quinta-feira, janeiro 22, 2009

4ª Lei da Ratafísica Desantropológica

(No seguimento da Primeira, Segunda e Terceira Leis da mesma Ratafísica)



- Não íamos mesmo agora a correr atrás da Islândia, da Irlanda e desses assim?

- Não íamos, vamos. E temos que acelerar, porque à velocidade a que tu vais, e com essa mania de estar sempre a olhar para trás, nunca mais lá chegamos. Já nem se avistam!...

- Tu é que não avistas. Só sabes olhar para a frente.

- Querias que olhasse para onde, hein? Tenho que olhar pelos dois, aliás, pelos três: por mim, pelo nosso futuro e por ti. Taranta como és, sem mim ainda te perdias ou extraviávas desastradamente.

- Bem, por mais que eu olhe para a frente, a verdade é que o horizonte é sempre o mesmo!... Ao menos, quando olho para trás sempre vislumbro alguma variedade.

- Vês?! É o que eu digo: Que falta de imaginação! Que ausência de fé! Que miras de toupeira estúpida e anã! Irra, como é que não consegues avistar a vastidão prodigiosa que nos aguarda, ali bem à nossa frente? Não escutas o chamamento glorioso do devir modernizante?

- Isso é à tua frente. Diante de mim é sempre o mesmo e não é assim tão grande. Além disso, diz-me sempre a mesma coisa...

- Não é assim tão grande?!! Diz-te sempre a mesma coisa?!! Continuas o mesmo atraso de vida de sempre. Quando não vais a olhar para trás, deves ir a dormir ou a olhar para os pés.

- Na verdade, quando não vou a olhar para trás, vou a olhar para ti. É esse o meu completo horizonte. O adiante de mim que está sempre a dizer-me o mesmo: “mais depressa! Mais depressa!” Deve ser porque corres à minha frente e eu corro atrás de ti. Acho que olhar para trás é uma espécie de tique meu... Uma pausa instintiva na monotonia.

- Devias era agradecer-me: olho para e futuro e olho por ti.

- Pois, de facto. Olhas por mim e eu olho para ti. Experimento um invariável dificuldade panorâmica com o horizonte futuro, mas acho que já descobri porquê.

- Ah, sim... Porquê? (Sempre quero ver o que brota desse cérebro de pevide...)

- Porquê?... Porque está perpetuamente ocupado por ti a bradar-me: “mais depressa, mais depressa!” No meu futuro estás sempre tu a conduzir-me ao futuro, e a explicar-me os modelos, as metas e as direcções mais urgentes. Que, de resto se resumem a um conceito muito simples: os que correm à nossa frente. Temos que correr atrás deles.

- Exacto. Eu corro atrás deles e tu corres atrás de mim. É a lei eterna. Afinal, não és assim tão estúpido como eu pensava. Deve ser da convivência.

- Até aí já percebi. Só não percebo agora é uma coisa deveras intrigante...

- O quê?

- Se íamos a correr atrás da Irlanda, da Islândia e assim é porque eles corriam à nossa frente, certo?

- Exactamente. Onde é que jaz o pentelho?

- Então como é que subitamente, em vez de estarmos nós a correr na direcção deles, são eles que estão a correr na nossa direcção?

- Mas que idiotice está para aí a insinuar?! Regrides à imbecilidade mais irritante?

- Não. Limito-me a olhar para trás.

- Pois esse é o teu problema. Se olhasses apenas para a frente, como te compete, não dizias tantas asneiras.

- Mas à minha frente estás tu. E à tua frente estavam eles. Continuas a vê-los, tu que olhas sempre em frente?

- Hum, ver já não vejo. Devem ter acelerado prodigiosamente...

- Pois, mas eu que olho às vezes para trás estou a vê-los. Claramente vistos, como diria o camões. Ou seja, por incrível que pareça, o futuro que corria à nossa frente, agora vem a correr atrás de nós!

- Mentes com aleivosia. Aproveitas-te do facto de me ser interdito olhar para trás.

- É como te digo: aproximam-se a bom ritmo. O teu futuro já é passado. O amanhã risonho que nos auguravas como prémio para a corrida, dá-me ideia que passou por nós sem que nós, sequer, tivessemos passado por ele. Fenómeno bizarro, hás-de convir. Seguias tu deslumbrado com o amanhã e aparece-me ele vestido de ontem. Que vamos agora nós fazer com este alucinante presente? Paramos?

- Parar?!!! Parar nunca! Corremos. Corremos desalmadamente. Com quanta força e energia temos. A todo o galope!

- Corremos para onde? Bem, eu corro atrás de ti, até aí eu sei, mas tu corres atrás de quem? Decerto não podes correr atrás deles porque eles, neste momento, correm atrás de mim e, nesse caso, estarias a correr atrás de mim em vez de correres à minha frente. Horrorosa perspectiva, agora que penso nisso: eu próprio, ao mesmo tempo que corria atrás de ti (uma vez que tu corrias atrás de mim, já que atrás deles) corria também à minha frente, ou seja, eu próprio corria atrás de mim e , pior ainda, tu próprio, que aparentemente corrias à minha frente, na realidade corrias atrás de mim.

- Realmente, és muito estúpido. Que roedor imbecil! Será que ainda não percebeste a pista onde corremos? É um circuito, ó otário. Um circuito fechado. Se os vês atrás de nós é porque nos atrasámos escandalosamente deles: estão a dar-nos uma volta de avanço! Acelera, filho da puta, acelera! Fujamos desta situação embaraçosa.

- Mas somos lemmings ou somos atletas?

- Somos lemmings atletas... da modernização.

- Não sei porquê, isso soa-me a hamster.


4ª Lei da Ratafísica Desantropológica: O avanço do progresso resulta do quociente entre a velocidade de aproximação a uma ilusão e a distância de afastamento a uma ameaça. (Lei que está ainda em estudo).

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