domingo, agosto 28, 2005

Modernismos e transpirações


Há livros inexpugnáveis. Não se deixam ler.
Vamos para nos dirigir aos personagens e tropeçamos no autor. No ego do autor, cigano a arengar talentos. A exibir camisas, ou fios de pechisbeque. É impossível aturá-lo!
Tentamos espreitar o enredo. Não há. O que há é mais autor. Isto é, mais ego do autor, carradas dele, ego que nunca mais acaba. Gostaríamos de lobrigar uma qualquer pontinha de horizonte para lá dele, uma migalha de realidade que fosse (no fundo , mesmo nos mais desesperados ambientes, há sempre uma réstea de esperança que persiste). Mas não ali. Ali a egofilia, a egolatria, a autosofia, ou que raio de peste é aquela, faz as vezes de vórtice e tudo absorve, aspira, contamina. Um imenso eu eclipsa o universo, as constelações, as galáxias. Mas não só o espaço, também o tempo: o passado, o presente e o futuro. A História e os mitos, a filosofia e a literatura. Não há escapatória, está por todo o lado, a todas as horas, em todas as coisas e pessoas. Todos os monumentos o aclamam. E mesmo as pintelhices, as ninharias e os micróbios cagagésimos do caos é nele que vêm beber sentido. Que demandam reconforto paternal. Ego e ainda mais ego. Mais camisas e pijamas; gangas de contrafacção; atoalhados e conjuntos de cama. E, por fim, as próprias cuecas do autor. Vem exibir-nos as cuecas. Após mais uma noite de miséria gloriosa. De piscinas olímpicas, para lá e para cá, no regurgitado. Mas fá-lo com desmesurada pompa. Mostra-no-las como se de uma bandeira mágica e sagrada se tratasse. Um símbolo inefável, uma síntese perfeita do próprio cosmos. Uma nova "Bíblia", enfim: sinopse inexorável de toda a Criação; esboço acabado da obra divina.
É nesta altura que uma incontível piedade, comiseração mesmo, nos invade. Afastamo-nos e cobrimos o nariz. Esforçamo-nos por ter pena, para não ter vómitos. Ele passa, com solenidade, singrando uma passadeira vermelha de eternidade. Vai nu. Se exceptuarmos as cuecas na cabeça. Em forma de coroa.

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