terça-feira, maio 11, 2004
PARA UMA ANTOLOGIA DO TERROR -I. O Nascimento dum Padrão
«O rei Alemão Henrique VII, havia decretado recentemente a livre disponibilização das propriedades de quem quer que tivesse sido condenado por heresia: uma parte dessas propriedades passariam para o senhor do condado, a outra para os herdeiros. Os inquisidores proposeram uma nova fórmula: queimada uma pessoa rica, por indicação deles, o conjunto das suas propriedades devia ser confiscado e dividido entre os vários senhores, incluindo o rei. Durante certo tempo, esta proposta, segundo parece, conseguiu o seu objectivo e os inquisidores receberam o apoio das mais altas individualidades da sociedade.
Conrado Torso e Johannes, dois personagens sinistros, associaram-se ao fanático Conrado de Marburgo e a combinação daí resultante tornou-se incrivelmente poderosa. Vastas regiões ficaram sujeitas à sua vontade despótica e arbitrária. Quem quer que fosse acusado nunca tinha tempo para preparar a sua defesa e era julgado imediatamente. Se era condenado, não se lhe permitia sequer contacto com o seu confessor: era executado o quanto antes, muitas vezes no próprio dia da detenção. A única maneira de escapar à condenação e subsequente execução consistia em confessar a heresia. Mas exigia-se-lhe então uma prova do arrependimento: o acusado era rapado, como símbolo exterior de vergonha; e, além disso, devia nomear e denunciar os seus cúmplices hereges, especificando a "escola herética" em que havia sido instruído. Se não conseguia fornecer uma explicação aceitável, Conrado de Marburgo e os seus acólitos estavam ali para ajudá-lo. Ofereciam-lhe os nomes de nobres influentes, a quem os acusados se apressavam a confirmar: "essa gente é tão culpada quanto eu, estavamos na mesma escola". Havia quem o fizesse para salvar da exprobração e da pobreza os que de si dependiam, mas a maioria fazia-o simplesmente por medo de ser queimado vivo. O terror alcançou tal ponto que irmãos denunciavam irmãos, esposas denunciavam maridos, o senhor apontava o servo, e o servo o senhor.»
Norman Cohn, in "Europe's Inner Demons" (trad. esp. Alianza Ed., pp.48-49)
Estamos no ano de 1231. A Inquisição dá os primeiros passos. Embrulha-se ainda num método caótico, abrutalhado, de feroz e desabrida rapacidade. O processo é sumário e a execução imediata. Aposta-se no choque e no efeito fulminante do facto consumado. Não há, pois, tempo a perder com requintes processuais nem torturas preliminares. É matar o quanto antes e inquirir o quanto menos. No seu momento dealbante, a Inquisição é minimalista.
Mas em Conrado, como em Torquemada séculos adiante, habita já um magistério sinistro e arrepiante: uma culinária do medo, uma mestria ímpar na confecção do terror, com todos os seus preceitos e ingredientes, tal qual podem ser proporcionados nas piores colheitas da alma humana.
É uma culinária que ciclicamente assombra e visita a nossa mesa.
Que tem isto a ver connosco? Tudo. Espreitem à vossa volta...O que é que vêem servido na travessa que aí vem?
Sei que exala vapores negros e vai dar certamente para um opíparo banquete.
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