sexta-feira, janeiro 13, 2006

A Tortura perfeita



Não duvido, em modo ou tempo algum, que se trata de pura boataria, ficção das mais alucinadas, essa tese peregrina de que a Polícia Judiciária andou, numa sôfrega empreitada, a escutar os mais altos dignitários da nação. Pelo menos o mais alto de todos, é absurdo .
Ninguém no seu perfeito juízo escuta o que o Dr Gorge Sampaio diz. Sobretudo nos lugares públicos, mas ainda menos em privado. Deveio mesmo uma regra democrática e um preceito de higiene mental pública fundamentais. Em primeiro lugar, porque o que o presidente da república diz, toda a gente já percebeu, é irrelevante e sem qualquer consequência ou utilidade, a não ser para sofredores de insónia profunda. Em segundo lugar, porque as pessoas andam geralmente ocupadas a escutar o que dizem figuras realmente importantes –e determinantes para as suas existências e felicidades -, como sejam os presidentes dos clubes de futebol, especialmente o do Benfica, os jogadores e treinadores de futebol, sobretudo o Simão Sabrosa, e os empresários de futebol, com destaque para os candongueiros de Papoilas Saltitantes. Fora isso sobra-lhes tempo, à justa, para escutar o que dizem os actores das telenovelas, os trinados pimba do momento, o José Castelo-Branco e as sereias irresistíveis da propaganda bancária e da publicidade global.
Raia, portanto, não apenas o absurdo mas também o inverosímil alegar-se que alguém andou a escutar o Dr. Gorge Sampaio. Eu, pessoalmente, recuso-me a acreditar. Monto barricada e preparo-me para vender cara a pele; daqui não arredo pé e muito menos fé. Até por uma questão de imperativos gramaticais: “Escutar o Gorge”, tal qual “acreditar no Soares”, “confiar no Cavaco”, “optar Alegre”, “aturar o Jerónimo” ou “votar Louçã”, são verbos não apenas intransitivos, como intransitáveis, inconjugáveis e aberrantes. Se me disserem que gravações de solilóquios ou paleios do inefável grulha são utilizados em projectos de vanguarda, nalguma instituição psiquiátrica, como sedativo para furiosos incuráveis, ah bem, aí não discuto, não sou parvo, acho perfeitamente plausível, senão mesmo condenado ao sucesso. Agora alguém, por sua livre e espontânea vontade, obrigar-se a escutar aquilo... ainda mais a Judiciária, que é uma instituição séria, de gente adestrada e profissional no raciocínio lógico-dedutivo, tenham paciência, mas não nasci ontem. Vão endrominar totós!...
Bem, a não ser que faça parte do novo código disciplinar da Polícia. Como forma interna de castigo. Ou então... (ocorre-me de repente mas custa-me sequer a conceber tal horror) como sofisticação sinistra nas fórmulas de interrogatório, quer dizer, de tortura... Antigamente, como bem sabemos, de modo a extrair confissões, expunham os arguidos à privação do sono. Agora, com mil macacos!, querem ver que os obrigam a ficar acordados ao mesmo tempo que lhes passam gravações de prédicas ou colóquios do Dr. Gorge Sampaio!...
Deus lhes acuda!, mesmo para criminosos empedernidos, para facínoras impenites capazes de chacinar progenitores e primogénitos, é desumano!... Desumano é pouco. Escalfúrnio e ogresco, se estimamos o rigor!... E, não obstante, perfeito. Ou melhor, perfeita: a tortura perfeita.

4 comentários:

Dunyazade disse...

És mesmo sacana, lol!
Mas exteriorizas aquilo que eu sinto por dentro.

Ai esta capacidade de discurso, quem ma dera ter!

Anónimo disse...

Ó gadelhas, tu muito engadelhas!...
Já experimentaste dar banho ao "gato molhado" do PGR?... Se não o fizeres, alguém o deverá fazer por ti...

Anónimo disse...

O Dragão desta vez acertou em cheio. E fez-me rir. Imaginar a tortura, "Não, não, mais não, por favor, eu digo tudo!..."

Anónimo disse...

Sátira com requinte!
Pode repetir a dose p. f.