Depois de ler este artigo no "Portugal Diário", fui-me deitar. Durante a noite, acometeu-me em sonhos (ou pesadelos, dirimam os caros leitores), o seguinte episódio: eu, por castigo certamente divino, tinha-me transformado em assessor de um iluminadíssimo e excelso presidente de uma não menos inefável e apofântica república, e padecia com ele o diálogo que se segue. A itálico rosa, arenga ele; a negritado pirata, contraponho eu.
(Nota importante: É essencial que leiam o artigo antes de lerem o que se segue. Caso contrário, poderão escapar-vos alguns detalhes.)
PR – Fui informado pelo Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC), sobre esta alarmante situação: andam incêndios a lavrar no país.
Dragão – Providencial descoberta, Excelência. É um despautério. Quando os nossos agricultores são subsidiados principescamente para não o lavrarem, vêm estes sacanas dos incêndios e põem-se a lavrá-lo desta maneira desarvorante, sem respeito pelas quotas europeias, verdadeiramente a eito. Se não se põe cobro a esta lavoura selvagem, ainda perdemos os subsídios.
PR – É preciso «ir à raiz» do problema...
Dragão – Com efeito Excelência; até porque as ramagens já arderam e os troncos estão, de um modo geral, num estado lastimável. Escavemos, portanto!..
PR – 90 por cento da floresta é privada e há uma enorme percentagem que não é limpa!...
Dragão – Temo que esteja desactualizado, Excelência. Neste momento, uma esmagadora percentagem já está completamente limpa. Limpíssima. Terá sido mesmo um limpeza anti-Tide: em vez de ficar tudo branquíssimo, ficou tudo preto que nem breu. E o que falta, mais um ano com todo este dinamismo e expedição, fica limpo também.
PR- É preciso responsabilizar os proprietários.
Dragão – Boa ideia, excelência. Convém responsabilizar alguém. E como as autarquias, os governos, os bombeiros e, sobretudo, os incendiários são inimputáveis... Responsabilizemos as vítimas.
PR – Tem que haver um debate sério!...
Dragão – Acha mesmo, Excª? Numa república de brincar, com um presidente de faz de conta, o mais certo é as pessoas desatarem a rir; pelo menos aquelas que não estiverem muito ocupadas a chorar. Não considera, por raro acaso, Vª Excª, que em vez dum debate era mais proveitoso e adequado um rebate - um rebate a incêndio, pelo menos?...
PR - Está a chegar o momento de equacionar a aplicação do princípio da obra coerciva à limpeza das florestas!...
Dragão – Felizmente que ainda não chegou, esse momento peregrino. Não saberíamos que protocolo utilizar para a recepção a tão insigne embaixada. Espero que dê ainda tempo para prepararmos o cerimonial e o livro de visitas. Vossa Excelência comparece de fraque ou paletó?...
PR - Há aqui um problema de ordenamento sério.
Dragão – Talvez derivado ao excessivo número de palhaço e palhaçadas. Vª Excª tem a certeza que são necessários tantos para a recepção ao "momento de equacionar a aplicação o princípio da obra coerciva" e acompanhantes?
PR - Temos que saber que floresta queremos!
Dragão –Ah, mas sem dúvida, Excelência. Faz todo o sentido. Até porque há umas que ardem melhor que outras. E já agora, de par com as florestas, pinhais sobretudo, conviria que seleccionássemos também as putas que lá atacam.
PR -A reestruturação da floresta portuguesa está na ordem do dia e a partir de Setembro todas as energias têm que ser votadas para este debate!...
Dragão – Ah, a reestruturação, Excelência, sempre providencial, a reestruturação!... E muito avisada e prudente essa nobilíssima agenda. Imprescindível, de facto, que nos sentemos a debater e não caiamos na asneira de plantar ou replantar mais árvores, ou o que quer que seja. Assim, ao menos, temos a garantia que não ardem. Até prova em contrário, o Não Ser é incombustível. Ao contrário do Ser. Por isso, já Heraclito era um pirómano, mas Parménides não.
PR -Está a chegar o momento em que não podemos adiar mais isto!
Dragão –E isso é uma chatice, não é, Excelência? Depois deste tempo todo a adiar, palpita-me que, além de ligeiramente viciados, experimentaremos justificadas dificuldades em reconhecê-lo, ao ilustre momento, quando ele aterrar. E novamente se coloca a questão do protocolo: VªExcª vai recebê-lo aqui, em Belém, ou prefere Queluz ou a Ajuda?... E a guarda de honra: basta a GNR a cavalo, ou reforça-se com um pelotão da Armada, mais a fanfarra dos Pupilos?...
PR – Urge sensibilizar os superiores hierárquicos dos bombeiros voluntários, nomeadamente os que trabalham para câmaras municipais ou organismos do Estado, para que ajudem à sua mobilização perante uma situação climatérica única de seca que está a afectar o país este ano!...
Dragão – Evidentemente, Excelência. É urgente sensibilizar os superiores hierárquicos dos bombeiros voluntários. Já que sensibilizar os superiores hierárquicos da República, da governação, da justiça - da nação, enfim-, seria completamente infrutífero e inútil. Tal qual, de resto, tem sido, e Vossa excelência mais respectivos pares têm feito, e fazem, brutal e despudorado apanágio. Mas como o povo se pela por desastres...
PR - Repito: é preciso um debate sério a partir de Setembro!
Dragão - Portanto, até lá, continuamos em digressão. Perfeitamente, Excª. Entretanto, para a próxima visita de solidariedade e palanfrório, partindo do princípio que Vª Excª leva o traje de arlequim rico, qual dos seguintes complementos nasais vai preferir:
Sublinho: qualquer semelhança deste diálogo com a realidade, bem como figuras ou fenómenos que grassem nesta, é pura e lamentável coincidência.
Não fosse isso, eu diria que o Gorge Sampaio anda a ler o João Miranda.
1 comentário:
pareciam fígados... mas já percebi...
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