terça-feira, maio 25, 2004
O SACO-GATISMO
Em contrapartida, mal se afastam do vórtice do poder, os partidos caem em si. Como que acordam dum pesadelo, dum sonambulismo demoníaco. Apeados da onda vitoriosa, ei-los que recobram a moral e a religião, a humildade e os princípios. Ei-los que correm ao exame de consciência e à desintoxicação.
Ao mesmo tempo, todos ralham com todos, todos desconfiam de todos. Contam-se espingardas a cada esquina, afiam-se facas nos passeios pela noite fora. Sobretodos execrado, torna-se o, até aí, idolo sublime, deus ungido. Rebentado o casco contra os recifes, naufragada a expedição, todos vêm cuspir e viperinar contra o timoneiro. Despenhado da glória, compete-lhe, doravante, carregar com a culpa. Toda a culpa.
Os outros, livres por uns tempos da condição de insectos rastejantes, entregam-se à sua ocupação predilecta na oposição: fazer oposição. Não, propriamente, ao governo em exercício (quanto a isso, há que respeitar o unanimismo soberano, atávico), mas uns aos outros. A privação do tacho, acarreta a irascibilidade, a quezília, o resmoneio. Irrompe a sintomatologia típica da descompensação.
Uma vez no poder, o partido (a experiência histórica atesta-o) conduz o país à balbúrdia. Uma vez deposto, cai também nela. Retorna à origem, à matriz. Ao caos primordial e propedêutico.
A ressaca do unanimismo governativo é o saco de gatos, ou Saco-Gatismo partidário. Para que serve? Como a tragédia para os antigos gregos, segundo Aristóteles, tem por finalidade a catarse, a purificação das almas, o exorcismo dos demónios. Para que, chegada a hora, mal a preia-mar regresse, o espírito do mamífero, limpo e disponível de novo, esteja mais uma vez pronto para ver-a-Deus e para abraçar, em fervor babado, todo o unanimismo deste Mundo. A metamorfose, neste caso -e ao contrário do romance de Kafka-, é voluntária. E almejada com a maior das ansiedades e espectativas.
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