ética como a estética são mais vastas e elevadas que a política. Mas para quem troca os cascos pela cabeça, ninguém duvide que faz todo o sentido que a cabeça se submeta às patas, até porque para quem rasteja por devoção fica tudo ao mesmo nível. Se, ainda por cima, constatarmos como, por requinte do nosso tempo, a política se prostra em adoração aos pés da finança, poderemos aquilatar a que estrebaria erudita conduz uma tal romaria de almocreves. Ética, estética e política é tudo igual ao litro, que é como quem diz, ao dinheiro. Pelo que não é apenas a música que é pimba: é tudo o resto, por atacado.
Arrabalde rectangular, fatal e sórdido de tudo isto, Portugal, com ímpeto crescente, viu-se avassalado pelo postiço e pela contafacção. Passo a explicar: temos uma democracia postiça, elites postiças, cultura postiça, uma direita postiça e, concomitantemente, à falta de ideias próprias e vontade autónoma, dejectos políticos que o mais longe e elaborado que alcançam, sob a alçada dos gebos e grunhos que os patrocinam, é contraporem-se a alguma coisa - os grunhos aos gebos, os gebos aos grunhos, e todos eles a  qualquer hipótese de futuro (ou sequer de presente) para o país. Do passado, então, nem falemos: congrega o ódio unânime de toda esta fauna. Assim, para uns, tudo se resolve a contento e ingressaremos no melhor dos países, se os eleitores correrem duma vez por todas com os outros; para os outros, a mesma coisa, só que em relação aos uns. Deste embrulho decorre a sempre viçosa peixeirada e contra-peixeirada alternadeira, em que a metade sinistra do cancro concorre com a parte destra do tumor maligno.
Remontemos ao 24 de Abril de 1974... Ou, melhor dizendo, a Agosto de 1968.
Havia um regime e havia uma cultura (ou, pelo menos, alguma tentativa disso...) que, como em qualquer tempo ou povo, apresentavam defeitos e virtudes. O que quer que se lhes substituísse faria sentido enquanto melhoramento - havia que reduzir os defeitos e ampliar as virtudes.Todavia,  o que se assistiu foi à destruição das virtudes e à sofisticação dos defeitos. Em vez dum Portugal mais forte e capacitado, atamancou-se e experimentou-se uma série de alogenismos de pechisbeque - desde Caribenhices efervescentes a escandinávias ou alemanhices em drageia ou supositório. Como explicar esta vertigem esparvoada dum país sempre pronto a adoptar qualquer personalidade que não a sua?
Escuto amíude um diagnóstico comum (partilhado não apenas por comentadores ocasionais, mas também por alguns vultos relevantes da nossa cultura) : a culpa, em larga medida, é do estrangeiramento assolapado das elites, ora afrancesadas, ora anglicoisas, ora o diabo (de serviço ao atelier das modas) que as carregue e lhes inspire a veneta.
Bem, dito com franqueza, isso explica apenas uma parte da questão: grassa, de facto, com clamorosa evidência, uma estrangeirite desenfreada ao mais alto nível (que, por paradoxo, nunca foi tão baixo). Mas tal não prova a contaminação das elites: demonstra apenas, à saciedade, a ausência delas. Um bando de assimilados, quando muito, traduz a mixordização duma elite e constitui, para desgraça geral do povo que a atura, aquilo que eu denomino de elite postiça. Mesmo enquanto capilaridade ornamental, estilo de penteado a simular ideia, não excede a mera peruca de aluguer. O resultado está à vista: O país tem sido desgovernado por espantalhos que acumulam duas tarefas básicas: espanta-pardais e poleiro de corvos. Não obstante, e como é timbre dos medíocres e trambiqueiros, estas pseudo-elites rascas fazem-se pagar ao preço da excelência sublime. Aliás, cumpre ao país endividar-se para que suas excelências não experimentem angústias, misérias nem sobressaltos. E o mais grave é que não reflectem apenas um estado peculiar da nacinha: participam num estado geral do Ocidente (e do mundo por arrasto ou demodiálise). Corporizam, à proa, uma adesão fulgurante e acrítica dos portugueses à bandalheira absurda e circundante.
Além disso, a ausência de elites autênticas significa a inexistência de cultura genuína ao nível superior: não há sentimento do próprio povo a que se pertence, nem, tão pouco, da própria humanidade que cumpre representar. O que se verifica, ao longo de percursos escolares vagamente académicos, é a transformação monstruosa dum rústico num ego desmesurado, absolutista e frenético. Onde devia desenvolver e refinar a inteligência e o espírito, o grunho diplomado apenas desenvolve o umbigo e o aleive em forma de piercing, digo penduricalho. Todo ele é democrata da boca para fora,  a escorrer correcção política, mas tiranete até à medula,  por dentro, das vísceras inferiores às tripas entre-orellhas que nele cumprem as vezes de mioleira. Começa por ser déspota de si próprio, forçando-se à venalidade, ao oportunismo e à safadeza mais compenetradas. Mas logo alastra a todo e qualquer um que tenha o azar de lhe cair sob a patorra directora.
Este problema do posticismo das elites é antigo. Vem de longe. Ainda nos anos trinta do século passado, em entrevista a António Ferro, Salazar coloca a questão, em termos lúcidos, mas algo optimistas:

«O nosso grande problema é o da formação das elites, que eduquem e dirijam a Nação. A sua fraqueza ou deficiência é a mais grave crise nacional. Só as gerações em marcha, se devidamente aproveitadas, nos fornecerão os dirigentes - governantes, técnicos, professores, sacerdotes, chefes de trabalho, operários especializados - indispensáveis à nossa completa renovação, Considero até mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar toda a gente a ler. É que os grandes problemas nacionais têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas.»

Compreende-se... Salazar está ainda no início da saga. Respira entusiasmo e fé na transformação - a que poderemos chamar, sem risco de desvirtuamento, cultural. O que se preconiza é, com efeito,  uma cultura de excelência. De cima a baixo da sociedade. Uma aristiocracia transversal a todas as classes - aliás, o intuito é mesmo a superação das classes através uma supra-classe a que todos devem aspirar, emular e perfazer. O aperfeiçoamento deve constituir um culto generalizado. A elite não é apenas um privilégio dos doutores ou uma condição dos manda-chuvas: é uma possibilidade e um dever  em todos os ofícios e profissões. As elites, para o Salazar dos anos trinta, significam os melhores (a todos os níveis) e significam, sobretudo, que os melhores sejam cada vez mais. E se constituam como fermento dos restantes.

Todavia, este projecto meritório tem que ser confrontado com os seus resultados por alturas dos anos sessenta. O optimismo do incício cede passo ao pessimismo crepuscular. É um facto que o mundo não ajudou;  que a história desandou e levou com ela a Europa pelo ralo; mas se Salazar, com clarividência, empenho, dedicação e poder acima dos normais, não conseguisse, quem iria conseguir? As palavras do próprio, todavia, são eloquentes... Em 20 de Fevereiro de 1962,  diz a Franco Nogueira:
«Não há dúvida de que estamos perante uma viragem, e eu estou preso às ideias do passado (...) É por isso que eu estou com pressa de me ir embora porque não me dou com a nova mentalidade. Isto é só para safados»

Pelos vistos, a nova mentalidade germinava da ausência de carácter... E,  naturalmente, a categoria "safados" englobava  figurinhas tanto a nível externo como interno. O que de resto traduzia uma lei bastante arreigada entre nós: a de abundarem sempre emplastros prontos a mimar e papaguear os modelos estrangeiros. Sobretudo no que respeita a qualquer nova modalidade de sacanice, velhacura e safadeza.
Mais adiante, a 25 de Agosto de 1964, a confissão é ainda mais alarmante.
«Faltam-nos homens, o nosso sistema de educação é mau, sempre o foi.»
E a 24 de Outubro, tudo parece ter voltado ao ponto de partida:
«Acredite: este país está a dar o mais que pode, e é o que se vê. E isto só se consegue puxando muito, tanto que está a estalar pelas costuras. Somos assim: temos grandes rasgos, somos capazes de grande coragem, e isto dura enquanto se puxa. Mas depois cai, e volta tudo atrás. Acredite.»
Sendo que  o ponto de partida ficara bem especificado trinta anos antes, na tal entrevista a António Ferro:
«De quando em quando, aparece na História de Portugal um rei, um estadista, um chefe, que levanta a Nação, que faz um pedaço de História, e que a deixa cair quando desaparece ou morre.»

Em vão, portanto, se porfiara e tentara a regeneração nacional - a "renovação do indivíduo português, pela transformação que o poria de acordo com o seu próprio ambiente e com a sua própria terra". Em vez da multiplicação dos melhores, ocorrera a proliferação dos safados. Em vez da geração de elites genuínas, patinhara-se  na perpetuação de elites postiças, alérgicas ao povo e à terra; imunes e hostis a qualquer tipo de cultura genuína e profunda, acima do mero adesivo oportunista. As mesmas que levam Franco Nogueira, após a visita à RFA, em Setembro de 1966, ao seguinte desabafo:
«Quando se compara o que se faz fora das fronteiras [metropolitanas] com o que se passa dentro das nossas paredes, não pode deixar de se sentir margura perante as tricas e nicas do interior. A elite, o chamado escol, os intelectuais, os sujeitos que sabem coisas e têm teorias, mas que ignoram o que é Portugal e não o sentem, ainda hão-de levar este país á ruína, deitando tudo a perder, se o povo não fizer ouvir a sua voz.»

E as mesmíssimas (pseudo-elites), arrebicadas de liberais, tecnocratas e puggessistas de vária ordem, com que Marcello Caetano se rodeará, peregrinamente, no capítulo final, e que o transportarão, já no Brasil, à amarga mas tardia constatação:
{acerca dos liberais]:«Alguns não me perdoaram que em 1973 não os tivesse chamado a sobraçar Ministérios ou, à falta de melhor, secretarias de Estado...acabaram quase todos por se identificar com as correntes dos sectores oposicionistas que até punham em causa a nossa permanência no Ultramar. Não me admira que, por vaidade ou ambição, tenham largamente colaborado na aventura do 25 de Abril.» (in Marcello Caetano, Confidências do Exílio, de Joaquim Veríssimo Serrão)
E acerca dos tecnocratas:
«Não nego que acreditei na lufada de ar novo desse grupo de tecnocratas para a modernização do País. Mas não tardei em ver que punham as ambições ou os interesses de grupo acima de uma sã política nacional. Quase todos me causaram as maiores desilusões.» (idem)
Ressalta desde logo uma perplexidade incómoda: Mas, afinal, quem formou estas pseudo-elites - O Estado-Novo ou os Estados alienígenas? Quer dizer, foram formadas cá dentro ou deformadas lá fora cá dentro?
Mesmo as "elites" que fizeram o 25 de Abril e depois ordenharam a pátria em conformidade, por delegação alhúrica  e carta de corso, foram formados por quem? Militares, políticos, amanuenses, futuros deputados, ministros e presidentes tinham frequentado que escolas, universidades e academias?
Sendo verdade que a cultura não é hermética nem estanque, e bem pelo contrário ultrapassa fronteiras  e sobrevoa vedações, não é menos certo que se algum sentido faz é o de abrir o espírito ao mundo e não de encerrá-lo à mera contemplação do umbigo e à veneração do amplo sístema egofórico que principia no orificio bocal e culmina no rectal. Não por acaso Fernando Pessoa dizia "Eu sou  do tamanho daquilo que vejo". Está a falar da visão cultural - tanto mais se vislumbra e  a vista alcança, quanto de mais elevado se observa. A limite, o símbolo e paradigma maior da cultura é o próprio Indivíduo por Excelência - Deus. Por isso, ou há uma elite, e há uma cultura, porque há uma ascese; ou  há uma pseudo-elite, e uma aculturação, porque, pelo contrário, há uma descese. Se pensarmos que Salazar, enquanto governante, foi sobretudo um asceta, talvez começemos a pressentir um certo número de coisas. Uma, desde logo, desafia-nos a inteligência: a cultura é, essencialmente, uma questão individual ou colectiva? Se Deus é o paradigma maior da visão sábia, então a questão cultural é primeira e intrinsecamente ontológica e só depois gnoseológica. Quer dizer, é primeiro da ordem do ser (um carácter bom, elevado) e só depois de ter, estes ou aqueles conhecimentos. De que adianta alfaiatar conceitos e teorias, estudos e saberes, se não há homem onde os vestir? A cultura vista como mera aquisição resulta no possidonismo torpe e balofo a que assistimos e que em vez de melhorar o homem, apenas enfona, arma e torna mais perigoso o mentecapto e o patife.
Inferência imediata: nenhuma política vale alguma coisa digna se não assentar numa ética. Nenhum saber constitui genuína cultura se não assentar num carácter. Ora, quanto mais alto for  o alicerce da ética (os princícios e os fins), maior a razão e o alcance da política.
Objectar-me-ão que Deus não existe. Trata-se duma objecção meramente resultante dum absolutismo muito na moda: o da estupidez. Na verdade, Deus existe seguramente  enquanto ideia - tal qual a Justiça, a Razão, a Igualdade, a Liberdade, a Democracia e até o próprio "Povo"- e isso, para o efeito de norte ético, basta. Se admitimos a existência da "Justiça" (embora ela não se aviste em lado nenhum), ou da Liberdade, da Igualdade, etc (igualmente inefáveis), não admitir Deus é algo que flana algures entre o puro aleive discricionário e a simples birra alarvajante.  Por essa ordem de ideias, do "Deus não existe", desmonta-se e desintegra-se todo o restante aparato das "ideias" (comem todas pela mesma medida) e o resultado é aquele que, cada vez mais, se presencia: nihilismo feroz maquilhado a mercantalheira de choque.
Por outro lado, será então possível um projecto colectivo de cultura? Qualquer projecto colectivo, sem indivíduos genuínos (a criação artística, por exemplo, emula em parte a criação divina, e nessa  medida a arte "faz mundo"), está condenado à esterilidade. Poderá então a massificação ser considerada cultura? Pelo contrário, a massificação significa a não-cultura, ou dito com rigor: a aculturação. Os processos de massificação traduzem uma redução despótica da diversidade à unicidade: a política única, a economia única e a cultura toda igual em toda a parte. Trata-se dum amorfismo - da redução de todos os povos a uma massa anónima e amorfa, supervisionado por uma pseudo-elite única e universal. Que isto se processe sob os ouropéis garridos do cavalo de Troia da "democracia", afinal de contas, até faz imenso sentido: "Demo", em grego, significa "povo"; mas também, a partir de "daimon", resultou mais tarde naquela figura emblemática da nossa "cultura" -emblemática, diga-se, pelas piores razões . Pelo que, no fim do dia, redunda sempre tudo na velha questão de servir ao Alto ou ao baixo. Conduzir para cima ou para debaixo.
Nova questão decorrente: será possível um projecto de cultura nacional (ou seja, de individualidade duma nação, ainda por cima pequena) contra um projecto global de massificação? Bem, esse é o estado actual da arte. Mas no 24 de Abril de 1974 não era bem assim. Por uma razão muito simples: havia dois projectos globais de massificação em despique e concorrência. Sendo difícil, era substancialmente menos difícil naquela época do que é hoje (Salazar apostava precisamente nesse espaço em que os dois colossos se neutralizavam mutuamente). E dependia muito do tal programa de criação de elites genuínas, ou seja, de boas vontades individuais e de carácteres sólidos que conduzissem à individuação e elevação colectiva. As oposições, já sabemos estavam entregues e serviam de pasto à aculturação (marxista ou euro-americanóide, ia tudo dar à Via cloaca), portanto, nem faz sentido falar em "ditadura cultural da esquerda" ou "ditamole cultural do centro" - em ambos o que resfolega é a "tirania aculturante do Além-fronteiras". Mas...e as próprias pessoas do regime, algumas no próprio governo, que carácter, que vontade, que cultura apresentavam?
Nas palavras  sombrias do então ministro dos Negócios Estrangeiros:

«Em todo o Conselho de Ministros, e além do Presidente do Conselho, haverá neste momento quatro ou seis ministros que sentem e acreditam no Ultramar. Desejariam os outros ver-se livres de África, para se devotarem às delícias de uma política europeia. No fundo, o que adoram é o Conselho da Europa, sem entenderem que este é um nicho para instalar políticos aposentados e na terceira idade, e a OCDE, e as Conferências de Ministros europeus do Trabalho, e da Saúde, e dos Transportes, e da Cultura, e assim; e anseiam pelas idas a Paris a Viena, a genebra e a Londres, e demais centros europeus de prazer ou turismo. Entregar o país nas mãos dos imperialismos e das multinacionais, e deixá-lo colonizar por uns e outros; perder a independência de decisão, mesmo no que respeita à metrópole; vender o país aos bocados; diluir e perder a identidade nacional - tudo isso é indiferente a esses tais desde que, na nova ordem de coisas, mantenham os lugares, o prestígio, os benefícios materiais, a sensação de autoridade, os sinais exteriores de poder.» (13 de Novembro de 1966)
Infelizmente, a descrição de Franco Nogueira, pior que a denúncia dum preocupante presente, anuncia profeticamente o naufrágio de todo um futuro. Quer, numa primeira instância, em redor de Marcello Caetano (ainda mais sitiado que Salazar), quer, sobretudo, no pós-golpada dos cravos, quando a safadeza triunfa em plenitude e a maré negra submerge e aniquila todo e qualquer resquício de vértebra. Desertor da cultura portuguesa, o país, capitaneado pelas elites mais rascas e rasteiras de que há memória (verdadeira nelites), degrada-se a palco de zaragatas entre fórmulas rivais de aculturação. O povo  serve à manjedoura e ao bispote das pseudo-elites, que servem aos seus baixos instintos absolutos e, todos juntos, servem aos interesses e caprichos do estrangeiro roncante da hora a ferver.

Lógica da batata frita ou Pimenta no cu dos outros...

Esta sociedade bestial em que vegetamos é de tal modo superlativa. primorosa e razoadeira (nada obscurantista nem inculta, por sinal), que à medida que a idade da reforma fica cada vez mais alta, a idade do desemprego vitalício é cada vez mais baixa. O bom da coisa, segundo os merceeiros de plantão e grunhos anexos, é que assim, com requinte providencial, o colaborador descartável, admitido ao mercado de trabalho cada vez mais tarde e dele banido cada vez mais cedo, deixa de beneficiar de qualquer direito a reforma. Pelo que, no melhor dos mundos, a breve trecho,  a idade para o desemprego vitalício e para a reforma serão perfeitamente coincidentes. Sem quaisquer custo para o Estado (e ainda menos para as empresas subsidiadas). Se isto não é progresso!...

terça-feira, junho 02, 2015

Ladram, mas não mordem



Pronto, cá estou de volta. Soube-me muito bem a estadia nos trópicos. Decididamente, um sítio onde não há inverno só pode suscitar-me vontade de  aderir.  E por este andar, como os indígenas que lá habitam estão em vias de se transferir quase todos para a Europa, talvez até se torne um sítio bestialmente sossegado para viver. Com aqueles psicopatas armados que por lá operam, posso eu bem. E ao contrário de cá, contra quadrilhas armadas, um tipo sempre pode defender-se a tiro (o que, no meu caso, até torna a empresa deveras atractiva). Agora, com bandoleiros protegidos pela polícia, pelos tribunais e pela Nato,  acolitados por jornalistas e jornaleiros, abençoados por resmas de eunucos e impotentes crónicos, não há trato nem contrato possível. E começo a ficar rigorosamente farto.
Dito isto, uma palavra de reconhecimento aos leitores e sobretudo às indefectíveis leitoras, bem como à musa residente desta casa (não preciso de enunciar-lhe a graça, pois ela sabe bem quem é).
Por último, duas ou três palavrinhas de ordem prosaica. Essa sempiterna coisa do debate político dos direitosos contra os esquerdalhos e dos esquerdidos contra os destrovados.... Pois, meus caros amigos, acreditem: o debate político, enquanto forma de entretenimento, como recreio nas redes sociais, nos pasquins e nas painelices pantalhosas faz imenso sentido e tem imensa piada. Há  jovial alarido, ruído alacrinoso e um barulho de fundo em tudo semelhante às nossas ruas, pejadas de crianças,  do antigamente. Portanto, como brincadeira, jogo, passatempo infantil é extremamente divertido e até, ouso proclamar, desopilantre. Agora, como forma de governo, ou base, bibe ou guardanapo para forma de governo, não serve. Pura e simplesmente, não funciona. Muito menos entre nós, portugueses, portuganhóis, amerigueses, ou lá o que isto é. Impossíbilitados de miscigenarem na natureza, agora parece que miscigenam na imaginação; donde resulta, suspeito bem, esta salganhada anódina.
O dr Oliveira Salazar, que era um tipo inteligente, percebeu o óbvio ululante: com jardim-escola não íamos lá. Isto só funciona com uma entidade supra-política (ou várias, para dose reforçada, que com palanfroneiros destes, uma só é pouco)... O Rei, ou alguém que o represente. E Deus, Pátria, Família. Se repararem bem, tudo coisas acima da discussão, do paleio recreativo. Algo que não se submete ao arraial politiqueiro. À bancada de adeptos. Os pueris nunca lhe hão-de perdoar!....

Vingam-se na verborreia desatada e incontinente dos dias actuais. Deus, Pátria e Família não lhes diz nada e, bem pelo contrário, foram, em bloco, degradados a obscenidade histórica. Em contrapartida, veneram e obedecem ao sacrotanso tríptico, também ele acima de qualquer discussão, Mercado, Dinheiro, Empresa. Mas uma coleira, mai-la respectiva trela, em sendo voluntárias, tornam-se adereços da moda e deixam de constituir prova de servidão. Canina. E caniche.
Regrediram na mentalidade, na espécie e na história, mas sofisticaram-se no léxico.

PS: E só não os levam ao passeio, acudindo-lhes - de saquinho - aos depoimentos fétidos porque, na maior parte dos casos, se torna difícil, senão impossível, distinguir a emissão do emissor.

PS 2: Ah, e já me esquecia: gloves off!...