sábado, abril 09, 2016

A lógica do massacre





Vou falar com franqueza (mais ainda do que o usual): sou um adepto fervoroso da reinstituição do duelo. Utopia, gritarão alguns. Como é que se reinstituía uma fórmula social especificamente masculina num tempo e espaço onde a masculinidade está em fase final de proscrição? Bem, há quem acredite nas leis, leisinhas e leisetas para internar a natureza, eu acredito que a Natureza acaba por ter sempre a última palavra. E como não está limitada por relógios, prazos e juros... Portanto, tenho fé.
Entretanto, relembro o duelo entre Ramalho Ortigão e Antero de Quental, acontecido por via duma disputa em jornal. Alguém ofendeu, alguém se sentiu injuriado, ainda por cima em público, ora tome  lá as minhas testemunhas e compareça em tal sítio, se é homem e tem honra, e coloque a pessoa física onde colocou a pena (tremela, ou o que seja). Com que prazer e alacridade eu próprio responderia a esse tipo de convite, de modo a brindar  (a soco, cutilada, tiro, ou o que fosse) aquilo que apenas afloro com a ponta do adjectivo.  Poderia também ser ferido ou até morrer? Sem dúvida. E a beleza reside sempre nessa justiça das coisas. Afinal,  estamos a falar da última manifestação do modo homérico (e heróico) da guerra: o duelo. Entre dois homens, armados com as mesmas armas e nas mesmas condições. O que conta ali é o andros - a virilidade, a bravura , a coragem do indivíduo, de cara e peito descobertos, e corpo às balas, lâminas, ou o que seja, e não a vantagem em equipamento ou prótese amplificadora e batoteira. Antes da massificação e da cobardia instituída, a começar nos estados e  a acabar nos rebanhos, onde cada qual, na medida do seu alcance, escudo ou panóplia tecnológia, se entretém a massacrar o próximo. Exactamente: o duelo é o oposto do massacre. Como a coragem é o inverso absoluto da extrema e máxima cobardia. O próprio termo "massacre" denuncia a sua genética e o seu domínio: a idade da massificação, dos meios tanto quanto dos homens, que, destituídos de princípios e fins, passam também a integrar-se na mera masturbação compulsiva daqueles. A vitória dos cobardes coincide com essa vil posse e sórdido uso de  uma superioridade esmagadora de armas (a limite, todo o meio serve para esse fim bélico e massacrante). E assim desembarcamos nessa era em que o triunfo coincide com a banal ostentação não de coragem ou qualquer virtude homérica, mas da pusilanimidade, do oportunismo, da velhacaria, da perfídia, da traição, da vigarice, da baixeza, da abjecção e de todos essas destilações do alambique mixordeiro da impiedade hodierna . Com o aparato legal, não querem, em bom rigor, obstar aos flagelos e aberrações da natureza. Bem pelo contrário, querem substitui-los, usurpá-los e administrá-lo a seu bel-prazer. Do Estado-deus à superpotestade global, o que se trata, doravante, é de distribuir catástrofes sob um arbítrio e capricho absolutos e supra-éticos.

Posto o fundamental, vamos aos feijões.

Ora bem, ainda recentemente, o pagode entreteve-se com mais uma daquelas questão de transcendente importância para a vida da nacinha,: o caso dum faz-de-ministro que, mais que ameaçar, considerou dignos de  "Um par de bofetadas" um par de faz-de-croniqueiros de lugar de hortaliças. Estes, pelas contas do outro, ter-lhe-iam andado à canelada persistente ao exercício. A qualidade dos faz-de-croniqueiro não vem agora ao caso. Um faz-de-conta muito melhor que o outro, mas isso para a nossa questão ´irrelevante. O certo é que o "par de bofetadas" serviu para uma grande  onda de escândalo e indignação, especialmente entre os da seita dos faz-de-oposição à seita do faz-de-ministro. E o caso não é para menos: um tipo que insinua um par de bofetadas, a seguir dispara necessariamente numa espiral de violência que terminará em qualquer coisa como pôr bombas e despoletar o apocalipse. Quem pode jurar, nestes tempos perigosos, que alguém não está já sob o efeito pervasivo e mirabolante de textos escabrosos, designadamente, milenaristas!...
Bem, não sei o que é oferecer bofetadas a alguém, nunca ofereci, e também não sei o que é dar bofetadas, também nunca dei. Nem seria capaz de dar.  Sobretudo, porque não me parece procedimento lá muito masculino. Junto pois a objecção ética à impreparação técnica. Bofetada, é coisa, ao que sei, que as pessoas portadoras de sexo feminino ensaiam nos portadores de sexo masculino em estado de juvenilidade vitalícia (nestes dias, vai dos 8 aos 80). Pior que bofetadas, há ainda, muito comum, o oferecer um estalo, que é a tradução quéque do par de bofetadas. Os tios e betinhos, ao que me dizem fontes familiares, só dão um beijinho em vez de dois, durante o protocolo de saudação, pelo que, presumo, reduzem igualmente o par de bofetadas à unidade do estalo.
Se me permitem o parêntesis, acrescentarei que, dum modo geral, noutras matérias mas ainda mais nestas, um homem, digno dessa condição, não deve primar nem pela tibieza nem pela mesquinhez. Se dá ou apenas oferece, certo é que deve ser sempre generoso e apresentar algo digno de reconhecimento e memória futura. Por exemplo, para o efeito em questão, um muro nas trombas, ou, como diria o Engenheiro Ildefonso Caguinchas, um pontapé pela alcatra acima e uma cadeira pelos cornos abaixo em nada desmereceriam dum Ajax (o grande). Não vou ao ponto de exigir requintes de pontapés voadores ou circulares aos queixos (um lateral ao plexo também tem a sua majestade nobilíssima), porque nem todos curam do kung-fu como recomenda o Tao (do pequeno Dragão, no meu caso), mas, que diabo, o mínimo duns safanões enérgicos, ou uma cabeçada bem dada (puxa-se o crânio, em todo seu sólido conjunto atrás, firma-se bem uma das pernas em modo mais recuado e arremete-se de seguida, em bloco e com todo o peso do arcaboiço, assestando com a placa óssea logo acima da testa - ali onde principia o couro cabeludo - nas ventas adversárias, onde a zona do penca garante os melhores e mais promissores frutos), seriam o mínimo exigível para quaisquer olimpíadas da decência. 
Em todo o caso, estas coisas não pertencem, disso estou seguro, ao domínio da oferta: dão-se ou não se dão. Caso contrário, cai-se naquela encenação patética do "segurem-me, senão desgraço-me". Que era o que o faz-de-ministro estava. no fundo, a clamar: "que o segurassem". Em vez disso, dessa entreajuda para obviar à pega, rompeu o Carmo, a Trindade e a rua da Betesga, horror, anátema e mais não sei quê, que não era coisa digna de ministro, que um ministro fizesse. Mas também não era o caso, que diabo. Nem era um ministro a fazer, nem há o perigo, desde há anos a esta parte ou nos tempos mais próximos, que um ministro o faça. Mais, portanto, do que a acusar o faz-de-ministro de algo que ele fez, estavam a acusá-lo de algo que ele não é. O que me parece, de todo, claramente injusto e destrambelhado.
Nesta faz-de-republiqueta, qualquer elemento do faz-de-governo só o que faz na generalidade, e com cada vez mais raras excepções, é   coisas dignas de ministros e ainda mais de governos. E não se nota que sobrevenham grandes críticas a um tal estado de calamidade pública. Até porque os faz-de-críticos também só o que sabem fazer é coisas indignas de críticos (e o mais que resumem é, em vez de genuíno desgosto da acção, apenas vã inveja e cobiça do lugar para idêntico faz-de-conta). E quem diz os faz-de-críticos, diz os faz-de-justica, faz-de-informação, os faz-de-militares, os faz-de-elites e , por aí fora, até, a limite, aos faz-de-povo (súmula mais ou menos redundante de todos os anteriores em forma de  sufrágio esquisito).
Portanto, o tal par de bofetadas não foi objecto de consternação geral por ser um "acto indigno dum ministro". Bem pelo contrário, foi por ser um deslize indigno dum faz-de-ministro. Passo a explicar, detalhada e sucintamente: qualquer faz-de-ministro sabe (ou deve saber) que para esse efeito (de esbofetear, puxar orelhas, etc, a terceiros, avulsos e, sobretudo, a faz-de-croniqueiros) existem assessores, polícias, tribunais e as administrações dos faz-de-croniqueiros. É certo que nalguns casos outros governos mais altos se levantam e os faz-de-croniqueiros estão sob o manto protector (e o fio transmissor) de outras potências soberanas. Bem, nesse caso manda o guião que o faz-de-ministro se resigne, solte, se tanto, uns suspiros e tire desforra no povo genuíno, que faz de  saco de pancada regimental. Através de decretos no faz-de-Diário da república, o faz-de-ministro pode espancar à vontade. Quer dizer, pode massacrar   sem problema nem risco de sururus ou maçadas. É para isso que ele lá está. O que tornou o deslize deste faz-de-ministro superlativamente grave foi não apenas ter atentado contra os preceitos deontológicos da classe, mas, cúmulo dos cúmulos, ter sido lavrado no verdadeiro Diário desta República:  o Facebook.


13 comentários:

Vivendi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vivendi disse...

No verdadeiro Diário desta República: o Facebook.
hahahaha
Pior que é assim.


E por falar em duelo, ainda há quem saiba lutar com mestria nestes tempos estranhos...

https://www.rt.com/news/338957-putin-translates-german-wimmer/

Para quem não entender a mensagem contida eu traduzo:

Deve a Europa combater quem nos procura compreender?
Acorda Europa!

Ricciardi disse...

Bem bem estamos muito próximos de Darwin. A selecção do mais apto por via do duelo.
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Ainda bem que recomecei o treino de esgrima que havia deixado há 20 anos. Vai o colestrol abaixo e mais alguém que se meta a insultar.
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Os anarco liberais tb gostam muito do duelo com expressão suprema da liberdade individual das partes. Neste blogue naonse percebe bem a razão, mas apela-se à selecção natural.
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Enfim.
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Rb

V disse...

Coisas de uma república do faz de conta numa civilização do faz de conta.

O faicebuke, orgão oficial da lavagem de roupa suja da populaça grunha, ainda não está à altura de orgão oficial da república do faz de conta.
Já têm os "laikes" mas falta-lhes algo mais. Os "estalos na faice" seria uma hipótese. Porém tal violência gratuita (ainda que enfeminada - mas talvez não o suficiente) a almas tão sensíveis seria absolutamente inaceitável. Pelo que, já esta prometido pelo pencudo-mor, o tal de zurra-berg (berg tb faz parte de muitos desses nomes com pedigree), a implementação dos "dis-laikes".

Após um tal "upgrade", aí sim passa a ser o verdadeiro diário da república do faz de conta, ou mais ainda: da civilização do faz de conta.




"Neste blogue não se percebe bem a razão, mas apela-se à selecção natural. "

Uma questão de higiene natural apenas.
Vermes, como por exemplo o soros e os seus suínos incondicionais seguidores já tinham em grande parte sido limpos da face da terra.

Haverá algo mais saudável e natural que isso?

Ricciardi disse...

Não é nada natural aniquilar os vermes. Nem saudável. Quem é que acha que vai mastigar o caro V e decompo-lo em fertilizante quando perder o próximo duelo?
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Rb

Ricciardi disse...

E depois é injusto o duelo. É injusto para quem tem músculo na cabeça e flacidez no resto do corpo. Dizem que a natureza é assim mesmo é que só sobrevivem os mais fortes.
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Pois eu acho essa tese errada. Os mais fracos revelaram ser os mais aptos. É o ser humano é a prova disso. É o animal mais fraquinho e, no entanto, reinou sobre todos os outros.
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E como é que eu tenho a certeza disso?
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É simples. Observando as minhas cadelas. As mais fortes morreram todas. As mais fracas sobreviveram todas. É do catano.
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Isto é muito científico. Pois, as minhas cadelas mais fortes comiam tudo e praticamente deixavam os restos para as mais fracas. O que tem vindo entao a acontecer? (Quem vive em aldeias percebe bem isto)...

... as cadelas mais fortes comem os venenos todos que os assaltantes e/ou vizinhos maldosos lhes dao. Quase não sobra veneno para as mais fracas.
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Rb

Ricciardi disse...

Mas alinho em bofetadas de luva branca. Desafio v.exa para um duelo onde seja destacada agilidadade intelectual, no xadrez, checkers, gamão, enfim, ou duelos que elevem o espirito no campo da musica, pintura... ou que destaquem uma agilidade no campo desportivo ou a especular na bolsa. Um vence, outro perde, não necessariamente a vida.
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Rb

Anónimo disse...

Eu cá só dou o melhor às minhas cadelas: Pedigree-pau.

Anónimo disse...

Uff...
Depois do milenarismo, volatmos à 'normalidade'. E á rotina dos grunhos no 'Fiacebuque' :)


'Mas alinho em bofetadas de luva branca. ...'

Este 'picou-se'.
Bem entendido que sabe bem o que faz.
Tal é a ruindade que nem os vizinhos gostam dele e quem paga no final são os pobres animais.


JJB

Ricciardi disse...

É para isso que eles servem. Proteger os donos da ruindade alheia. Tenho uma vaga para cão de guarda. Podes candidatar-te que eu gosto de rafeiros.
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Rb

muja disse...

Então ó machambas, achas que tens músculo na cabeça mas falta-to no corpo hem?

Ahahah!

Machambas I - o maior da sua aldeia em xadrez, gamão, música, pintura, miragem de bolsa, e campeão da agilidade intelectual e desportiva, modalidade também popularmente conhecida por "cinco dedos e uma corrida", especialista na variante "envenenamento de animais", com vários estágios em Angola.

Ave campeão!

Ricciardi disse...

Não sou nada mau nas damas, no gamão... e na esgrima.
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Na arte da música deixo isso para ti. Não deve haver melhor corista do que tu.
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Rb

Anónimo disse...

Rb de porco rabeta.

Mais rafeiro e cabrão do que tu é difícil.

Ricciardi ou o rabeta Rb, cobarde e projecto incompleto de penca. Diz-se português mas vende-se a qualquer israelita ou dá o cu bem aberto a qualquer um que lhe pague.