O século XXI promete. Promete, entre outras coisas, ser um século explosivo. Não é que no anterior não tenha havido explosões com fartura. Nada disso, fartaram-se de explodir coisas. Mas neste, graças à globalização e a profusas campanhas pedagógicas e instrutivas, a coisa parece estar a atingir níveis superlativos. Acho que toda agente percebeu que isso de "peace and love" é uma grande chatice: mal um gajo se vem, passa o idílio e apetece mesmo é partir a mobília toda. Não, excitante mesmo, actual, neo-liberal, global e gratificante é mesmo "war and bombs"; ou "send bombs, with love". Enfim, dito à boa maneira portuguesa: "não percas tempo com os espermatozóides, manda mas é bombas!"
As bombas, todavia, só fazem sentido se forem enviadas a alguém, senão nem sequer são bombas mas meros explosivos armazenados. Ora, no envio das bombas é que parece residir a distinção deste novo século e o seu predecessor: há efectivamente uma notória "popularização" da coisa. Não é só o proprietário dum grandessíssimo bombardeiro ou bateria de mísseis que tem o previlégio de enviar bombas às outras pessoa. Não, agora qualquer pessoa com um mínimo de instrução, que não seja analfabeta da bombografia, pode ter acesso a esse meio excelente de comunicação. Como? Muito simples: através do correio; por meio das chamadas "cartas-armadilhadas", pois. É certo que é um processo que já foi inventado no século anterior, mas é neste, finalmente, que parece estar a ter a difusão que merece e os inventores profetizavam.
Também o anseio das pessoas em enviarem bombas a alguém disparou exponensialmente (sobretudo na quadra natalícia). E isso é muito importante. Cria uma apetência de mercado que favorece a criação de oferta e postos de emprego; bem como a proliferação de escolas e centros de formação tecno-profissional.
Há, igualmente, uma convicção generalizada de que o amor é uma armadilha; pelo que dizer "carta de amor" equivale doravante a dizer "carta armadilhada". Ou seja: mais um progresso semiótico relevante e fundamental; mais uma conquista da inteligência humana. E onde dantes se culminava "com todo o meu amor", substitui-se agora "com a bomba em anexo"!
Constata-se, assim, aquilo que o século XX já prenunciava e instaurava fundações: a predominância avassaladora dos efeitos sobre as causas. O que se comprova, a limite, na seguinte máxima pragmática e predominante: "vale mais o pior dos efeitos que a melhor das causas!"...
Não espanta, portanto, o exercício franco de afeição e cidadania que, nos últimos dias, tem bafejado o pessoal do Parlamento Europeu. É um sinal claro do progresso e da urbanidade dos novos tempos.
Em cuja homenagem, e aproveitando a inspiração profética dum grande poeta português, convém escrever:
"Todas as cartas-armadilhadas são
ridículas.
Não seriam cartas armadilhadas se não fossem
ridículas.
Mas só quem nunca escreveu cartas armadilhadas
é que é, verdadeiramente
ridículo."
E já é boa altura de Portugal convergir com os padrões europeus e deíxar-se de figuras -mais que tristes- verdadeiramente ridículas!
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