quinta-feira, maio 20, 2004

Que Hollywood a abençoe!...



À falta de moral, que lição tirar disto?
Se fosse uma pintura, teríamos que tentar decifrar a simbologia. Faz de conta que é uma pintura, então...
A América debruça-se sobre o Iraque. Mas o seu rosto permanece fixo nas câmaras, fotogénico, álacre, maroto. Higiénica, asséptica, procede às exéquias. Está prestes a virar a página, a terminar o serviço.
No seu casulo de plástico, onde a aranha parece querer preservá-lo para futuro repasto, o Iraque jaz, dir-se-ia adormecido, estupefacto. Num esgar de quem desligou a meio dum segredo. O olhar, esse, está em parte incerta, misteriosamente perdido, as janelas entaipadas como num prédio marcado para demolição. Mais que torturado, dir-se-ia processado... Em fase terminal de embalagem e prestes a sair da linha de produção, pronto para consumo.
Numa concessão momentânea à tripedia, a América desocupa uma das patas e exercita o polegar imperial: "Está tudo bem! Está tudo ok! A vida é bela!..."
Mas o que mais cintila, nesta constelação de optimismo, são os dentes. Quase nos encadeiam, num brilho pepsodent, num reverberar de lâmina de aço exímia... Tem bons dentes, a aranha, aliás, a América, aliás, a Sabrina. Mais que em Deus vê-se que acredita em Hollywood. E Hollywood reconhece e não abandona os seus crentes: saberá como perdoar-lhe e abençoá-la.
A sua fotogenia salva-la-á.

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