sexta-feira, março 10, 2006

A Genealogia do Matadouro -V. Assírios e paradigmas (1ªParte)

«Nada é mais estranho à mentalidade do oriente Antigo do que o amor pela paz, afirmado ruidosamente, ao longo de toda a História, desde os romanos até á época actual. Porque, para os reis de Assur e alguns outros, como os da Babilónia, do Urartu, ou os soberanos hititas ou kassistas, a guerra não é uma calamidade, mas um culto prestado aos deuses. A dignidade da guerra está no seu carácter religioso; o inimigo não só é um criminoso, como é um sacrílego e nenhum castigo será demasiado cruel. É claro que um bom despojo, em homens, em animais, em ouro ou em objectos preciosos, constitui um ganho não negligenciável, mas a economia não explica tudo. Muitas guerras, na verdade, só servem para afirmar um poder, um apetite de domínio, a vontade de hegemonia que são os móbiles determinantes das expedições que resultaram na constituição desses imensos impérios heteróclitos fundados por assírios, hititas ou babilónios.
Esta ânsia de poder traduz-se muito cruamente na condução da guerra e no tratamento dado aos países e aos povos vencidos. Não se contentam em pilhar, devastam; incendeiam as aldeias; arrasam as cidades e destroem as colheitas. Amontoam pirâmides de cabeças à entrada das cidades; degolam vivos os chefes inimigos; empalam prisioneiros e só deixam ruínas atrás de si. Adad-Nirazi II reivindica o título de aniquilador e a glória de Sargão é a de espalhar lágrimas para todo o sempre.
Os inimigos são sub-homens para os quais não pode haver piedade.»
- Guy Richard, "A História Inumana"


«Depois de tomar uma cidade, Assurbaníbal gabava-se: “Corto-lhes a cabeça. Asso-os no fogo, uma pilha de homens vivos e de cabeças contra a porta da cidade hei-se pôr. Os homens empalarei com estacas. A cidade eu destruí, devastei. Fiz dela um montão de ruínas, os jovens e donzelas na fogueira queimei”.
Esta espécie de chacina ritual é particularmente endémica na guerra de cerco, embora ocorra a seguir a acções de campanha. Claramente disrtinta do confronto táctico propriamente dito, parece mais estreitamente aparentada com experiências relativas à caça. Bastante literalmente, o vencedor põe de parte quaisquer sentimentos de vulgar humanidade e entrega-se à matança pela matança. Se era por faltarem ao homem os mecanismos inibitórios de um predador natural ou simplesmente por ajustamento cultural, é impossível dizer de momento. Mas a espécie humana, e particularmente os Assírios, pôs uma terrível capacidade ao serviço da causa da guerra e da política, uma capacidade que um dia levaria aos campos da morte de Auschwitz e à colocação de armas nucleares com populações urbanas por alvo.
Mas, como sempre, por detrás da sangueira andava o dedo calculista e o interesse egoísta. Mal parava a matança, começava o roubo e a exploração económica.»
- Robert L. O’Connell, “História da Guerra”

«Terminado o massacre dos habitantes de Ai tanto no campo como no deserto, para onde haviam saído em perseguição dos israelitas, depois de todos terem sido passados ao fio de espada, todo o Israel voltou à cidade, matando toda a população. O número dos que morreram naquele dia, entre homens e mulheres, foi de doze mil, todos da cidade de Ai. (...) Os israelitas tomaram para si os rebanhos e o espólio da cidade, conforme o Senhor havia ordenado a Josué. Josué incendiou a cidade de Ai, reduzindo-a para sempre a um montão de ruínas, como ainda hoje está.»
- Antigo Testamento, Josué, 24-27

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