O píncaro é inseparável do abismo. Da mesma forma, o dom é só a face luminosa da maldição. Donde não surpreende que o génio, invariavelmente, seja um homem assombrado com o idiota que há em si.
Só mesmo uma inteligência superior para descortinar a sua própria estupidez. E, sobretudo, para conseguir criar com ela algo diferente dela. Ao contrário do perfeito estúpido; esse, imune a quaisquer dúvidas ou reflexões para além da superfície das coisas, vacinado e circuncisado contra píncaros e abismos, cidadão geralmente exemplar, refina-se em multiplicá-la e proliferá-la na forma de mundo. A sua estupidez é o seu mundo. Deixa-se ficar, subjugado por essa montanha retumbante, sobranceira, e acredita que para lá dela nada existe. É um escavador nato, um rato tenaz. Escava poços e minas, galerias e labirintos à procura dos tesouros imensos que crê, piamente, nela ocultos.
Odeia sobretudo esses homens raros de olhar resoluto, longínquo, que partem ao assalto da falésia, à conquista da formidável escarpa. Aqueles que, da estupidez descomunal, não fazem horizonte, mas degrau. Aqueles que não compreendem que a estupidez os desafie de mais alto que as suas cabeças e não descansam enquanto a não calcam debaixo dos pés.
O génio é uma forma danada de alpinismo. E, seguramente, tão temerário e inútil quanto ele.
5 comentários:
Ó "João Garcia" da Estrela, volta já para casa! Já!
Eu cá saltava e era um belo mergulho.
Quanto ao teu texto é belíssimo.
Por isso estás no Plagiadíssimo.
Fica bem
Havia de ser filho meu! Um bom par de lambadas é que era!
Bravo!!!
O seu texto é excelente, mais uma vez; contudo não concordo na totalidade com o advérbio "seguramente" para atestar a inutilidade, por não me parecer que quer o alpinismo quer a genialidade sejam inúteis.
Enviar um comentário