Lá me arrastei até à Feira do Lixo. Exacto, leram bem: "Lixo". Eu soletro: L e i Li, x e o xo - LIXO! É já uma tradição nacional por esta altura do ano. Não sei porque persistem no eufemismo de "livro". Aquilo, livros, tem muito poucos, e dessa minoria, uma ínfima parte bem traduzida. Na maior parte das bancas vendem dejectos e compram dejectos: desde grandes poias paquidérmicas a pequenas caganitas de cabra, passando por excremento fóssil a fezes pós-modernas, modernas e hodiernas, de toda a espécie. Em matéria de trampa mental, há lá de tudo. Para uma sociedade de caprófagos, como a nossa, a coisa deve corresponder a uma espécie de "Tavares Rico" dos Hamburgueres; ou "Rei das farturas e almanaques". Para uma cultura de escatolatras, deve ser o paraíso. Passe-se nas redondezas duma tal "Oficina do Livro" e inale-se o aroma: aquilo fermenta e exala. A cem metros já desperta náuseas e vómitos. À mesma distância, já reverberam cores –são poias garridas, aquelas!- que ferem a vista e encandeiam o otário. "Compra, Toino, e pergunta se não tem também em tons pastel!"
Ao menos, fornecessem, à entrada, máscaras anti-gaz, daquelas que se usam em ambiente químio-bacteriológico; luvas para manusear o esterco, enfim. E, já agora, uma galochas de cano alto, umas pinças (para certas brocuras inenarráveis) e um contador de radiações. Mas nem um WC pato sequer! Seria simbólico, bem entendido, porque para ser eficaz teria que alcançar as dimensões duma basílica da Estrela. Porém, nicles. Para não variar, os tipos do Ministério do Ambiente e o Delegado de Saúde Pública andam a dormir.
Entretanto, os da Quercos, da DECO, da Green Peace, todos esses ambientalistas de pacotilha, não dormem. Não; esses ressonam. E os que não roncam grosseiramente, a lembrar ursos hibernantes, entregam-se com igual perfídia e não menor gana, à poluição. Ou seja, largam também, a concurso, bosta fumegante pelos escaparates. Calculo mesmo a série de montículos que um tal de Soromanho Marques, cujo pai era sapateiro e nem numas meias solas foi capaz de adestrar o rebento, para lá lastrou em exposição.
Mas quem aprecie estrumeiras, regale-se: É todo um monturo a céu aberto. Se as lixeiras de resíduos sólidos estão em declínio, cedendo ante a cavalgada asséptica dos aterros e co-incinerações, já o lixo mental, ao invés, vai de vento em popa (o que, reconheça-se, só serve para empestar ainda mais a aragem). Sem esquecer uma outra agravante: enquanto as lixeiras materiais, em nome da higiene, se realizavam em espaços recônditos, por norma afastados dos centros populacionais, ou pelo menos na sua periferia, estes vazadouros espirituais, pelo contrário, hinos descarados ao contágio, escolhem para local de conferência e congresso o coração da urbe, atravancando parques emblemáticos, conspurcando jardins centrais ou aviltando praças íntimas.
O panorama, não obstante, entre umas e outras, não varia muito. Se nas primeiras, também ditas municipais, como é típico e cada vez mais ex-libris desta nossa civilização, vagueiam espantalhos escanzelados em rusga de conduto, disputando a vermes, ratos, moscas e cães, restos comestíveis ou utensílios recicláveis, também nas segundas, ditas intelectuais, se avistam pobres vagabundos famintos, em lúgubre romaria, singrando por entre idêntica fauna, à cata duma qualquer côdea oportuna ou preciosidade miraculosa.
Eu, pelo menos, foi dessa feição que por lá andei: palmilhando cuidadosamente entre a rataria e o galinhedo esgravatante, disfarçando a repugnância pela vermaria obesa, contornando magotes de varejeiras excitadas que acudiam ou se empanzinavam de manjares putrefactos. De resto, aproveitei que ando constipado, sem olfacto nenhum, por causa do fedor. Senão, por muito que a galga me instigasse, acho que não me atrevia.
Do que garimpei, deu para encher a cova dum dente e não merece grande reparo. Até porque sou pouco de publicidades e ostentações sobre aquilo que como. Ainda para mais lanchado num sítio destes... Em suma: entrei com fome e saí agoniado, rosnando iracundo para a senhora Dragão: "Mas não há um cabrão dum aterro sanitário onde vão enterrar esta merda imensa?!..." Todavia, o curto espaço de tempo que por lá consegui aguentar, antes de adquirir uma cor cianosada, apneia e vertigens, (já não falando numa vozes longínquas que me incitavam à carnificina indiscriminada), deu para me aperceber dumas quantas singularidades descabelantes.
A mais extravagante prende-se com um descaramento inaudito da parte das Autoridades e do Estado de Direito que era suposto reger-nos. Pois se numa lixeira tradicional o acesso é livre, a pesquisa franca e o almoço grátis, podendo optar o necessitado por degustar na esplanada ou, recorrendo ao take-away, levar para casa (quando a tem, o que é raro), já nesta lixeira mental, além de nos pespegarem nas esquálidas trombas com um lixo peçonhento pré-seleccionado, não permitem o piquenique local, obrigam a que se leve para casa e, pasme-se!, ao preço de obras de arte!... Quer dizer, nem a escolha é livre, nem a refeição gratuita, nem, tão pouco, imagine-se, barata. Impingem-nos porcarias, inomináveis despejos, mistelas arbitrárias, e, ainda por cima, fazem-se pagar como se de literatura ou magna filosofia se tratasse. Em bom rigor, não só o Estado, nem a Municipalidade, fazem, mais uma vez, o que lhes compete –que seria, com maquinaria especializada (buldózeres, pás-carregadoras e camiões), proceder à remoção expedita do pestilento entulho -, como, para cúmulo, é o cidadão que tem que substituir-se-lhes e, sem apelo nem agravo, alombar para o seu desafortunado dómus, às parcelas e às costas, toda a porcaria de que for capaz; e que a sua já depauperada bolsa permita. Se isto não é masoquismo imposto, decretado, não sei que seja!
E há ali lixo tóxico puro, senhores! Se há... Resíduos poluentes e gases dos mais depredadores da camada de ozono mental, então, é uma farturinha. Como se já não bastasse a rádio, a televisão, os jornais e a internet com toda a sua pornografia obscena e os blogues de referência, passe o pleonasmo, a reclamarem co-incineração urgente.
Caralho, não haver lá nos Céus, uma boa alma, um super-herói qualquer, quiçá um exterminador implacável, que venha cá abaixo pôr ordem nesta babel!
É evidente que estou a brincar. Até porque não acredito em homens providenciais. Providencial, por esta altura do campeonato, só mesmo um meteoro desembestado. E dos grandes.
Tudo isto expus também, indignado, ao Caguinchas, dando murros na mesa da tasca (aliás, cibertasca) e vociferando impropérios inauditos que, por consideração aos leitores, não transcrevi.
O gajo, debruçado sobre o jornal "A Bola" e a metafísica do ponta-de-lança desaparecido em parte incerta mas que há-de surgir do nevoeiro para levar o (segundo ele) Glorioso (segundo eu, ignominioso) ao título, fez uma pausa na meditação para me diagnosticar o seguinte:
"Dragão, estou farto de te dizer: tens que ser rigoroso com a medicação. As putas não são apenas o melhor dos antibióticos: são também o mais científico. Se interrompes, se deixas de tomar -pelo menos - três vezes ao dia, a seguir às refeições (ou antes, tanto faz e até abre o apetite) ao deitar e ao erguer, conforme te prescrevi, nunca mais te curas!..."
-"Terapêutica do caralho!...", blasfemei, ainda a porejar maus fígados.
Ao menos, fornecessem, à entrada, máscaras anti-gaz, daquelas que se usam em ambiente químio-bacteriológico; luvas para manusear o esterco, enfim. E, já agora, uma galochas de cano alto, umas pinças (para certas brocuras inenarráveis) e um contador de radiações. Mas nem um WC pato sequer! Seria simbólico, bem entendido, porque para ser eficaz teria que alcançar as dimensões duma basílica da Estrela. Porém, nicles. Para não variar, os tipos do Ministério do Ambiente e o Delegado de Saúde Pública andam a dormir.
Entretanto, os da Quercos, da DECO, da Green Peace, todos esses ambientalistas de pacotilha, não dormem. Não; esses ressonam. E os que não roncam grosseiramente, a lembrar ursos hibernantes, entregam-se com igual perfídia e não menor gana, à poluição. Ou seja, largam também, a concurso, bosta fumegante pelos escaparates. Calculo mesmo a série de montículos que um tal de Soromanho Marques, cujo pai era sapateiro e nem numas meias solas foi capaz de adestrar o rebento, para lá lastrou em exposição.
Mas quem aprecie estrumeiras, regale-se: É todo um monturo a céu aberto. Se as lixeiras de resíduos sólidos estão em declínio, cedendo ante a cavalgada asséptica dos aterros e co-incinerações, já o lixo mental, ao invés, vai de vento em popa (o que, reconheça-se, só serve para empestar ainda mais a aragem). Sem esquecer uma outra agravante: enquanto as lixeiras materiais, em nome da higiene, se realizavam em espaços recônditos, por norma afastados dos centros populacionais, ou pelo menos na sua periferia, estes vazadouros espirituais, pelo contrário, hinos descarados ao contágio, escolhem para local de conferência e congresso o coração da urbe, atravancando parques emblemáticos, conspurcando jardins centrais ou aviltando praças íntimas.
O panorama, não obstante, entre umas e outras, não varia muito. Se nas primeiras, também ditas municipais, como é típico e cada vez mais ex-libris desta nossa civilização, vagueiam espantalhos escanzelados em rusga de conduto, disputando a vermes, ratos, moscas e cães, restos comestíveis ou utensílios recicláveis, também nas segundas, ditas intelectuais, se avistam pobres vagabundos famintos, em lúgubre romaria, singrando por entre idêntica fauna, à cata duma qualquer côdea oportuna ou preciosidade miraculosa.
Eu, pelo menos, foi dessa feição que por lá andei: palmilhando cuidadosamente entre a rataria e o galinhedo esgravatante, disfarçando a repugnância pela vermaria obesa, contornando magotes de varejeiras excitadas que acudiam ou se empanzinavam de manjares putrefactos. De resto, aproveitei que ando constipado, sem olfacto nenhum, por causa do fedor. Senão, por muito que a galga me instigasse, acho que não me atrevia.
Do que garimpei, deu para encher a cova dum dente e não merece grande reparo. Até porque sou pouco de publicidades e ostentações sobre aquilo que como. Ainda para mais lanchado num sítio destes... Em suma: entrei com fome e saí agoniado, rosnando iracundo para a senhora Dragão: "Mas não há um cabrão dum aterro sanitário onde vão enterrar esta merda imensa?!..." Todavia, o curto espaço de tempo que por lá consegui aguentar, antes de adquirir uma cor cianosada, apneia e vertigens, (já não falando numa vozes longínquas que me incitavam à carnificina indiscriminada), deu para me aperceber dumas quantas singularidades descabelantes.
A mais extravagante prende-se com um descaramento inaudito da parte das Autoridades e do Estado de Direito que era suposto reger-nos. Pois se numa lixeira tradicional o acesso é livre, a pesquisa franca e o almoço grátis, podendo optar o necessitado por degustar na esplanada ou, recorrendo ao take-away, levar para casa (quando a tem, o que é raro), já nesta lixeira mental, além de nos pespegarem nas esquálidas trombas com um lixo peçonhento pré-seleccionado, não permitem o piquenique local, obrigam a que se leve para casa e, pasme-se!, ao preço de obras de arte!... Quer dizer, nem a escolha é livre, nem a refeição gratuita, nem, tão pouco, imagine-se, barata. Impingem-nos porcarias, inomináveis despejos, mistelas arbitrárias, e, ainda por cima, fazem-se pagar como se de literatura ou magna filosofia se tratasse. Em bom rigor, não só o Estado, nem a Municipalidade, fazem, mais uma vez, o que lhes compete –que seria, com maquinaria especializada (buldózeres, pás-carregadoras e camiões), proceder à remoção expedita do pestilento entulho -, como, para cúmulo, é o cidadão que tem que substituir-se-lhes e, sem apelo nem agravo, alombar para o seu desafortunado dómus, às parcelas e às costas, toda a porcaria de que for capaz; e que a sua já depauperada bolsa permita. Se isto não é masoquismo imposto, decretado, não sei que seja!
E há ali lixo tóxico puro, senhores! Se há... Resíduos poluentes e gases dos mais depredadores da camada de ozono mental, então, é uma farturinha. Como se já não bastasse a rádio, a televisão, os jornais e a internet com toda a sua pornografia obscena e os blogues de referência, passe o pleonasmo, a reclamarem co-incineração urgente.
Caralho, não haver lá nos Céus, uma boa alma, um super-herói qualquer, quiçá um exterminador implacável, que venha cá abaixo pôr ordem nesta babel!
É evidente que estou a brincar. Até porque não acredito em homens providenciais. Providencial, por esta altura do campeonato, só mesmo um meteoro desembestado. E dos grandes.
Tudo isto expus também, indignado, ao Caguinchas, dando murros na mesa da tasca (aliás, cibertasca) e vociferando impropérios inauditos que, por consideração aos leitores, não transcrevi.
O gajo, debruçado sobre o jornal "A Bola" e a metafísica do ponta-de-lança desaparecido em parte incerta mas que há-de surgir do nevoeiro para levar o (segundo ele) Glorioso (segundo eu, ignominioso) ao título, fez uma pausa na meditação para me diagnosticar o seguinte:
"Dragão, estou farto de te dizer: tens que ser rigoroso com a medicação. As putas não são apenas o melhor dos antibióticos: são também o mais científico. Se interrompes, se deixas de tomar -pelo menos - três vezes ao dia, a seguir às refeições (ou antes, tanto faz e até abre o apetite) ao deitar e ao erguer, conforme te prescrevi, nunca mais te curas!..."
-"Terapêutica do caralho!...", blasfemei, ainda a porejar maus fígados.
-"Exactamente. - Colmatou o gajo. -Sabes bem que o resto não tem salvação possível."
O filho da puta, desde que bloga, dá-lhe para armar em sibilino.
-"Olha, vai sibilar à puta que te pariu!..." - Desestribei-me. E saí porta fora, aos pontapés aos caixotes. À procura duma farmácia, claro está. O facto de discutir com o médico, não obsta a que, pelo sim, pelo não, trate de aviar a receita.
1 comentário:
Tem 3 porque se tivesse só 2 caía.
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