«Por vitalidade de uma nação não se pode entender nem a sua força militar, nem a sua prosperidade comercial, coisas secundárias e por assim dizer físicas nas nações; tem de se entender a sua exuberância de alma, isto é, a sua capacidade de criar, não já simples ciência, o que é restrito e mecânico, mas novos moldes, novas ideias gerais, para o movimento civilizacional a que pertence. É por isso que ninguém compara a grandeza ruidosa de Roma à super-grandeza da Grécia. A Grécia criou uma civilização, que Roma simplesmente espalhou, distribuiu. Temos ruínas romanas e ideias gregas. Roma é, salvo o que sobremorre nas fórmulas invitais dos códigos, uma memória de uma glória; a Grécia sobrevive-se nos nossos ideias e nos nossos sentimentos.»
- Fernando Pessoa, "A Nova Poesia Portuguesa"Um pequeno reparo: não sou tão optimista quanto àquilo que Roma fez com a Grécia. Basta atentarmos na distância praticamente insuperável entre o circo e a tragédia. Ou entre o amor à terra e o amor às riquezas.
Não há nada mais metafísico que o amor à terra. Esse abismo donde provimos e que espera toda a vida por nós. Essa fundação primordial e derradeira...
A minha igreja são árvores. E a minha terra foi fundada por Ulisses.
A Pátria não se discute: ama-se, sente-se, padece-se. Herda-se como se herda esta carne de condenados ao patíbulo da vida. Não é um objecto da nossa faculdade mais pobre -o entendimento, mas um suspirar do nosso órgão mais profundo - o coração. Um "suspiria de profundis". Por isso mesmo, muito mais que a facilidade rasteira e peçonhenta de odiarmos outros, quaisquer outros e por quaisquer razões, é a coragem de gostarmos de nós. Sempre. E sobretudo nos piores momentos, quando tudo parece perdido, quando a derrota e o desalento alastram, quando a cobardia triunfa e a traição viceja, quando a estupidez e a inteligência se geminam e o espelho nada mais teima em devolver-nos que reflexos execráveis, relances ominosos de aleijões, prostrados, rastejabundos e malquerentes. Porque é nos precipícios da fraqueza, nos abismos da descrença, da exaustão e até do horror que o ordálio acontece. É aí que se separam as águas e se joeira a colheita. Coragem não têm aqueles que fazem do coração tripa e mendigam reboque na força alheia, hospedaria em vigores a crédito. Não, coragem têm-na aqueles que são capazes de fazer das fraquezas forças. E das próprias tripas, coração.
Tem uma pátria quem a merece. Conceitos, lógicazinha de passerelle para modelo de virtudes em desfile de modas, qualquer maltrapilho mental ou indigente moral alcança. É uma questão de indumentária, penteado, maquilhagem - cosmética, enfim. Nenhum maldizer ultrapassa o excremento se não servir de máscara -de epiderme - a um bemquerer profundo. Ciência de palha, fantasia de espantalhos se não houver um coração a bater e a amar lá dentro. Não se pensa, nem se diz, a pátria: quer-se.
É quando tudo parece perdido que um homem se encontra. Como é na descida -suja e tenebrosa - da raiz ao fundo do abismo que a árvore encontra a força que lhe permite erguer os ramos à luz e ao ar límpido dos céus.
Quanto ao corpo, esse tão sobrecantado altar dos umbigos canoros do nosso tempo, desenganem-se os acólitos do jardim das delícias: é uma mera oportunidade que o cosmos nos dá... de utilizarmos uma coluna vertebral. Chama-se, a esse prodígio, verticalidade. E, curiosamente, aprende-se com as árvores. Muito mais que com os sacerdotes de todas as doutrinas. E jamais em concursos de beatos ou fariseus.
A Pátria, esta a que eu pertenço, que não entendo e apenas pressinto, é janela para o cosmos, para lá da mundanidade, para lá dos apetites e dos cansaços, centelha de grandeza em toda esta minha quase infinita irrisão, irredutabilidade e luta perpétua do bemquerer contra as amarras tentaculares do bem-estar. À bênção de quem a esquece, hei-de sempre preferir ir ser maldito com ela.
Há, de facto, uma vontade que me ata ao leme. De algo muito maior que eu.
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