sábado, novembro 05, 2005

Os jovens

Estou aqui, há meia dúzia de dias, a fazer um esforço tremendo, ciclópico, para tentar compreender aqueles jovens que andam a incendiar Paris. Tento imaginar as terríveis injustiças de que foram vítimas; as explorações desumanas a que se viram, desde o berço –que digo eu, desde a barriga da mãe, desde os testículos do pai, do avô-, sujeitos; as condições infames em que têm vegetado; os desprezos, opróbrios e desconfortos a que têm sido votados; a falta crónica de bens essenciais –como telemóveis de Terceira geração, roupas de marca, férias nas Caraíbas, Hi-Fis High-tech, mercedes CLK, etc, etc-, em que exasperam; a ausência de perspectivas nos altos cargos da política e da ociosidade bem remunerada; enfim, todas essas coisas básicas que preenchem o ego de um ser humano moderno e emancipado. É o mínimo que posso fazer, penso eu, em solidariedade com estas pobres vítimas do sistema, do racismo e da xenofobia. Juro que me concentro, que espremo a mioleira, que esmifro o pensamento, chego a suar em bica e a sentir que as têmporas quase me estoiram. É verdade que sim, um raio me parta se esta não é a mais pura das verdades. Mas, em vez disso, e por mais que tente, que gema a esforçar-me, sou torpedeado -nessa minha louvável sintonia - por imagens parasitas, por ideias recorrentes, por fantasias perturbadoras, enfim, por mil e uma interferências levadas da breca. Quer dizer, em parte consigo conceptualizar esses abençoados jovens, vislumbro até, com alguma nitidez, as seus halos de santidade, as asinhas e a penugem que lhes decora, a todos, sem excepção, o dorso... Sim, lá os espreito, mas, ó horror, nunca sozinhos, nunca apenas eles, dourados, sublimes, protagonistas em mais uma batalha épica pela justiça social e o progresso do mundo. Junto deles, atrás deles, à porrada de criar bicho neles, irrompem-me invariavelmente, e com uma nitidez ainda maior, com uma beleza que chega a doer de tão real, tão urgente, tão necessária, pois surgem-me, vejam lá bem, vários batalhões da Legião Estrangeira, uns quantos esquadrões de cavalaria motorizada e uma operação de Cerco e Limpeza à boa maneira antiga. Ah, mas que contratempo, que boicote! Eu a tentar concentrar-me nos jovens, e os legionários, manobrando na perfeição, constantemente a sobreporem-se. Pior: a limparem deles as ruas, com desembaraço, com rudeza exemplar. Até os oiço rugir, em tom determinado: “Vamos lá desratizar esta merda!!”
Dão-me cabo dos jovens, aqueles filhos da puta. Escavacam-me toda aquela juventude abnegada, os cabrões. A tiro, a pontapé, à coronhada, estragam-me o filme todo. Arruinam-me o argumento. Distraem-me da essência. Sim, porque a certa altura, também eu, inebriado com o brilhantismo da repressão, entusiasmado com as formidáveis biqueiradas, dou comigo mais interessado já na beleza das manobras do que propriamente na justiça dos jovens.
Caralho, e bem que eu me esfalfo a tentar compreendê-los. Mas não hei-de desistir!... Só que, entretanto, lá estão a enfiá-los, à molhada, em Cês-130 e a recambiá-los a procedência...Chega a ser deslumbrante...
Foda-se, Dragão, concentra-te!...

7 comentários:

zazie disse...

é tramado ter-se essas ideias...
e ainda é mais tramado porque apenas resta ter essas ideias...

Anónimo disse...

O pior é que os cabr... dos franceses ainda nos vão arranjar um caldinho no flanco sul. Os adversários não me preocupam. Os inimigos, sim. São esses afrancesados que nos governam, são essas molduras 'império' que ainda temos penduradas nas nossas paredes...
Mas também tenho sonhos desses.
A 'conversão' da França seria possível? Não me estou a referir ao Islamismo. Os 'astérix' de m.... já se esqueceram que um Cruzado francês libertou o túmulo de Cristo? Enfim, haja esperança.
Um abraço.
Interregno (JSM)

Susana Bês disse...

Respondi à visita do Dragão. Não acho que isto vá à base de tau-tau...

zazie disse...

pois não Susana. Há quem pense o mesmo e fique na sombra enquanto os miúdos fazem o trabalho por eles.

MP disse...

Pois é Zazie, o problema são mesmo as sombras.

nana disse...

não são santinhos, até podem ter razões, mas já a perderam ao escolher a violência como expressão de descontentamento.
É uma forma especialmenrte sinistra de terrorismo, estes "meliantes não merecem ser chamados de "franceses", pela estima que demonstram ao povo e país.
Também tenho destes delírios radicais, mas a solução não está fácil!!
A opção do helicóptero com o foco forte que te pareceu?
Paris, a cidade da Luz, a cidade dos meus sonhos está num alvoroço!
parece surreal!!

nana disse...

independentemente do conteúdo do post,gostei muito de lê-lo, mesmo com o vernáculo final, escreves lindamente!
;)