«Nunca poderemos saber verdadeiramente o que se passou na Terra há vinte mil anos atrás. Pois se nem o que se passa verdadeiramente hoje conseguimos apurar com exactidão... A História do passado como o jornalismo do presente enfermam de estrabismos idênticos e crónicos. Em grande medida resumem-se a produtos de confeitaria, fonofacção superficial, artificialidade conveniente, quer dizer: esquema, encomenda, culinária. Contemplemos alguns eminentes historiadores da nossa praça: inscrevem-se em seitas, saldam-se nas montras, frequentam capelinhas. Aliás, a dispensa do trabalho braçal e extenuante nunca foi gratuita. Todo o poleiro tem o seu preço. Para cantarem melhor, certas aves cegam-se.
Assim, encarado duma forma séria e autêntica, que é senão ficção o nosso imaginário cientificante, que galopa a cavalo na mais solene verosimilhança? De facto, e sem exagero, em pouco difere da "tragédia grega", segundo as regras da poética aristotélica. Cada tese, cada fábula. Válida enquanto acreditarmos nela, como em Deus. Ou mais exactamente, somos levados a acreditar. Inválida quando deixamos de acreditar, quando já não convém, quando já não reboca, estorva. Passamos, aliás, como no teatro grego, grande parte do tempo convictos duma coisa, reis Édipos seguros e sagazes, até que a catástrofe eclode e reconhecemos horrorizados, mais que a verdade, a mentira em que piamente sempre vivemos e acreditámos. Até aqui, o chamado pensamento científico e as suas verdades metamorfas tecnoeficientes tem percorrido os episódios e sobrevivido às peripécias. Peripécias como Hiroshima, por exemplo. Aguarda-se, com mórbida expectativa, como reagirá à catástrofe.
Falar no Big-Bang ou em Deus, a limite, é a mesma coisa: No fim reduz-se tudo à Fé. A limite também, radica igualmente tudo nesse abismo misterioso que habita a alma humana: essa necessidade duma explicação. Ora, em termos gerais, tanto a Ciência como a Religião pretendem ser explicações totalitárias, campos de concentração da Verdade, fornos crematórios de quaisquer dúvidas. Diferem, não obstante, nos métodos: A Religião simplifica; a Ciência complica. Ambas imaginam. »
1 comentário:
deus ou big bang?
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