Em Portugal –seria até divertido se não ameaçasse já despenhamento dos píncaros do anedótico -, porfia-se denodadamente na refundação de algo que não existe: a Direita; em rebate e mobilização geral contra algo que não passa duma miragem: a Esquerda.
Olha-se à volta e, na essência, entre as inflamadas facções, cada qual a escamar-se e a espojar-se mais que a outra, vislumbram-se diferenças meramente topográficas: o ponto de referência chama-se tacho, essa nossa forma ufana e comezinha de poder. Há os que estão dentro e os que estão fora. Quando vão dentro, passa-lhes logo a espiritualidade, a peregrinação da identidade, o burilar dos princípios: é todo um tocar a reunir e, sobretudo, a fartar. Dito por outras palavras: na tese digladiam-se; na prática confundem-se.
Sejamos francos: A alegórica esquerda, regra geral, serve como pretexto para a bandalheira. “Não senhor, não é porque sou um bandalho, retinto e escarrado, que faço, digo e penso estas lindas coisas, porque ser um bandalho não dá trabalho nenhum, é extremamente relaxante para a alminha, um tranquilizante supimpa para a consciência! Não, caro senhor, eu, que aqui me vê, ao volante desta deslavada sonsice, eu, registe-o bem, sou de Esquerda. Tenho este salvo-conduto! Esta carta de canonização antecipada e vitalícia! Esta vacina contra todos os males da humanidade... E mesmo quando chacino, quando deturpo, quando enveneno ou vigarizo a esmo é sempre com a melhor das intenções, eivado do mais caritativo espírito! E se conspurco, se emporcalho é sempre com os maiores cuidados higiénicos, rodeado de preceitos anti-sépticos avançadíssimos. Nada de pessimismo, havemos de conseguir!...”
Já a mitológica Direita, regra não menos geral, serve de providencial desculpa para a filha-da-putice mais estanhada. “Não senhor, não é porque sou um filho da puta, um refinado e doutorado escroque, que me enrodilho nestas práticas e me adorno nestas teses da mais perfumada velhacaria; eu, cavalheiro, anote lá aí na sua agenda, sou de Direita! Com toda a pompa e circunstãncia, ouviu bem?... De casta selecta, região demarcada e LOP. Estou aqui de sentinela, de plantão, de atalaia contra os regabofes da esquerda; de guarda às saias da civilização e de piquete às fraldas da economia – tenho este pergaminho, senhor, esta herança, este privilégio! Nunca esquecendo esta carta de corso passada, entre outros, por Deus Nosso –mas sobretudo meu – Senhor. Pode parecer que me entrego à cleptolatria compulsiva, que levo Jesus na boca e Mamon no coração, mas isso é para quem não entende toda a minha enorme e complexa subtileza, a minha finura afectada, a minha untuosa coolness. Sim, sim, porque eu, aqui onde me vê, ao leme desta supersónica hipocrisia, sou um benemérito! Eu crio emprego e riqueza, como os pobretanas criam dívidas e os meus lacaios aduladores amamentam idílios tansos!... Nada de optimismos, não permitiremos quaisquer veleidades!...”
Em resumo: a putativa esquerda sabe o que a imaginária direita é, e vice-versa. Sabem-no perfeitamente, sem margem para dúvidas. E têm razão. Só não sabem quem elas próprias são. É, pois, no preceito délfico, que falham: não se conhecem a si mesmas. Estão perplexas –e também absortas, obsidiadas – diante do espelho. Ambas conseguem discernir na perfeição os defeitos e vícios da outra. Tão bem, que, por regra, até os usam para encobrir ou mascarar os seus. E com tal gula, com tal afã, num tumulto de tal modo histérico, que, entretanto, nem lhes sobra tempo para vislumbrar quaisquer virtudes. Nem as dos outros, nem, tão pouco, as suas. Por mais que se esforcem, não conseguem.
Infelizmente, o observador isento, frio e distanciado, também não.
Olha-se à volta e, na essência, entre as inflamadas facções, cada qual a escamar-se e a espojar-se mais que a outra, vislumbram-se diferenças meramente topográficas: o ponto de referência chama-se tacho, essa nossa forma ufana e comezinha de poder. Há os que estão dentro e os que estão fora. Quando vão dentro, passa-lhes logo a espiritualidade, a peregrinação da identidade, o burilar dos princípios: é todo um tocar a reunir e, sobretudo, a fartar. Dito por outras palavras: na tese digladiam-se; na prática confundem-se.
Sejamos francos: A alegórica esquerda, regra geral, serve como pretexto para a bandalheira. “Não senhor, não é porque sou um bandalho, retinto e escarrado, que faço, digo e penso estas lindas coisas, porque ser um bandalho não dá trabalho nenhum, é extremamente relaxante para a alminha, um tranquilizante supimpa para a consciência! Não, caro senhor, eu, que aqui me vê, ao volante desta deslavada sonsice, eu, registe-o bem, sou de Esquerda. Tenho este salvo-conduto! Esta carta de canonização antecipada e vitalícia! Esta vacina contra todos os males da humanidade... E mesmo quando chacino, quando deturpo, quando enveneno ou vigarizo a esmo é sempre com a melhor das intenções, eivado do mais caritativo espírito! E se conspurco, se emporcalho é sempre com os maiores cuidados higiénicos, rodeado de preceitos anti-sépticos avançadíssimos. Nada de pessimismo, havemos de conseguir!...”
Já a mitológica Direita, regra não menos geral, serve de providencial desculpa para a filha-da-putice mais estanhada. “Não senhor, não é porque sou um filho da puta, um refinado e doutorado escroque, que me enrodilho nestas práticas e me adorno nestas teses da mais perfumada velhacaria; eu, cavalheiro, anote lá aí na sua agenda, sou de Direita! Com toda a pompa e circunstãncia, ouviu bem?... De casta selecta, região demarcada e LOP. Estou aqui de sentinela, de plantão, de atalaia contra os regabofes da esquerda; de guarda às saias da civilização e de piquete às fraldas da economia – tenho este pergaminho, senhor, esta herança, este privilégio! Nunca esquecendo esta carta de corso passada, entre outros, por Deus Nosso –mas sobretudo meu – Senhor. Pode parecer que me entrego à cleptolatria compulsiva, que levo Jesus na boca e Mamon no coração, mas isso é para quem não entende toda a minha enorme e complexa subtileza, a minha finura afectada, a minha untuosa coolness. Sim, sim, porque eu, aqui onde me vê, ao leme desta supersónica hipocrisia, sou um benemérito! Eu crio emprego e riqueza, como os pobretanas criam dívidas e os meus lacaios aduladores amamentam idílios tansos!... Nada de optimismos, não permitiremos quaisquer veleidades!...”
Em resumo: a putativa esquerda sabe o que a imaginária direita é, e vice-versa. Sabem-no perfeitamente, sem margem para dúvidas. E têm razão. Só não sabem quem elas próprias são. É, pois, no preceito délfico, que falham: não se conhecem a si mesmas. Estão perplexas –e também absortas, obsidiadas – diante do espelho. Ambas conseguem discernir na perfeição os defeitos e vícios da outra. Tão bem, que, por regra, até os usam para encobrir ou mascarar os seus. E com tal gula, com tal afã, num tumulto de tal modo histérico, que, entretanto, nem lhes sobra tempo para vislumbrar quaisquer virtudes. Nem as dos outros, nem, tão pouco, as suas. Por mais que se esforcem, não conseguem.
Infelizmente, o observador isento, frio e distanciado, também não.
1 comentário:
...e constatando tudo isto só me resta dificultar-lhes a vidinha o mais possível.
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