sexta-feira, maio 14, 2004
PARA UMA ANTOLOGIA DO TERROR -III. A Caça às Bruxas
Desde sempre, mesmo quando se situava no Além-Mundo, o Inferno pareceu ter emissários, operacionais e angariadores neste. Pior: dir-se-ia que conspiravam e urdiam para instaurá-lo por estas bandas, mesmo antes do Juízo Final. Essa lúgubre perspectiva, manifesta um problema duplo: de contaminação e, sobretudo, de terrorismo.
O crepúsculo medieval também tem a sua Al Qaeda. Compõem-na exércitos tenebrosos, não de árabes possessos, mas de súcubos e incúbos, demónios à solta, que se apoderam das gentes e seduzem bruxas e feiticeiros. «Em 1568, Jean Wier denuncia a existência de 7.405.926 diabos ordinários, repartidos por 111 regiões com 6666 demónios cada uma, dirigidos por 72 princípes das trevas.»
Como refere Georges Minois, «sob muitos aspectos, do século XIV ao século XVI, a Terra não teve muito que invejar ao inferno, que parece ter aberto aí uma sucursal.»
Entretanto, «as manifestações de Satã (o Bin Laden da época) são multiformes, por entre casos de possessão, esterilidade, metamorfose, males inexplicáveis, sortilégios e actos de feitiçaria de toda a ordem. Tem mesmo os seus auxiliares humanos: feiticeiros e feiticeiras, cujos esquadrões roubam de noite para as suas orgias sabáticas.»
Mas «a partir de 1320, as autoridades põem-se em campo. A bula de João XXII, comparando a feitiçaria e a heresia, marca em 1326 o incício de um período de repressão antidiabólica sem precedentes na História, que durará mais de três séculos, culminando no período de 1500-1640.»
Só de 1570 a 1630 terão sido queimadas entre 30 e 50.000 pessoas, acusadas de feitiçaria.
Em 1486, dois frades dominicanos -Jakob Sprenger e Heinrich Kramer -, escrevem o Malleus maleficarum, manual de operações para a guerra à feitiçaria (os terroristas de então). Este livro, serviu de guia oficial à Santa Inquisição, durante mais de um século, contendo as instruções explícitas de como descobrir, torturar, extrair confissões, julgar e executar quaisquer suspeitos de bruxaria. A sua publicação foi um sucesso só superado pela Bíblia. Outros "best-sellers" da época elaboram sobre a mesma temética: "O Teatro dos Diabos", de 1569; a "Demonomania dos Feiticeiros", de Jean Bodin, em 1580; e o "Tratado dos Energúmenos", de Pierre de Bérulle, em 1599.
Tendo como pauta musical toda esta literatura, especialmente o Malleus maleficarum, a rapsódia da caça às bruxas troará, então, em tons de cavalgada wagneriana. Estabelecerá, também ela, um paradigma que não mais deixará de ciclicamente se repercutir séculos adiante.
Que interesse terá isto para nós, gentes ultra-sofisticadas dos alvores do século XXI?
É que a erupção de tal psicose colectiva, convém fixá-lo, só foi possível graças à reunião dum conjunto de factores numa espécie de cocktail explosivo: a) crise de valores; b) populações esmagadoramente crédulas e incultas, ainda pra mais apavoradas; c) oligarquias directoras empedernidas, destituídas de escrúpulos, a patinarem numa instabilidade crescente, e sobretudo exasperadas com a iminência dum tempo de abertura e de perda de poderes e prorrogativas; d) o surgimento de novas tecnologias e meios de difusão (a imprensa), capazes de catalizarem a agitação (o medo e a histeria) a níveis nunca antes vistos.
Curiosamente, e em larga medida, o mesmo cocktail que parece estar a formar-se na encruzilhada destes nossos dias, cada vez mais confusos e inquietantes.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Seu blog é sensacional. Estava procurando por uma coisa e acabei achando outra. Muito bom mesmo, estou voltando agora a blogosfera e espero que a gente se cruze por aí !!!
Paulie Hollefeld
Enviar um comentário