quarta-feira, junho 29, 2005

Das Mulheres


Eu, de mulheres, não falo. Interessam-me, esses seres misteriosos, magnéticos, inatingíveis, não como objecto de conversa, mas de culto. A minha religião, reconheço, são mulheres, todas as mulheres –árvores, nuvens, estrelas, a Terra, a Vida, a Morte, a Verdade, incluídas. Nasci duma e tenho outra –no fundo, a mesma – à espera.
Portanto, de mulheres, já disse, não falo. Deslumbram-me, cegam-me, obsidiam-me. Nem elas, tão pouco, precisavam de falar, de dizer, de escrever o que quer que fosse. Bastava-lhes existirem. Existir, nelas, já é reinar. Que valem uns milhares de hectares e saloios de feudo, diante de quem impera sobre o coração dos homens?
Sim, concebo assolar e conquistar o mundo, passar exércitos a fio de espada, talar fortalezas e cidades, escravizar hordas e multidões, devastar, -devastar, sim!, a torto e a direito, sem dó nem piedade, todo lampeiro –, apenas com um único e exclusivo fito: oferecer tudo isso a uma mulher. Arrastar essa salgalhada toda pelas tripas e ir depor-lha aos pés: "pronto, ó deusa, aí tendes essa porcaria toda, que ao pé dum fio do vosso cabelo não é nada!" Sem grande esforço, imagino-me Alexandre, Genghis Khan, Napoleão, todos esses desenfreados, mas apenas, e somente, por força dum motivo: o amor duma mulher. Qualquer outro pretexto é vil, escaninho, repugna-me. Herodes contentou-se com a cabeça dum santo; eu, um raio me parta já aqui se não é verdade!, entregaria, na mesma bandeja, a cabeça do Mundo.
Redimir a Humanidade? A Humanidade é uma puta capaz de romper qualquer preservativo. Salvar o Mundo? Puta que pariu o mundo! Esgoto, monturo a céu aberto e sem céu nenhum! Construir o paraíso? Mero subterfúgio para assistir ao inferno dos outros.
Gritá-lo-ei, se necessário for, aos quatro ventos e aos sete mares, às estrelas, às estepes, aos abismos: Além da Mulher não consigo vislumbrar finalidade mais digna para a odisseia que é a vida dum homem. Penélope, Ítaca, ilha que inaugura e encerra o círculo, tecelã da esperança e do Destino, é ela que preside ao Eterno retorno. E se não preside, porque os cientistas e os sábios todos de coisa nenhuma certificam que não, eu prefiro acreditar que sim, que imperam, que cintilam como astros longínquos, inexpugnáveis, inatingíveis, mas todavia obsidiantes. Miragem que nos arrasta, esquálidos, visionários, alucinados e febris, pelas areias do deserto.
Deus? Que sabemos nós de Deus? Que alcance tem a visão das nossas almas de toupeiras? Deixemos tão longínquo e inexpugnável objecto em paz. Deus, meus irmãos? - Contentemo-nos com a Obra de Deus.
Compreendê-La é compreendê-Lo. Compreender é Amar.
Bem que eu desconfiava: sou um místico.

5 comentários:

timshel disse...

A Obra de Deus. Nem mais. Em latim se preferires, amigo dragão.

Anónimo disse...

E capaz de ser ma lingua mas o Alexandre ate nem ligava muito a mulheres...
Outra picuinhisse... escravizar hordas e multidoes e devastar devastar (certamente algumas mulheres estao incluidas nesses aglomerados de visceras) nao e um pouco incompativel com a profunda admiracao por mulheres?

josé disse...

Como se está na onda do misticismo e da religiosidade em forma de gente, aqui fica um excerto de uma obra prima, também obra de Deus:

"Arranca o estatuário uma pedra destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar."

Basta mudar "pedra" por costela; "montanha" por homem e "homem" por mulher e temos uma glosa do Genesis , com uma particularidade: o estatuário é o Arquitecto supremo, sabendo nós que esta imagem é eminentemente maçónica.
COmo aqui as coisas se confundem, fiquemos então pela Obra de Deus, reconhecendo-a como tal e implicitamente O considerando Criador.

dragão disse...

O meu Deus é o de Aristóteles, "Metafísica", livro Lamda, é favor consultarem.

Trazerem para aqui Opus Deis ou Maçonarias, não lembra ao diabo!...

E o sacana do texto é pura ironia desbragada. como, aliás, é costume nesta casa.

josé disse...

Cada um escolhe o deus que quer. O que existe aceita a escolha, estou certo, porque assim criou aqueles que escolhem.


Quanto à ironia, no meu comentário, é ela mesmo o mote.
A ironia que existe na semelhança entre o arquitecto supremo, a estátua viva, a história da origem dela e a obra feita.
Pura ironia, caro dragão. Mais pura não há...e as palavras são como as cerejas. É pena não serem todas da Cova da Beira, na encosta de entre Castelo Branco e o Fundão.