sexta-feira, junho 24, 2005

Moita Carrasco ou Quixotices do Dragão

«Dom Quixote perguntou por que ia aquele homem carregado com tantas correntes. O guarda respondeu: porque cometeu mais delitos do que todos os outros juntos, e que era tão ousado e astuto que, mesmo preso daquela maneira, não estavam seguros dele.
-"É o famoso Ginez de Pasamonte, também chamado Ginezinho de Parapilha".
-"Senhor Comissário -disse o galeote -. Ginez me chamo e não Ginezinho, e Passamonte é o meu nome e não Parapilha, como disse vossa mercê".
Dom Quixote voltou-se para os da corrente e disse:
-"Quero pedir a estes senhores guardas e comissário que se dignem libertá-los e deixá-los em paz!"»
- Cervantes, "D. Quixote de La Mancha"

Por norma, não leio o "Acidental". Como não leio o "Barnabé". Leio o "Blasfémia" porque se tornou melhor que o "Gato Fedorento" (O gato tem o epíteto, mas o "Blasfémia" tem a matéria). As chalaças do Miranda, essas, então, são impagáves. Mas o que para agora interessa é que, através dum link no "Blasfémia", lá fui dar ao "Acidental". Deparou-se-me a pérola que, seguidamente, premiarei. Transcrevo o melhor da polpa, mas recomendo que leiam todo o postal. Parece que o João Miranda encontrou um rival à altura...
Ora oiçam:

«E assim se fez o país e o seu povo. Um português é bisneto de Maomé, sobrinho neto de Abraão, filho de um Mustafá, primo da rainha Ginga, tio de um Xanana, arraçado Baniwa ou Guarani, irmão de um Cabinda e o primo mais branco que temos chama-se Madhav e vive em Goa. Até os Macondes do norte de Moçambique têm o “sangue mais puro” que o nosso.»
Sobre isto, é o que se segue.


Exmº Sr. Doutor com solene nome,

Apenas, e só apenas, porque me repugna ver bater em ceguinhos, permita-me que faça aqui as vezes de Advogado do Diabo. Ou de um filho dele, que, para o caso, vai dar ao mesmo.
Assim sendo, cumpre-me tecer-lhe o seguinte reparo:
Suspeitamos que é apenas por modéstia que Vª. Excª, na pérola em epígrafe, ao referir "um português", não se ostenta a si proprio. Julgo, pois, que ficámos bastamente elucidados sobre a sua digníssima árvore genealógica e agradecemos-lhe a intimidade que condescendeu em ter connosco. Congratulamo-nos e congratulamos Vª.Excª por ser bisneto de Maomé, sobrinho-neto de Abraão, filho de um Mustafá, primo da rainha Ginga, tio do Xanana, arraçado Baniwa ou Guarani (decida-se!), irmão de um Cabinda e o primo mais branco que tem chama-se Madahay e vive em Goa –queira até enviar-lhe os nossos cumprimentos e cordiais saudações, bem como votos antecipados de feliz natal e próspero ano novo.
Quanto aos Macondes, não sendo eu perito em hemodiálise nobilárquica, não sei se o sangue deles é mais puro que o de Vª. Excª. O que sei, daqueles que conheço, é que têm uma coluna vertebral mais erecta e vértebras mais nítidas que as suas. Os Macondes, gente destemida, e já agora, queira registar, também os Mucubais, do Sul de Angola ou os Felupes, do norte da Guiné. São indivíduos, da experiência que tive, com quem se pode contar e é melhor tê-los por nós que contra nós.
Já de VªExcª, temo bem, seria irrelevante esperar qualquer dessas dignas posturas visto encontrar-se em toda a parte: Do "Barnabé" à Patagónia (que como Vª Excª bem sabe é o país dos Pato-Bravos mentais e outras aves de arribação que sazonalmente nos visitam).
Em todo o caso, se a família não era a sua e tudo não passou de florilégio retórico, aconselhava-o a refrear os ímpetos demagogos e a não desembestar, tão generosamente, por falácias tão grosseiras a fora. Basta que atente, analogicamente (se não é pedir muito ao recheio cerebral de Vª.Excª.), no seguinte: o facto de existirem gays em Portugal, ou mongolóides, ou meretrizes, ou pedófilos, ou daltónicos, etc, não implica necessariamente que Vª.excª., (stricto ou lato sensu, quer como indivíduo, quer como português) corra a fazer-se bisneto de um invertido, sobrinho-neto de um mongolóide, filho de uma rameira ou irmão de um pederasta –acrescentando ainda que o parente menos aberrante que possui na família seja, por exemplo, um anão vesgo e contorcionista que trabalha num circo em Singapura.
Está, Vª. excª, a ver o absurdo?
Ou então, se não o vislumbra, corra Vª.Excª a fazer-se e consagrar-se com tais títulos de nobreza. Não nos obrigue é a nós a fazê-lo. Assim como se a sua mãezinha, enquanto pátria, é tão aleivosa quanto apregoa, permita-nos, ao menos, que emigremos para mais saudáveis regiões, talvez para junto dos Macondes, e não queira, à viva força, fazer-nos partilhar dessa confraria tumultuosa, onde a estrebaria dos filhos compete, por turnos, com o bordel da mãe. E poupe-nos, sobretudo, ao espectáculo, de, nalgum transporte de exaltação consanguínea, ou para mera cereja no topo da galhofa, desatar a dar peidos ao hino ou a limpar o retrovazador à bandeira.
E, para terminar, não vá, rogo-lhe -munido da fulgurante capacidade lógico-dedutiva que o equipa- pela senda mais básica, ou seja, pensar que eu nutro quaisquer simpatias, ainda menos políticas, pelo desgraçado galeote mental sobre quem decorre a presente assuada. Se a bosta é grande e a porcaria tanta, como se chama àqueles que se comprazem de chafurdar nela?
Não; trata-se, tão somente, que VªExcª estava a pedi-las. E eu, que também sei ser generoso, não quis deixar de lhas dar.

Que lhe façam bom proveito.

Dragão
Pirata, Flibusteiro e Quixote

PS: E tu, ó Não-Sei-Quantos Machado, ou Ginez de Passamonte, ou lá como te chamas: aproveita a folga na lapidação e larga a droga, pá! A pior de todas as drogas: a violência. O maior nacionalista do século XX é capaz de ter sido um senhor chamado Gandhi. Não era branco, mas teve um colhões capazes de vergar um Império. E naquele tempo, com aqueles gentlemen, não era pêra doce. Pensa nisso.

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