Os paralelismos entre o 5 de Outubro de 1910 e o 25 de Abril de 1974 são evidentes. E começam nos próprios regimes crepusculares que naufragam e colapsam miseravelmente. Mais que derrubados, esboroam-se, minados por dentro e infectados por fora. Resmas de parasitas endofagos cedem lugar a seitas de necrófagos exocomandados. Grande parte deles, transferem-se do dia para a noite. Amanhecem vermes rejuvenescidos, especialmente na gula erariofágica.
Prosseguem depois no folclore das festividades beneméritas e do circo redentor da pátria - a choldra republicana gemina-se na súcia democrática por via, sobretudo, de duas características emblemáticas: o assalto ao tacho "em nome do Povo"; e a marionetice - ingénua ou badalhoca - dos perpetrantes. Os republicanantes querem ser franceses; os democrateiros urgem em ser soviéticos ou franco qualquer coisa. Todos eles execram Portugal e a sua história. Frustrados de não terem nascido nas suas pátrias de adopção, decidem converter nelas a pátria natural. A solução para os problemas de Portugal é, assim e por receita transformá-lo numa França de pacotilha ou numa União Soviética de pechisbeque. Afonso Costa fantasia-se de Micro-Marat ou Robespierrezinho de trazer por causa; Santo Álvaro Cunhal imagina-se um Stalinezinho Zézusco omnipronto a sanar o partido a clisteres e purgas suaves.
E culminam, finalmente, os ditos paralelismos, nos resultados fatais e finais: a bandalheira instaurada, a corrupção exorbitante, a liquidação febril do país e a comsumpção galopante da sua independência.
Todavia, não me parece honesto, com base estrita nas peregrinações destes crápulas, fazer de conta que o que estava antes era um mar de virtudes. Dizer que o que estava antes era absolutamente bom não difere muito do dizer que o que estava antes era absolutamente mau. É uma retórica equivalente. Patinamos no mesmo tipo de propaganda e já vimos -aliás, temos a desprazer de experimentar ainda actualmente - onde essa prosápia adolescente conduz.
O facto é que a monarquia pós-Restauração teve trezentos anos para evitar o regicídio e o 5 de Outubro; assim como o Estado Novo dispôs de quase cinquenta para obviar à Abrilagem. Se, ao cabo de trezentos anos de monarquia, o resultado é a implantação da república, alguma coisa correu mal - e não se trata apenas de flatos e outras ventosidades históricas bufadas do exterior. Do mesmo modo, se ao fim de quarenta e oito anos de ordem nacionalista o corolário é o 25 de Abril, algo, nitidamente, deu para o torto. E não foi certamente numa noite. Atente-se que mais sintomático que o acto de derrube dum determinado regime foi a não defesa por praticamente ninguém desse regime.
Tudo somado, hoje como sempre, o que esta martirizada pátria menos precisa é de gente perita e virtuosa na técnica do avestruz - profissionais da auto-indulgência, da auto-complacência e da irresponsabilização aos molhos. Assumir a história é assumir a plenitude dos nossos defeitos e virtudes, vitórias e derrotas, glórias e frustrações, quer nacionais, quer pessoais e humanas. Já é mais que tempo de gritar basta a um país de auto-mutilados.
Que ao fim de cem anos de república eu me sinta cada vez mais monárquico, ou ao cabo de trinta anos de "democracia" eu dê comigo a admirar Oliveira Salazar é puro fruto da contingência. Convém não confundir com a essência. Perdê-la, a esta, é perder o sentido. Ora, é o sentido que confere alma e corpo a uma nação -pela comunhão dum fito, dum caminho e dum destino comum através das contingências. O sentido, precisamente, é a nossa meta-contingência. E, ou o temos e, nessa medida, somos, ou deixamos de o ter e, inerentemente, deixamos de ser. Tornar-nos-emos espanhóis, europeses, ameriqueus, afrolusos, mas portugueses é que não.
Para terminar, permitam-me o sarcasmo em forma de cereja: no dia 1 de Fevereiro de 1908, fez ontem cem anos, quando os carbúnculos iluminados estavam a massacrar o rei, apregoavam (como ainda hoje apregoam) que estavam a liquidar o pseudo-soberano em nome do real soberano, o povo. Mas na realidade, estavam, em nome do povo soberano, a cortar a cabeça... ao povo. O regicídio é sempre duplo.
E os libertadores afanosos dos rebanhos humanos têm sempre um outro curral em mente: o seu.
2 comentários:
Eu salgava-o, fumava-o e hoje andava a vender-lhe os presuntos por um preço exorbitante, com a certeza que algum idiota de um monárquico pagava, para pendurar na sala, e depois chorar com os amigos enquanto bebiam uns copos de tinto e alguma das miudas deles cantava o fado do embuçado
Sentes-te empalado. É natural.
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