Na última dezena de postais, exceptuando o do Caguinchas, o Dragoscópio atingiu níveis literários inauditos e requintes estético-filosóficos jamais sequer imaginados. O sucesso da iniciativa, esse, se não foi retumbante, andou lá próximo. O contador de “credibilidade” e inteligência disparou. A caixa de emails foi inundada de felicitações e brados rejubilantes das mais diversas proveniências. Vários blogues celebraram mesmo, como se de uma efeméride apoteótica se tratasse. Só foi pena este momento de glória ter sido estragado por uma comentadora anónima que, infelizmente, mas com perspicácia sherlockiana de verdadeira Agatacrista, descobriu que eu, um réptil manhoso, tinha plagiado todo este monumento dos “arquivos” do 001.blogspot.com.” Bem que eu desconfiava, carpi para com as minhas escamas: um prodígio destes não poderia jamais ser obra do meu exclusivo e nanofónico talento.
Que vergonha, exclamareis vocês, um dragão desse tamanho a plagiar blogues incautos. E estais cobertos de razão. Uma vergonha, um despautério, de facto! Mas é mais forte que eu, é compulsivo: levanto-me a meio da noite, num transe ambulatório de perfeito zombie, ligo o computador e desato a plagiar blogues. Insaciavelmente! A minha mulher, em desespero, coitada, farta de ver o marido fugir-lhe da cama nestes ignóbeis propósitos, já tentou agrilhoar-me, feito Prometeu, de corrente grossa e cadeado, aos pés do tálamo, mas em vão. Por artes houdiniescas que só o Diabo saberá explicar, evado-me com uma perna às costas - perfeito mestre iogi, portanto – e, ao pé coxinho, lá vou premir teclas e fitar o écran, com um esgar obsessivo que não destoaria nas melhores alas psiquiátricas. Transformado num sedento nosferatu dos blogues, atravesso, assim, sinistro e torpe, a noite funesta. O médico, para onde a Senhora Dragão me transumou sob ameaça de divórcio, teve a amabilidade de me explicar que se trata, sem sombra de dúvida, de um noctambulismo plagiopata, maleita tão rara quão diabólica, que à inconveniência de compulsiva adiciona as desgraças de ser incurável e hereditária. O que, de resto, a minha mãe confirma: parece que também já o meu pai lhe fugia da cama a desoras para ir plagiar o “Almanaque Borda d’Água”. E a minha avó, em passagens amarguradas do seu diário, atribui ao meu avô idênticas evasões, de índole crónica, durante as quais esse meu antepassado, qual hiena faminta, se locupletava sofregamente com páginas inteiras do “Século Ilustrado” e da revista “Orpheu”. Ou seja, como se já não bastasse ser incurável e hereditária, a puta da doença é também degenerativa. Em cada nova geração, decai. Se eu já plagio blogues, imagino que os meus filhos acabarão a plagiar mensagens SMS de teenagers assexuados, e os meus netos, provavelmente, outdoors publicitários ou grafittis de casa de banho. Quanto aos bisnetos, nem quero pensar: apenas por obra santa dum qualquer milagre inopinado, escaparão aos romances das descendentes obesas da nossa Margarida Rebelo Pinto.
Comprenderão, portanto, Vosselências, a minha angústia. Não se trata apenas de ser um monstro: trata-se, ai de mim, de pertencer a uma dinastia aberrante. Das muitas catástrofes que um tipo pode coleccionar na vida, convireis que esta não é das insignificantes. Foi um choque, quando recebi tal diagnóstico. Rangendo no mais profundo dos alicerces, num acesso desvairado, lancinante, apelei à compreensão e à piedade do bom galeno: “Doutor, mas não há qualquer fármaco, terapia ou intervenção cirúrgica que, ao menos, atenuasse este horror obsidiante? Escute, que me impedisse, ao menos, de plagiar o “Abrupto”, a “Bomba Inteligente”, o “minisciente”, o “Casmurro” e merdas inomináveis dessas?!...Diga-me que há, doutor, suplico-lhe!...Um bloqueante parcial para esta minha voracidade maesltrónica, por amor de Deus!...”
O clínico fitou-me, visivelmente comiserado, mas, pragmático como todos os homens de ciência, começou por tentar uma abordagem pedagógica, esforçando-se por aclimatizar-me à realidade:
“Caro senhor, bem que eu gostava, mas, bem vê, são demasiadas merdas, o que me pede é um milagre. Ora, eu sou apenas médico, não sou santo, e muito menos Jesus. E, repare bem, além desses mixordeiros encartados, existem outros da mesma estirpe - em embrião, em incubação, alguns até em aparente confronto mas no fundo merdas iguais, com fornicoques de antena, com gravidezes histéricas-, que nunca mais acabam... é que são quase infinitos! Mesmo que a ciência desenvolvesse um filtro eficaz, inteligente, tornar-se-ia praticamente impossível programá-lo. E se for a ver bem, plagiar fulano ou plagiar sicrano, não faz grande diferença. É tudo um imenso parlamento, ou palramento se preferir, ou balde de minhocas, se cismar de estar com rigores. Uns dão mais nas vistas, outros dão menos, uns estão mais acima, outros mais abaixo, mas são quase todos, dum modo geral, plenamente intercambiáveis. Vamos, sossegue, compenetre-se, tente conviver o melhor possível com a sua doença. Olhe, procure ver o lado positivo, há sempre um lado positivo... Envaideça-se, por exemplo, de ser um caso praticamente único no mundo, por ser portador duma doença raríssima, capaz de deslumbrar anfiteatros apinhados de cientistas, suficiente para levar ao tumulto congressos de investigadores babosos. Sim, pense bem, quantas mais pessoas neste mundo se podem gabar de sofrer de noctambulismo plagiopata dragonaris? Já viu bem? Nenhuma! Essa é que é essa!...Até do prisma religioso tem o seu fascínio: Deus, por um qualquer imperscrutável e transcendente desígnio, elegeu-o, ungiu-o, destacou-o, caro paciente!...”
Ele bem me tentava animar, mas eu, em pensando no “Abrupto” e seus pares, despencava por falésias de desespero abaixo, abanava a cabeça e rilhava os dentes. Ao ocorrer-me o “Causa Nossa”, o “Renas e Veados” e o “Rua da Judiaria”, então, não me contive mais: a espumar da boca, soltei um uivo desumano e fiz menção de me atirar da janela o quanto antes, como naquela cena final do “exorcista” em que o padre, levado literalmente do Diabo, rebola pelas escadas. Realço que estávamos num sexto andar, mas isso era o menos, o problema foi que a janela estava fechada e o vidro, sendo blindado ou coisa que o valha, motivou que eu ricocheteasse caprichosamente, perfazendo em seguida, por via dum bilhar verdadeiramente infernal, uma série de estragos e desarrumações no consultório. O esculápio só então compreendeu da genuína gravidade do caso. Notoriamente preocupado com o mobiliário, mudou de estratégia. Até porque o meu olhar alucinado, farolinando por entre urros medonhos, não augurava felizes desenlaces. Finalmente sensibilizado, achou por bem lembrar-se que afinal sempre havia um remédio experimental, ainda em fase de testes, que eu, sob minha inteira responsabilidade e juramento de sigilo absoluto, podia ingerir.
Deu-me então um tubo de pílulas coloridas...Sabiam a smarties.
Tenho-me empanzinado neles, mas os almejados efeitos tardam. O mais que consegui até agora foi uma diarreia outonal. Também rezo. Rezo muito, eu e toda a família. Fizeram-se promessas, rastejarei até Fátima se a Nossa Senhora se dignar interceder por este pobre desventurado lá nos Céus. À cautela, consultaram-se bruxas e áugures (todos, penso, menos o Luís Delgado –aliás, ao pensar nele e na colega dele, a rata Ferreira Alves, adensa-se o regime de terror em que vivo: e se esta minha moléstia piora e desato, além de blogues, a plagiá-los também a eles? Não serão os blogues já um prenúncio alarmante disso mesmo, uma antecâmara? Suo em bica e quase me borro pelas pernas abaixo só de pensar nisso...)
Mas, dizia eu, não há terapêutica e profilaxia que não se tenha ensaiado. Mandei que me trancafiassem num quarto sem janelas, de paredes reforçadas e porta de segredo; mas dado que, mal o sol se põe, me consigo transformar em neblina ou gás mostarda, não resultou. Escapei pelas frinchas e fui plagiar ainda mais selvaticamente do que antes. Nessa noite, nem blogues de gajas escaparam (não confundir gajas com senhoras, há todo um mundo de diferenças que a seu tempo explicarei).
Em seguida, retiraram-se todos os computadores de casa –o meu, o da Srª Dragão, os dos filhos, o da criada, o do fantasma do trisavô Raimundo que vive no sotão e o do cão Toby Shandy que também é gente, mas foram dar comigo de colmilhos espetados no terminal ADSL, a sugar os arquivos dum blogue intimista e os anúncios de novos espectáculos do “Gato fedorento”. Descobriu-se então, com horror indescritível, que possuo dentadura modem. À força de crucifixos e água benta, lá me conseguiram disciplinar o resto da noite, encurralado na dispensa. Mas os uivos e rugidos lúgubres foram tais que a vizinhança, que vive para lá do arvoredo, do outro lado do rio, telefonou à GNR, alarmada, supondo a quinta tomada de assalto por monstros alienígenas raivosos (ou jovens parisienses, passe o pleonasmo).
Por fim, retiraram-se todas as cablagens da casa - eléctricas, telefónicas, etc, bem como a antena de televisão (não me desse para vampirizar a “revolta dos Pastéis de Nata”, uma merda inconcebível a que, por isso mesmo, eu chamaria um petisco), e mandou-se vir um cubo de vidro hermético e inquebrável onde me encerraram cinco minutos antes do crepúsculo, cercado de crucifixos, grinaldas de alho e fotografias do Padre Borga, do Manuel Luís Gouxa e do Dr. Jorge Sampaio. Montaram vigília armada, supervisionados via telemóvel por um holandês descendente do Dr. Van Helsing. É um facto que o meu corpo permaneceu imóvel e sereno toda a santa noite, feito um autêntico feio adormecido. Parecia que, desta vez, a terapêutica resultara. Os júbilos e regozijos do dia seguinte, no entanto, só duraram até ao meio-dia, quando, num cibercafé das redondezas, ao abrirem o “dragoscópio”, descobriram, com assombro desorbitado, que eu também plagiava telepaticamente. Plagiava e, claro está, blogava. Os despojos esventrados e ainda quentes de vários blogs liberais em forma de post atestavam disso mesmo. Confirmavam-se as piores suspeitas: sou um vampiro iogi.
Não sei o que vai ser de mim. Ninguém sabe. À luz do dia sofro angústias indizíveis, padeço a treva que se aproxima e o triste fado que um qualquer Deus cruel e impiedoso me aspergiu por sina. Estremeço e quase lacrimijo ao matutar no meu futuro. Hesito entre o suicídio e a eutanásia. Sonho com estacas afiadas e balas de prata que me libertem desta canga... Com o Conde Drácula partilho a maldição, se bem que inversa: ao cair da noite, enquanto ele se erguia da sepultura, para se empanturrar nos vivos, eu mergulho nelas, nas sepulturas, para me banquetear nos mortos. E nos mortos-vivos. E nos cadáveres adiados que já mal procriam.
Uma coisa, infelizmente, é certa: Nada nem nenhum processo conhecido me conseguem deter. A noctambulia plagiopata dragonaris é imarcescível, irresistível, implacável. Transporta-nos a horrores infinitos e inimagináveis ao comum dos mortais.
Resta-me pedir perdão ao desgraçado de quem plagiei este postal.
Que vergonha, exclamareis vocês, um dragão desse tamanho a plagiar blogues incautos. E estais cobertos de razão. Uma vergonha, um despautério, de facto! Mas é mais forte que eu, é compulsivo: levanto-me a meio da noite, num transe ambulatório de perfeito zombie, ligo o computador e desato a plagiar blogues. Insaciavelmente! A minha mulher, em desespero, coitada, farta de ver o marido fugir-lhe da cama nestes ignóbeis propósitos, já tentou agrilhoar-me, feito Prometeu, de corrente grossa e cadeado, aos pés do tálamo, mas em vão. Por artes houdiniescas que só o Diabo saberá explicar, evado-me com uma perna às costas - perfeito mestre iogi, portanto – e, ao pé coxinho, lá vou premir teclas e fitar o écran, com um esgar obsessivo que não destoaria nas melhores alas psiquiátricas. Transformado num sedento nosferatu dos blogues, atravesso, assim, sinistro e torpe, a noite funesta. O médico, para onde a Senhora Dragão me transumou sob ameaça de divórcio, teve a amabilidade de me explicar que se trata, sem sombra de dúvida, de um noctambulismo plagiopata, maleita tão rara quão diabólica, que à inconveniência de compulsiva adiciona as desgraças de ser incurável e hereditária. O que, de resto, a minha mãe confirma: parece que também já o meu pai lhe fugia da cama a desoras para ir plagiar o “Almanaque Borda d’Água”. E a minha avó, em passagens amarguradas do seu diário, atribui ao meu avô idênticas evasões, de índole crónica, durante as quais esse meu antepassado, qual hiena faminta, se locupletava sofregamente com páginas inteiras do “Século Ilustrado” e da revista “Orpheu”. Ou seja, como se já não bastasse ser incurável e hereditária, a puta da doença é também degenerativa. Em cada nova geração, decai. Se eu já plagio blogues, imagino que os meus filhos acabarão a plagiar mensagens SMS de teenagers assexuados, e os meus netos, provavelmente, outdoors publicitários ou grafittis de casa de banho. Quanto aos bisnetos, nem quero pensar: apenas por obra santa dum qualquer milagre inopinado, escaparão aos romances das descendentes obesas da nossa Margarida Rebelo Pinto.
Comprenderão, portanto, Vosselências, a minha angústia. Não se trata apenas de ser um monstro: trata-se, ai de mim, de pertencer a uma dinastia aberrante. Das muitas catástrofes que um tipo pode coleccionar na vida, convireis que esta não é das insignificantes. Foi um choque, quando recebi tal diagnóstico. Rangendo no mais profundo dos alicerces, num acesso desvairado, lancinante, apelei à compreensão e à piedade do bom galeno: “Doutor, mas não há qualquer fármaco, terapia ou intervenção cirúrgica que, ao menos, atenuasse este horror obsidiante? Escute, que me impedisse, ao menos, de plagiar o “Abrupto”, a “Bomba Inteligente”, o “minisciente”, o “Casmurro” e merdas inomináveis dessas?!...Diga-me que há, doutor, suplico-lhe!...Um bloqueante parcial para esta minha voracidade maesltrónica, por amor de Deus!...”
O clínico fitou-me, visivelmente comiserado, mas, pragmático como todos os homens de ciência, começou por tentar uma abordagem pedagógica, esforçando-se por aclimatizar-me à realidade:
“Caro senhor, bem que eu gostava, mas, bem vê, são demasiadas merdas, o que me pede é um milagre. Ora, eu sou apenas médico, não sou santo, e muito menos Jesus. E, repare bem, além desses mixordeiros encartados, existem outros da mesma estirpe - em embrião, em incubação, alguns até em aparente confronto mas no fundo merdas iguais, com fornicoques de antena, com gravidezes histéricas-, que nunca mais acabam... é que são quase infinitos! Mesmo que a ciência desenvolvesse um filtro eficaz, inteligente, tornar-se-ia praticamente impossível programá-lo. E se for a ver bem, plagiar fulano ou plagiar sicrano, não faz grande diferença. É tudo um imenso parlamento, ou palramento se preferir, ou balde de minhocas, se cismar de estar com rigores. Uns dão mais nas vistas, outros dão menos, uns estão mais acima, outros mais abaixo, mas são quase todos, dum modo geral, plenamente intercambiáveis. Vamos, sossegue, compenetre-se, tente conviver o melhor possível com a sua doença. Olhe, procure ver o lado positivo, há sempre um lado positivo... Envaideça-se, por exemplo, de ser um caso praticamente único no mundo, por ser portador duma doença raríssima, capaz de deslumbrar anfiteatros apinhados de cientistas, suficiente para levar ao tumulto congressos de investigadores babosos. Sim, pense bem, quantas mais pessoas neste mundo se podem gabar de sofrer de noctambulismo plagiopata dragonaris? Já viu bem? Nenhuma! Essa é que é essa!...Até do prisma religioso tem o seu fascínio: Deus, por um qualquer imperscrutável e transcendente desígnio, elegeu-o, ungiu-o, destacou-o, caro paciente!...”
Ele bem me tentava animar, mas eu, em pensando no “Abrupto” e seus pares, despencava por falésias de desespero abaixo, abanava a cabeça e rilhava os dentes. Ao ocorrer-me o “Causa Nossa”, o “Renas e Veados” e o “Rua da Judiaria”, então, não me contive mais: a espumar da boca, soltei um uivo desumano e fiz menção de me atirar da janela o quanto antes, como naquela cena final do “exorcista” em que o padre, levado literalmente do Diabo, rebola pelas escadas. Realço que estávamos num sexto andar, mas isso era o menos, o problema foi que a janela estava fechada e o vidro, sendo blindado ou coisa que o valha, motivou que eu ricocheteasse caprichosamente, perfazendo em seguida, por via dum bilhar verdadeiramente infernal, uma série de estragos e desarrumações no consultório. O esculápio só então compreendeu da genuína gravidade do caso. Notoriamente preocupado com o mobiliário, mudou de estratégia. Até porque o meu olhar alucinado, farolinando por entre urros medonhos, não augurava felizes desenlaces. Finalmente sensibilizado, achou por bem lembrar-se que afinal sempre havia um remédio experimental, ainda em fase de testes, que eu, sob minha inteira responsabilidade e juramento de sigilo absoluto, podia ingerir.
Deu-me então um tubo de pílulas coloridas...Sabiam a smarties.
Tenho-me empanzinado neles, mas os almejados efeitos tardam. O mais que consegui até agora foi uma diarreia outonal. Também rezo. Rezo muito, eu e toda a família. Fizeram-se promessas, rastejarei até Fátima se a Nossa Senhora se dignar interceder por este pobre desventurado lá nos Céus. À cautela, consultaram-se bruxas e áugures (todos, penso, menos o Luís Delgado –aliás, ao pensar nele e na colega dele, a rata Ferreira Alves, adensa-se o regime de terror em que vivo: e se esta minha moléstia piora e desato, além de blogues, a plagiá-los também a eles? Não serão os blogues já um prenúncio alarmante disso mesmo, uma antecâmara? Suo em bica e quase me borro pelas pernas abaixo só de pensar nisso...)
Mas, dizia eu, não há terapêutica e profilaxia que não se tenha ensaiado. Mandei que me trancafiassem num quarto sem janelas, de paredes reforçadas e porta de segredo; mas dado que, mal o sol se põe, me consigo transformar em neblina ou gás mostarda, não resultou. Escapei pelas frinchas e fui plagiar ainda mais selvaticamente do que antes. Nessa noite, nem blogues de gajas escaparam (não confundir gajas com senhoras, há todo um mundo de diferenças que a seu tempo explicarei).
Em seguida, retiraram-se todos os computadores de casa –o meu, o da Srª Dragão, os dos filhos, o da criada, o do fantasma do trisavô Raimundo que vive no sotão e o do cão Toby Shandy que também é gente, mas foram dar comigo de colmilhos espetados no terminal ADSL, a sugar os arquivos dum blogue intimista e os anúncios de novos espectáculos do “Gato fedorento”. Descobriu-se então, com horror indescritível, que possuo dentadura modem. À força de crucifixos e água benta, lá me conseguiram disciplinar o resto da noite, encurralado na dispensa. Mas os uivos e rugidos lúgubres foram tais que a vizinhança, que vive para lá do arvoredo, do outro lado do rio, telefonou à GNR, alarmada, supondo a quinta tomada de assalto por monstros alienígenas raivosos (ou jovens parisienses, passe o pleonasmo).
Por fim, retiraram-se todas as cablagens da casa - eléctricas, telefónicas, etc, bem como a antena de televisão (não me desse para vampirizar a “revolta dos Pastéis de Nata”, uma merda inconcebível a que, por isso mesmo, eu chamaria um petisco), e mandou-se vir um cubo de vidro hermético e inquebrável onde me encerraram cinco minutos antes do crepúsculo, cercado de crucifixos, grinaldas de alho e fotografias do Padre Borga, do Manuel Luís Gouxa e do Dr. Jorge Sampaio. Montaram vigília armada, supervisionados via telemóvel por um holandês descendente do Dr. Van Helsing. É um facto que o meu corpo permaneceu imóvel e sereno toda a santa noite, feito um autêntico feio adormecido. Parecia que, desta vez, a terapêutica resultara. Os júbilos e regozijos do dia seguinte, no entanto, só duraram até ao meio-dia, quando, num cibercafé das redondezas, ao abrirem o “dragoscópio”, descobriram, com assombro desorbitado, que eu também plagiava telepaticamente. Plagiava e, claro está, blogava. Os despojos esventrados e ainda quentes de vários blogs liberais em forma de post atestavam disso mesmo. Confirmavam-se as piores suspeitas: sou um vampiro iogi.
Não sei o que vai ser de mim. Ninguém sabe. À luz do dia sofro angústias indizíveis, padeço a treva que se aproxima e o triste fado que um qualquer Deus cruel e impiedoso me aspergiu por sina. Estremeço e quase lacrimijo ao matutar no meu futuro. Hesito entre o suicídio e a eutanásia. Sonho com estacas afiadas e balas de prata que me libertem desta canga... Com o Conde Drácula partilho a maldição, se bem que inversa: ao cair da noite, enquanto ele se erguia da sepultura, para se empanturrar nos vivos, eu mergulho nelas, nas sepulturas, para me banquetear nos mortos. E nos mortos-vivos. E nos cadáveres adiados que já mal procriam.
Uma coisa, infelizmente, é certa: Nada nem nenhum processo conhecido me conseguem deter. A noctambulia plagiopata dragonaris é imarcescível, irresistível, implacável. Transporta-nos a horrores infinitos e inimagináveis ao comum dos mortais.
Resta-me pedir perdão ao desgraçado de quem plagiei este postal.
E agora desculpem-me, gostei muito do convívio, mas tenho que ir ali afiar os colmilhos. Há tanta porcaria à minha espera...
6 comentários:
Quintessência dragoneana, mais uma vez.
Uma autêntica piéce de résistence, comparável às peças de 8 minutos no antigo rock sinfónico de uns ELP ou até mesmo de uns Hawkwind.
Para entrares nos VDGG, terias que seguir o trilho dos palimpsestos e jurar que tudo já foi dito antes e cantar em cânone que "não há nada de novo debaixo do céu"!
Ou então, tocar um rock around the clock, com uma sílaba tónica no disco riscado: foi tudo plagiado com..."muito amor"!
Go ! Go! Go Johnny go! Johnny be good!
Ahahahahahah!
":O))) que peça!
amigo dragão
este post devia ser dissecado num qualquer doutoramento de merdas e literaturas modernas, sim senhor, estiveste muito bem
numa primeira leitura
porque razão o cão se chama Toby Shands (a onomatopaica não me agrada)
depois o Van Helsing, andas numa de fantasporco é?
finalmente vê lâ se arranjas um bicado de netética e metes os links onde te esqueceste de os meter
Raios te partam dragão! O que é que a tua mãe te misturou no leite?
Andas a perder um espectáculo circense, com eco no Blasfémias e num blog animado por um tal Ferreira que escreve em jornais?!
Estou à espera de ler aqui alguma coisa...
A festa já vai alta! O CAA ofendeu ligeiramente, mas ainda assim com direito a desculpa pública, que não deu, uma jornalista conhecida por ter sido companheira do teu ídolo VPV.
CAA não torce e não pede desculpa de nada.
Aparecem outros, de fora, a tomar as dores da dama ofendida ( de algum modo, sim, porque não se ofende uma senhora) e afinfam com insultos soezes ao CAA: é de imbecil para baixo!
E nada dizes? E nada escreves?!
Isto não pode ficar assim!
Que palhaçada, nem tinha visto... agora aparece para lá o RAF aos pulinhos, todo cheio de floreados a mandar o CAA retratar-se. Ganda lata, um sujeito que o não conhece de lado nenhum e foi convidado muito tempo depois, aos pulinhos em público com ar paternalista como se o blogue fosse seu...
Quanto ao outro tonto diz que quer ver o CAA dos pés à cabeça... qual deles o mais anormal.
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