«Da raivosa polémica acerca da confusão reinante durante o combate de Naulila, dos erros tácticos de Roçadas, da insuficiência do comando e da falta de preparação dos soldados metropolitanos reteremos apenas um facto bem tangível. A 18 de Dezembro de 1914, pela primeira vez depois da sua derrota em Cabinda perante a esquadra francesa, em 1794, o exército português deparou com tropas regulares europeias [alemães] em Angola e desmoronou-se, Naulila é uma página negra na catastrófica história da intervenção portuguesa na Grande guerra, Num único dia, Roçadas teve 69 mortos (3 oficiais, 66 soldados, dos quais 54 brancos), 76 feridos (5 oficiais e 71 soldados, dos quais 61 brancos) e 37 prisioneiros (3 oficiais, dois dos quais feridos e 34 soldaos brancos). É um balanço mais pesado que o da guerra luso-cuamata de 1907.
Esse balanço, porém, é insignificante em comparação com as consequências da ordem para abandonar o Ovambo, dada por Roçadas. Os Portugueses, bons na ofensiva e excelentes nos cercos, são execráveis nas retiradas, as quais, na sua história, são com demasiada frequência sinónimo de debandadas.»
- René Pélissier, in "História das Campanhas de Angola, Vol II" (trad port. da Estampa)
Por muito que nos custe, a nós, portugueses orgulhosos dessa condição, a definição acima realçada a negritado traduz uma realidade amarga e recorrente na nossa saga colectiva. É como se fossemos um povo absurdamente bipolar, apenas capaz ou do mais inusitado heróismo ou da mais vergonhosa poltranice. Ou tudo ou nada; ou o impossível ou que se lixe! A definição lapidar, registe-se, toma-a, Pélissier, de Charles Boxer, um outro historiador, e aparecerá de novo na obra referência sobre as campanhas ultramarinas de 1961-1974, de John P. Cann. E ressurge neste último com imensa propriedade, a propósito do colapso na Índia Portuguesa, como poderá servir de epitáfio à nossa aventura Ultramarina, encimando esse pórtico final da infâmia conhecido por Descolonização. Que não foi mais, na verdade, que uma colossal e repugnante debandada. E não apenas do exército.
Está na hora de irmos à raiz do problema: porque debandamos? Debandámos em Alcácer-Quibir. E desde então parece que essa debandada nos assombra. Nos revisita a cada século. De tal modo que é como se uma pulsão abissal nos obcecasse e empurrasse para um requinte sórdido de auto-degradação. Porque, quase sempre, a nossa debandada não encontra motivo sequer em razões de derrota ou desgraça iminente. Mais lembra um acto de volúpia pueril que uma reacção de pavor adulto. Seremos nós, um dos povos mais velhos da Europa, também aqulele que, lá no fundo, se recusa a envelhecer, cultivando em si uma infância incurável e incorrigível, que, ciclica e fatalmente, retorna sempre que a vida (ou algo/alguém nela) nos obriga e assumir uma maturidade aborrecida? Ou melhor, vagaremos nós através das eras e dos séculos, cativos e cristalizados, numa perpétua adolescência, entalados entre a infância e o estado adulto, tripulantes das emoções típicas dessa fronteira: ou o entusiasmo desbordante, ou a depressão entediada?...
Este vai ser um mergulho na minha própria alma tanto quanto na alma do povo ao qual inteiramente pertenço. Eu, que aqui, em público, uma vez perguntado pela profissão, o declarei abertamente: Desempregado do Império. E é exactamente isso que, enquanto português, eu me sinto. Eu e, se tanto, meia dúzia de Moicanos como eu.
Relembrando, aqui, em 20 de Setembro de 2006:
«Breve curriculum Blogae»
Está na hora de irmos à raiz do problema: porque debandamos? Debandámos em Alcácer-Quibir. E desde então parece que essa debandada nos assombra. Nos revisita a cada século. De tal modo que é como se uma pulsão abissal nos obcecasse e empurrasse para um requinte sórdido de auto-degradação. Porque, quase sempre, a nossa debandada não encontra motivo sequer em razões de derrota ou desgraça iminente. Mais lembra um acto de volúpia pueril que uma reacção de pavor adulto. Seremos nós, um dos povos mais velhos da Europa, também aqulele que, lá no fundo, se recusa a envelhecer, cultivando em si uma infância incurável e incorrigível, que, ciclica e fatalmente, retorna sempre que a vida (ou algo/alguém nela) nos obriga e assumir uma maturidade aborrecida? Ou melhor, vagaremos nós através das eras e dos séculos, cativos e cristalizados, numa perpétua adolescência, entalados entre a infância e o estado adulto, tripulantes das emoções típicas dessa fronteira: ou o entusiasmo desbordante, ou a depressão entediada?...
Este vai ser um mergulho na minha própria alma tanto quanto na alma do povo ao qual inteiramente pertenço. Eu, que aqui, em público, uma vez perguntado pela profissão, o declarei abertamente: Desempregado do Império. E é exactamente isso que, enquanto português, eu me sinto. Eu e, se tanto, meia dúzia de Moicanos como eu.
Relembrando, aqui, em 20 de Setembro de 2006:
«Breve curriculum Blogae»
8 comentários:
Será, que como povo,estaremos sempre orfãos. Aparece um "pai", que nos indica o caminho, aglutinamos vontades e vamos por aí.
Falha o "pai", ficamos aturdidos, desorientados e perdidos, a seguir vamos pelo caminho das asneiras, imbecilidades e dos vendedores de banha da cobra.
Será que não nos curamos deste "trauma"!!!
Estados de alma a propósito do Roçadas? Citações (risíveis) do Pelissier (também ele já de si risível)? Deixe-se disso. Sobre África e para resumir algo que na realidade pouca atenção nos deve merecer, diga-se apenas o seguinte: estivemos lá. demos muita porrada. levámos alguma. viemos embora. tudo o resto é conversa de gabinete de psicólogo, logo conversa redonda e sem fim. o que verdadeiramente interessa é outra coisa. é saber o que temos feito ao longo do tempo para perdurarmos enquanto País. cumprimentos.
Perspectiva assaz interessante e lúcida do articulista e em consonância ao constatado igualmente por António José Saraiva [ in http://is.gd/SyBctj ]
• "Os militares portugueses, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir."
• "instinto das tripas ( ... ) Um bando de lebres espantadas recebeu o nome respeitável de «revolucionários».
Grato por partilhar as ilações, que desconhecia, de Pélissier, tomada de Charles Boxer e ainda em John P. Cann.
Go ahead, make my day!
Que hoje é 25 de Abril.
«Deixe-se disso»
Então? Ainda agora comecei e já está a convocar-me à debandada? EStá bem que sou português, e não sou por inerência imune a essa volúpia nacional, mas vamos com calma, sim? Um pouco de decência.
« o que verdadeiramente interessa é outra coisa. é saber o que temos feito ao longo do tempo para perdurarmos enquanto País»
Cara Fernanda Câncio, não a fazia angustiada com estas matérias. A Expansão e África sobremaneira ocuparam uns quantos séculos nessa perdurafacção do País. Foram comuns à monarquia e às primeira e segunda repúblicas (a segunda mais cripto-monarquia que república, mas enfim)...
Contradiz-se portanto grosseiramente, a gentil senhora: por um lado, recomenda-me que não perca tempo com essas frivolidades em que o País ocupou porção apreciável da existência; por outro, proclama que o que importa acima de tudo é essa mesma e única substância. Em que ficamos? - Debando? Resisto?...
Ou será que agora o que importa é aquilo a que o País, depois de debandar de África, se entrega, de tripas e fressuração?!... Bem, aí não há muito que dizer nem elaborar, pois não? Um tal presente, e respectiva substância, é daquelas coisas cuja abordagem recomenda sobretudo distãncia e rodeio na passagem e, acima de tudo, evitar pisar.
Até porque não é a perduração que parece absorver os altos desígnios (e baixos também), mas a auto-liquidação.
Finalmente, o Pélissier, bem pelo contrário de risível, é deveras interessante. Sobretudo porque, claramente, não simpatiza lá muito connosco, portugueses. E isso é óptimo. Não corremos o risco de nos poderem acusar de que tentamos branquear ou edulcurar o que quer que seja. E é também excelente porque, não raro, surpreendemos o próprio autor (o Pélissier) em suculentas contradições. E a "citação" não é dele, mas do Charles Boxer, como eu tive a amabilidade de referir no texto e poderia ter, a cara bácora, aprendido, caso se desse à humilde tarefa de o ler. Bem como ao Pélissier, já agora.
Saudações caro dragão
não me vou alongar muito por ainda estar em modo feriado e escrever em teclado de computador, para mim, é canseira.
Sobre os nomes que me chama devolvo-os todos, muito obrigado.
Se o dragão está triste por ser o 25A, lembre-se: amanhã é outro dia, o sol nasce, a vida continua e é preciso trabalhar para comer.
Quanto ao que responde nem vale a pena desenvolver muito. já percebemos os caminhos que o caro dragão gosta de percorrer (analisar estados de alma) e está tudo muito bem. o que é chato - para o réptil desorientado - é lançar labaredas sem saber sobre quem e para quê. em particular quando eivadas de pendor irónico - assim pensa ele-, adequadas para outros tipos de fauna, que vagueia incauta por estas paragens.
Quanto ao resto, análises do passado cada um fica com a sua. e a que vigora no cenáculo do dragão não me apraz de todo, por redutora. apenas um pequeno conselho (permita-me a ironia) talvez esteja na hora de sair dessa lógica de auto-flagelação com o auxílio da História (esta disciplina terá eventualmente outros propósitos mais nobres, se bem que agora não me ocorre nenhum, ainda para mais servida por essas personagens menores do francês e do britânico que tanto gosta de citar, inclusive quando se citam entre eles - e que são menores mesmo que dissessem maravilhas de nós).
Quanto ao discurso presente da auto-liquidação, reveja as suas notas, pois ele já é velho, não sendo de todo um exclusivo da nossa atualidade que tanto o repulsa (vai-se a ver, um dragão com repulsas).
E para terminar, sobre a minha afirmação que citou, vou eu agora também citar alguém que o dragão conhece, mas que devia ler com mais atenção, leia-se humildade: "Nem a vaidade, nem a ânsia de glória, nem a vingança conseguiam obriga-lo a desviar-se do seu curso, e foi esse curso apenas que o levou até uma afortunada terminação da contenda." E eu com humildade lhe digo, veja, se quiser, o perdurarmos como País como sendo a contenda.
Boas noites.
Bem, ó caro "voz do além"
dado que não se presta à singela amabilidade de se identificar (com um nome qualquer, e não requer que seja o do BI, afinal estamos aqui na dimensão virtual), eu permito-me a liberdade de imaginar o que me der na real gana. É assim: desconsideração com desconsideração se paga.
Quanto às suas opiniões, faça delas o devido proveito.
Mas não deixa de ter a sua graça alguém que se apresenta a olhar por cima da burra o Pélissier, o Boxer (et al, presumo) vir, ao mesmo tempo, recomendar-me humildade.
Primeiro, acoima-me por referir "autores humildes" e depois prescreve-me humildade. Há aí um desarranjo qualquer. Alguém a armar ao pingarelho, e não sou eu.
O Regresso da Acromiomancia, que grande notícia!
Agora é apertar o cinto e acompanhar a viagem
Miguel D
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