Entretanto, pelas caixas de comentários abaixo, leitores desconsolados debulham-se em rebates e queixumes que só fazem é angustiar-me e submergir-me na insónia crónica.
Até porque repica uma objecção que volta e meia me aventam, começo por um caso gravíssimo, a quem já respondi sucintamente na própria caixa mas que, dado o clamor triplo que concatena -ou concadela, não posso jurar -, considero útil administrar um cuidado paliativo extra. E concatena -ou concadela, talvez - um clamor triplo porque congrega no mesmo pacote uma verdade, um exagero e um mistério.
Vamos à verdade. Cintila e relampeja quando o caro leitor digifera:
«O Português vai ser sempre a mesma merda porque só a vê em todo lado, tudo está podre, tudo está infecto, nao há solucão!»
Ora bem, há alguma verdade nisto, não há como negá-lo, nem vislumbraria eu qualquer vantagem em tal. O português, de facto, pela-se pelo bota-abaixo, pela sátira, pela anedota, pelo escárnio, pela detracção e por todas essa gimnochocarrices associadas e convulsivas. Porém, isso não é defeito. Não senhor, é feitio. Faz parte essencial da circunstância de ser português. Porque é que julgam que o telemóvel e o automóvel entre nós usufruem da dignidade soberana de próteses nacionais? Ora, porque amplificam o alcance e a oportunidade para o exercício dessa idiossincrasia, nem mais. De resto, entre nós, televisões, rádios, jornais, blogues, etc.,etc., são mero pretextos para dizer mal. Todos os dias. Todavia, o português, o genuíno, o autêntico -ainda grande parte da população, apesar de tudo-, não diz mal por maldade: diz mal por necessidade. Quem não diz mal, em Portugal, na hora presente, ou é porque está armado em estrangeiro, ou é porque está morto. Há ainda outra razão capital que já explico, mas esmiuçemos, para já, estas.
O português, num aspecto deveras mimoso, não se distingue actualmente da grande maioria dos povos europeus: todos são sodomizados e fazem geofelatios à americana, excepto os ingleses que é mais anillingus ininterruptus. Só que os alemães, franceses, italianos e restante pelotão da frente, além de já estarem habituados há mais tempo, além de gostarem por vício e além de até em boa medida merecerem, usufruem de outros a quem podem por sua vez sodomizar, o que, em parte, lhes serve de desculpa e alívio. O problema é que entre esses outros estamos nós, portugueses. O que, pelo meio d'outras coisas pouco edificantes, significa que temos o pelotão da frente todo atrás de nós, uma grande nave alienígena os pulverizasse a todos!... Ora, o português, o português que se preze, não gosta de ser montado. Tendo, em tempos, andado ele a cavalo, permaneceu nostálgico, renitente, alérgico. Montam-no - montam-no os europeus, montam-no os americanos, montam-no os chineses, até já o montam as suas antigas montadas -, mas ele não gosta. Dir-me-á que é um igrato? Mas o certo é que não há maneira de se habituar. Desdenha, resmunga, rosna, diz mal. É a réstea de dignidade na valeta da abjecção. A sua língua é a sua torre de menagem, o último baluarte. Come mas não cala; engole mas vomita.
Depois, existe aquela minoria de pseudo-portugueses, geralmente arvorada em elite, mas que não são mais que delegados de propaganda mérdica do estrangeiro. Esses, compreensivelmente, não dizem mal: têm a língua ocupada com outras ginásticas mais gratificantes, a boca cheia de mastigarem o erário público e entufam bolsas à maneira dos esquilos e doutros roedores armazenistas da república. Tudo junto, dá um monturo considerável, senão mesmo um himalaia de bosta, mas também um excelente combustível para o fogo posto e ateado da malfalância.
Finalmente, resplandece aquela outra razão capital para o luso-maledichote galopante que eu prometi revelar. Consiste num indivíduo único que açambarca e megafoneia de tal ordem todo o bem que se poderia dizer do país, que mesmo todos os outros juntos a debitarem mal, dia e noite, não são suficientes para equilibrarem minimamente a balança - e a maior chatice é que acumula com as funções de primeiro-ministro.
Por conseguinte, não se agaste o leitor com os portugueses, nem comigo por ser um deles até à morte. Em boa verdade, não necessitamos de nenhuma (nas suas severas palavras) "merda" especial, mágica ou miraculosa, que nos "faça abrir a pestana". A pestana temo-la nós aberta, oh se temos!, e tanto assim é que vemos bem a porcaria que nos assola, encurrala e oprime. E tão bem a topamos que a vemos claramente vista (como dizia o ilustre zarolho) em todo o lado, pois em todo o lado ela se instala, abivaca e monta loja. Não, amigo leitor, o que nós precisávamos mesmo, o que carecíamos já quase em desespero, era dum remédio santo, urgente, cicatrizante, que nos ajudasse a fechar e a trancar devidamente este maldito olho que, embora cego, anda desmedidamente aberto, mal frequentado e só o que faz é mirrar-nos e encerrar-nos os horizontes.
E agora, se me dá licença, escalpelizada que está a verdade, deixaremos os outros dois fregueses - o exagero e o mistério - para o postal seguinte. Aos restantes leitores, gente distinta, convém-lhes que eu não os mace excessivamente, e a mim convém-me fazer render o peixe.
2 comentários:
Como haveríamos de arrenegar o ilustre-zarolismo Ver Claramente Visto e a Maledicência?!
Ambas são o que nos vale! Bem posto, Dragão!
PALAVROSSAVRVS REX
Joshua, o engraxador!
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