Aproveitando esta maré de excêntricos memoráveis, relembro agora um dos heróis do crepúsculo da minha adolescência: Alfred Jarry. "Jarry, o que pistola", como ele próprio afirmava.
Mais uma vez, socorro-me de Breton, na sua obra (aliás, a única de jeito) "Antologia do Humor Negro".
Ao fazer da sua própria vida literatura, replicando na vida real o mais famoso dos seus personagens da ficção, Jarry, mais ainda que a nave espacial "Enterprise", foi "aonde nenhum homem fora antes". Os episódios lendários da sua existência dariam, por si só, um livro, e que livro!....
Num jantar de artistas, dispara à queima-roupa e sem mais preâmbulos sobre o pintor Manolo, "culpado, segundo afirma, de lhe ter feito propostas desonestas". Aos amigos, que o retiram tumultuosamente do local, esforçando-se por serená-lo, declara: »Pois não era bonito, como literatura?...»
(Devia ser espanhol, o pinta-monos, pelo que não só era bonito, como necessário. Digo eu.)
Noutra ocasião, assistindo na companhia de Apollinaire a uma representação do circo Bostock (um nome, no mínimo, ubuesco), aterroriza os espectadores limítrofes, cismando convencê-los dos seus formidáveis dotes de domador, empunhando e exibindo perigosamente a pistola.
Os últimos anos da sua vida testemunham um Jarry/Rei Ubu que, em todas as conversações, mesmo as mais banais, substitui o "eu" por um majestático "nós". Patafísico em acção, de gorro de peles e pantufas, é armado de duas pistolas, reforçadas por uma grossa bengala chumbada, que atravessa Paris e comparece, todas as noites, em casa do doutor Saltas. Na véspera da morte, ao inquiri-lo este sobre o que porventura lhe daria maior prazer, Jarry responde: "Um palito."
Mas, de todos os episódios, aquele que, em meu entender, alcança os píncaros raros do humor negro, acontece num jardim público, onde Jarry se "diverte a desarrolhar uma garrafa de champanhe a tiros de pistola". Naturalmente, algumas das balas ricocheteiam, a zunir, pelas redondezas. Subitamente, em escândalo mais que justificado, irrompe uma senhora cujos filhos brincavam do outro lado da cerca.
-"Já pensaram que ele podia ter-lhes acertado?!..." -Brada ela, indignada.
-"Ora! - Retruca, Jarry, imperturbável. - Não se preocupe, minha senhora, que nós fazemos-lhe outros.»
10 comentários:
este Jarry era genial. Mas estes intelectuais, estas loucuras e irreverências desapareceram para sempre...
agora ando tudo ca cuidar da carteirinha
Patafísico em acção!... Alfred Jarry, o 'Monsieur Ubu', foi o presidente do Colégio dos Patafísicos, que reuniu Ionesco, Prévert, Queneau, Vian, entre outros. É certo que a simpática instituição foi fundada em 1948, mais de 40 anos sobre a morte de Jarry e as opiniões do Dr. Faustroll, mas por que raio é que só os vivos podem presidir às colectividades?!... Um morto, caramba, também tem direitos. Sobretudo um morto como Jarry, que fundou em vida o teatro do absurdo.
Gosto muito de você, dragãozinho...
Eu ainda gosto mais...
Este circo estava mesmo a necessitar de um aferidor de pesos e medidas... Compete ao dragãozinho promover o concurso público para seleccionar o dito cujo.
Tenho uma ideia melhor: estou a pensar abrir um harém.
Não é bem pensado?...
Não, não quero. Tem de escolher, ou a Silvia, ou eu.
O Dragão zangou-se; pelo post acima sente-se o calor das labaredas. Também, não se pode brincar nem um bocadinho!...
Dragãozinho,
bem que podias ser mais original...
Viva Ubu-Roi, mas que o dragão se consuma no seu fogo...ou que a gasolina se esgote.
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