quinta-feira, maio 13, 2004

A EXPLICAÇÃO DO INEXPLICÁVEL



De Hegel, começo por dizer, não gosto. Entre outras coisas, é um filósofo bem sucedido. E filósofos bem sucedidos são como escritores premiados: aquilo normalmente é usado pra outras coisas e sabe-se lá em que peregrinas confecções.
Mas isso em nada afecta ou põe em causa a dignidade do senhor. Tanto assim que, ultimamente, até dou comigo a reconhecer-lhe pertinência nalgumas teorias. O homem, por exemplo, tinha uma fé inabalável na Razão: acreditava, piamente, que ela devia debruçar-se sobre tudo, mesmo as coisas mais absurdas e aparentemente irracionais que se lhe deparassem. Nada lhe podia escapar, à infatigável (uma espécie de CIA avant la letre, poderíamos colorir, se fossemos mauzinhos)...
Isso era possível graças, sobremaneira, ao prodigioso método dialéctico. Era e, pelos vistos, é. Adiante explicarei. Explicito apenas, sucintamente, para o leitor mais leigo nestas matérias, que consiste, o dito método, naquele sortilégio providencial da tese/antítese->sintese. Ou seja, a História evolui através dum processo conflituoso entre teses e antíteses, resultando em sínteses; que por sua vez originam outras teses e respectivas antiteses, e assim sucessivamente. Tudo obedece a um sentido racional, do Grande Espírito, pelo que a História reflecte a Razão. Isto vai assim de rajada, espero que não se engasguem, mas um postal não é um Tratado filosófico. Pois, como dizia, a História reflecte a Razão e a Razão digere a História, ou seja, reconhece-se nela. Como vêem, não é complicado. Podem até já vislumbrar uma das ilacções mais óbvias e necessárias: a História tem sempre Razão (pois trata-se duma manifestação do Grande Espírito), e aqueles que fazem a História são os mais razoáveis de todos nós, pois interpretam com relevo e desembaraço os propósitos do Grande Espírito.
Este belo sistema transposto para a nossa época, aplicado à nossa realidade, resulta em quê?
Ora, é óbvio: O senhor Bush e os Neocons americanos são os representantes do Grande Espírito na Terra; fazem a História e, consequentemente, estão cobertos de Razão. E têm razão porque estão aos comandos da locomotiva da História. É assim. Não há como escapar a esta verdade eloquente. São eles, louvados sejam, a "Síntese triunfante".
Não é por acaso que Hegel é o filósofo predilecto de toda e qualquer totalitarismo ou seita com apetites de império. Marx germinou a partir dele, e Hitler admirava-o muito.
Mas, entretanto, outra questão nos assalta: donde raio resultou esta nova e fulgurante síntese que nos conduz a todos, à beira do descarrilamento, pela linha expresso da História?
Então, não se lembram?...havia a tese capitalista e a antítese comunista (ou vice-versa). Do confronto, e através do processo dialéctico, resultou esta Síntese actual - Bushista, Neoconista, ou o que lhe queiram chamar.
Para os louvaminhadores e encomiastas profissionais da dita, recomendo que não se precipitem (se bem que compreenda a atracção fatal que sobre eles deve exercer, nas mentes respectivas, o abismo profundo da ignorância). Mas convém que não cedam à vertigem: é que a síntese não significa triunfo absoluto da tese (ou da antítese), mas sim uma espécie de fusão selectiva e fortificada de ambas. Na biologia, chamam-lhe híbridos. E são muito mais resistentes e vigorosos que as estirpes originais. Irra!...
Estão, agora, a ver a pertinência do Hegel?
Uma coisa, pelo menos, é certa: fornece-nos uma chave para descriptar fenómenos aparentemente irracionais. Como este mundo actual em que estamos metidos.

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