sexta-feira, agosto 12, 2005

Ixion, ou Nefelibatas e Viscosos



A história de Ixion - que, segundo a mitologia grega, pena pela eternidade atado a uma roda ardente -, convida-nos à meditação. Lições proveitosas podem deparar-se-nos.
Convidado por Zeus para a sua mesa, Ixion retribuiu com singular despropósito e grosseria exemplar: meteu na ideia copular com Hera, esposa do anfitrião. Mas não só meteu na ideia como se compenetrou de ser aquela uma ocasião excelente para meter na deusa. E se mal o pensou, pior o entendeu perpetrar.
Naturalmente, Zeus, dotado daqueles superpoderes que só os Deuses maiores possuem, adivinhou-lhe as nebulosas intenções e favoreceu-lhe a perdição. Em conformidade, ordenou a uma nuvem que tomasse, aos olhos toldados do infame fornicador, a forma de Hera e propiciou-lhe o enlace. Ixion, a arder em desejos, não hesitou: atirou-se à nuvem como gato ao bofe e descarregou nela ímpetos e fluidos.
A nuvem, pseudo-deusa, logro exemplar, recebeu por nome Nefele. Em resultado da cópula ímpia e temerária que com ela teve, Ixion recebeu duas pagas exemplares: Nefele deu-lhe por filhos monstros –centauros: meio homens, meio bestas cavalgaduras, execrados por deuses e homens; e Zeus outorgou-lhe castigo eterno, sem piedade nem remissão.

Em que é que isto, para nós, portugueses, é edificante? Se pensarmos que de Nefele descendem todos os nefelibatas, logo o enigma profundo da nossa origem mítica se desvanece. Tal qual Roma busca a sua paternidade em Eneias, de quem, segundo Virgílio, descenderiam os gémeos da Loba, não vejo ninguém melhor que Ixion para demandarmos a nossa.
A idiossincrasia, o atavismo, não enganam. Ninguém como nós adora emprenhar nuvens. Passámos séculos nisso. Só ultimamente é que desistimos de amarinhar lá para cima. Apesar das nuvens estarem cada vez mais baixas e negras, contentamo-nos de ficar a olhá-las, masturbando-nos, cá de baixo. Tentamos emprenhá-las à distância...Uma espécie de tele-cópula. Adolescemos, enfim, pela eternidade.

Falta apenas acrescentar que Ixion, etimologicamente, significa "Visco". Portanto, somos nefelibatas - da parte da mãe, e viscosos - da parte do pai.

1 comentário:

Anónimo disse...

e para cúmulo, para além das núvens, fodemo-nos a nós próprios.